5 - Como sentir

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Acompanhei a menina Misha nos dias que se passaram. Ela não saiu da casa nenhuma vez e também não disse nada sobre o encontro com o lobo para sua amiga ou a mãe dela.

Ainda estava um pouco aérea as questões e aos assuntos. Quando era indagada sobre as responsabilidades dizia apenas que queria contribuir com as responsabilidades dessa casa primeiro antes de fazer as responsabilidades de sua própria casa.

Algumas pessoas comentavam pela vila que a menina era uma tola em pensar que daria conta sozinha de uma casa e mais um terço de outra. Ouvi também pessoas dizendo que ela temia morrer como a família e por isso não saia da casa a qual foi acolhida.

Listas e mais listas chegavam na outra casa com datas e prazos e ela apenas os ignorava. Ainda pensava que poderia ignorar os pedidos.

A fofoca ao redor da vila aumentava quando o prazo da primeira lista aproximava-se. Nesse dia a menina já tinha terminado seus afazeres concluindo as demandas de sua parte na casa das Oleris.

Rudah, por sua vez perambulava na floresta o dia inteiro temendo ser visto por ela novamente. Todas as noites, porém, voltava para perguntar-me sobre como havia sido o dia da garota.

Coincidentemente ele voltou no dia que a menina Misha escolheu para lavar-se. Já havia anoitecido e pessoas não costumam lavarem-se na calada da noite. Mas creio que a menina Misha não queria que as pessoas da vila a vissem fora de casa pois sabia que iria ser cobrada.

- O que ela está fazendo? - pergunta-me Rudah em sua forma humana. Encostado no canto enquanto eu o contava sobre os boatos de como a vila estava se comportando com as atitudes dela.

- Vai lavar-se, não vê? - achei graça de seu modo envergonhado. Ele tentou fingir desinteresse mas não tirou os olhos da garota.

- Não são horas para isso. - resmungou virando-se para o outro lado.

- Está envergonhado por estar acompanhado? Sabes que eu não o julgo. Não me importo com a sua curiosidade em corpos de bruxas.

Ele vira-se para mim com um olhar agressivo. Se pudesse teria me batido consigo sentir sua vontade e agressividade. Essa é a única forma que eu sinto, quando os sentimentos de Rudah são comigo.

- Você passa tempo demais com ela. Isso está lhe deixando muito ríspido. - falou e voltou a olhar a garota descobrindo o corpo do pano e deixando apenas uma camisola fina que esvoaçava.

A menina fechou- se atrás de si a proteção de corpos feita de tranças de nalhadas e aquilo tampou uma parte de seu corpo deixando-nos avistar apenas seus ombros e a cabeça e também a parte abaixo dos joelhos. Entrou no balde rústico de madeira cheio de água e pegou com a grossa esponja um pouco da água que ali estava para espalar pelo seu corpo por cima de sua camisola. Imagino eu que a água deveria de estar numa temperatura baixa caiu da esponja molhando-lhe os cabelos castanhos, desfazendo aos poucos os longos cachos e deixando-os lisos.

Ela deu um gritinho animado com a água fria ao tocar sua pele. Provavelmente não esperava que estivesse assim, como eles dizem com a temperatura baixa.

Olhei para Rudah que a encarava minuciosamente. Eu sabia que ele sentia algo mas não tinha ideia do que aquilo era.

Não estava apenas olhando como eu. Sua respiração acelerou-se e sua boca movimentava-se franzindo como se tivesse cerrando os dentes. Seus dedos fecharam em cima do peitoral do telhado e seus olhos nem piscavam.

Parou de falar comigo entrando em seu transe. Estava novamente fixado, mais até do que quando caça uma presa. Soltou por um momento os lábios para engolir a própria saliva. Parecia difícil fazer algo tão natural para ele.

Não falei nada. Sabia que sentiria-se desconfortável se o atrapalhasse.

Voltei a olhar para a menina e percebi que após acostumar-se com a água ela deliciava-se ao lavar-se. Sorria para as estrelas e rodopiava feliz. Era de fato a primeira vez que a via sorrindo desde que a conhecemos.

Após um tempo largou a esponja de volta no pequeno balde onde estava inserida em pé, e para a nossa surpresa ela não trocou de camisola como as mulheres normalmente fazem atrás da proteção.

Saiu com a mesma molhada e grudada em seu corpo.

Rudah estremeceu ao meu lado pois essa era a primeira vez que víamos realmente as curvas do corpo de uma mulher.

E posso dizer que era um tanto interessante a forma que a camisola branca molhada, transparente prendia em seu corpo. A menina Misha deu mais uma olhada para as estrelas sorrindo e então seu olhos caíram na casa a sua frente. Direto nos olhos de Rudah.

Ela não se assustou nem se escondeu muito menos cobriu-se. Virei para Rudah e percebi que ele não havia se intimidado de ter sido descoberto. Também não se encolheu nem fugiu.

Estranhamente um arco azul como uma onda saiu do corpo da garota fazendo-a tombar para trás símbolos estranhos atravessaram o ar junto e veio em nossa direção. Ao nos atravessar Rudah jogou-se para trás respirando exasperado e eu senti o comichão. Nunca havia ficado assustado nem sem fôlego. Mas era exatamente dessa forma que meu espectro comportava-se nesse momento. Como o corpo de Rudah quando está assustado e sem fôlego.

- Você viu isso? - ele pergunta-me encolhido do outro lado como se tivesse acabado de apanhar - Sentiu isso?

- Eu... - não sabia como responder - Senti!

Olhou-me incrédulo. Balançou a cabeça de um lado para o outro confuso.

- Era uma pergunta retórica. Eu sei que você não sente. Co-co-mo você sentiu? Você realmente sentiu?

- Sim, você já viu aqueles símbolos em algum lugar?

- Que símbolos? Só vi a onda azul. Será que era um feitiço? Como, o pó? Ela me amaldiçoou por vê-la tomar banho? - suas perguntas desesperadas vibravam roucas na garganta enquanto balançava a cabeça de um lado para o outro.

- Você já é amaldiçoado. Sabe que não é assim que funcionam maldições já pesquisamos sobre isso. Senti algo bom, não sei decifrar. Foi confuso, estranho, perturbador, fresco como quando você diz que o vento é ao bater em seu cabelo. Tinha os símbolos que não entendi. Não sei o que significa, mas algo está martelando em minha mente como se fosse uma coisa óbvia.

- Vlad! Ela me viu.

- Talvez não seja tão ruim. Creio que o significado seja curiosidade, interesse. Não sei o que estou falando... - balancei a cabeça e olhei para baixo e percebi meu dedo em uma tonalidade diferente.

- Seu...

- Meu dedo. Parece estranho... - tentei olhar para a coloração brilhosa um azul misturado-se ao amarelo claro. E de repente compreendi. - Sim, sei o que é isso. Ela está curiosa, excitada e interessada. É um sentimento uma sensação, um estado físico. Ela me deu um sentimento, me deu um estado físico. - olhei novamente para Rudah - Ela deu-me um sentimento.

- Como isso é possível? - quis saber sem entender meu olhar.

- Ela é uma senhora de estado. Deve poder dar sentimento a espectros.

- Não acha melhor ver onde ela está? - perguntou-me reparando que a menina havia voltado pro interior da casa.

- Quer saber se ela falou de você? - sorrio, percebendo como ele está sem jeito.

- Vlad! - balança a cabeça pro lado.

- Irei!

Pisco meus olhos e estou dentro da casa. Não a vejo por isso vou ao quarto. A menina já trocou a camisola e veste um novo vestido seco. Anda impaciente de um lado para o outro enquanto seca os cabelos em um pano.

Sua respiração também está agitada. Ela olha para o vidro acima de sua cabeça, puxa a cômoda e sobe tentando vasculhar o há lá além das estrelas. De um canto ao outro ela posiciona-se mas não tem coragem de abrir nem de sair.

Acho interessante a forma que ela se comporta, o interesse. Claro que deve estar sentindo-se ofendida, mas não aparenta querer brigar com Rudah por espioná-la. Aparenta querer vê-lo novamente.

O Espectro (Segredos de Marion #1) ✔Onde as histórias ganham vida. Descobre agora