07. UMA GAROTA FLAMEJANTE

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Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

- Luís de Camões

Faz um tempo que estávamos enfiados no trem. Enquanto Cassie descansava a cabeça em meu ombro, eu observava a paisagem se desbotar do lado de fora da janela, acompanhando o fumegar desnorteante da chaminé. Era tudo tão incrível, que me surpreendia dizer que eu ainda estava perto de casa. Minha cidade não era assim.

Senti algo na minha perna, enterrei a mão no bolso da calça e peguei o que parecia ser um pedaço de papel. Anexado a ele, tinham 3 fotos pequenas. Puxei os objetos amassados e forcei a vista para entender o que estava escrito. Ah, como eu sentia a falta dos antigos óculos! Por sorte, consegui arranjar um par na casa de Jason. Ao mencionar o nome dele, um arrepio se formou em minha espinha, junto a um nó de marinheiro no estômago. Lembrar de alguém como meu irmão me fazia perguntar como eu poderia confiar em outro alguém, mas era impossível. Só podia confiar em mim e em Cassie.

Balançando a cabeça, espantei os pensamentos ruins. Tentei desamassar o papel que descobri ser a carta que Cassandra me enviara como resposta à minha.

- Isso é o que eu acho que é? - a garota acordou, deixando um bocejo escapar de seus lábios.

- Depende. - falei, virando o rosto para ela - Se estiver pensando na coisa que me deixou deprimido por dias, então acho que sim.

Cassie desviou o olhar, como se estivesse incomodada com o comentário. Ela suspirou e fingiu um sorriso que saiu bem desajeitado.

- Sinto muito, mas você me machucou com aquela coisa de "se afastar do mundo". Achei que aquela fosse uma carta de suicídio. Por isso enviei a minha para Jason, talvez você pudesse receber antes de fazer qualquer coisa estúpida. Quando soube de sua morte... - seu olhar percorreu pela poltrona acolchoada do vagão. Baixei a cabeça, o arrependimento parecia empurrá-la ainda mais para baixo - Eu sofri, Millard. Não posso esconder isso de você.

Desdobrei a carta, que possuía por fora o nome de Cassandra. Se a caligrafia de Jason fosse comparada a dela, seria humilhado na mesma hora.

Millard, - li em voz alta a primeira palavra, notando que antes de "Millard" havia um "querido" grosseiramente rabiscado - Sinto uma dor forte no peito, um fúnebre vazio no coração, um frio na alma. O que isso deveria significar? O que tudo isso quer dizer? Por horas fiquei me perguntando como poderia sofrer dessa maneira por alguém que deveria ser meu melhor amigo. Me perguntei até quando viveria com esse buraco negro excruciante me puxando para baixo.

Por que fez isso comigo? Eu merecia? Fiz algo que te magoou e esta seria sua impiedosa vingança? Oh, Millard! Queria que soubesse o que estou passando, até que sentisse minha imensurável dor. Por quanto tempo acha que precisei viver angustiada por te amar e nunca saber que a sensação era recíproca! Quando finalmente tive o contentamento de saber que me amava, você se apartou de mim da maneira mais misteriosa possível. Eu fui cegada pela inocência e confesso que até agora, estou completamente cega. Você é meu veneno. Sim, você é.

Mas não se preocupe, já estou decidida. Eu te destesto, Millard George Nullings. Te detesto por te amar demasiadamente.

De sua ex-amiga,
Cassandra Valentine

P.S.: Não quero estas fotos. Elas me lembram dos momentos prazerosos com você.

MIRROR ;; millard n. ( ✓ )Unde poveștirile trăiesc. Descoperă acum