20 - O Resgate

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Não disse para Rudah tudo aquilo que a menina Misha queria que dissesse. E não me senti culpado nem um pouco ao esconder essa parte dele.

Não acreditava que ele fosse pensar em aceitar a oferta. Achei que ele pudesse pensar com desconfiança de mim e da minha determinação em salvar a bruxa.

Não importava o que a menina Misha desejava para nós. Eu fiz a escolha, iríamos salvá-la ou morreríamos tentando.

Passamos um dia cautelosamente rondando a região da casa da menina Becca. Ao cair da noite era o momento em que iríamos agir. Fui e voltei várias vezes para ter certeza que a menina Misha ainda estava lá.

E sim, ela estava com a mulher louca de Cedric maltratando-a enquanto resmungava alucinada as palavras pedindo para que eu dissesse a Rudah para afastar-se e deixá-la morrer ali.

Ela poderia dizer o quanto quisesse eu não diria uma palavra daquilo a ele. E essa era uma escolha minha também, minha vida estava atrelada à Rudah e se eu achasse uma causa nobre para morremos por ela morreríamos. Lutando, juntos, como dois guerreiros.

Rudah escalou a casa de Becca pela primeira vez sem ser transformado em lobo. A faca que avisei para levar estava sendo mordida pelos seus dentes enquanto suas mãos e pés trabalhavam na lateral da casa para encontrar fendas de apoio para a escalada.

Queria manter-se camuflado e discreto para que o espectro de Cedric caso estivesse por ali demorasse para perceber nossa emboscada. Tardando assim o aviso de reforços, onde quer que ele estivesse.

Ao chegar no topo, eu já o esperava, a mulher louca ainda jogava o grimório em cima da menina Misha exigindo que ela dissesse as palavras que os fosse livrar da maldição.

Já a menina Misha estava fraca demais para tentar pensar em qualquer feitiço. Sua mente apenas era capaz de resmungar meu nome com o mesmo pedido corriqueiro para que abandonássemos ela ali.

Foi a primeira vez que Rudah ouviu suas palavras. Ele escondeu-se da mulher nas sobras tentando ver um caminho oculto para aproximar-se da tora que Misha estava presa e cortar as amarras de seus pulsos.

Olhou para mim e seus pensamentos me perguntaram: "A quanto tempo ela pede isso"

- Desde a primeira vez que a vi.

- Por que não me disse?

- Não iríamos seguir os conselhos dela mesmo. Para que perder tempo com detalhes insignificantes? Vamos, a louca não te viu, mas o espectro pode ter te visto. Não se demore mais do que o necessário precisamos sair daqui.

Ele aceitou minha resposta e camuflado nas sombras chegou abaixado por trás da tora, elevou-se calmamente e passou a faca pela corda.

A mulher do outro lado resmungava de costas para Misha. Deu-se conta que não estava sozinha apenas quando a menina caiu no chão em um baque surdo feito pelo seu corpo em cima das folhas secas da cama improvisada de Rudah.

- O que? - a mulher maluca vira-se e saca a faca de sua cintura. - Afinal, traidor! Você veio mesmo salvar a bruxa. Desacreditei quando meu marido disse que haveria essa possibilidade. Tinha esperanças que você tivesse ouvido os pedidos da garota e fosse um menino obediente. Agora entendo o porque és a desgraça de sua família. Você é um rebelde. Não obedece sua família, não obedece sua alcatéia, não obedece nem a sua bruxa. Vassalo! - A mulher cuspiu as palavras despertando o pior lado de Rudah.

Sem medir-se ele acabou com as roupas quando transformou-se em lobo. Rugiu forte para a mulher colocando-se entre ela e a menina Misha.

- Ohh cãozinho sarnento! Pensas que eu não sei como cuidar de bichano pequeno e ridículo como você? - ela pegou o pedaço de uma mesa de madeira provenientes da casa de Misha em um dos cantos quebrou com os pés soltando uma ripa afiada.

Preparou-se para lutar com Rudah com a faca em um das mãos e o pedaço de pau na outra.

Rudah queria acabar com a brincadeira de uma vez jogou-se para cima da mulher e, eu já sabia qual era o golpe que ele daria. Investiria pesado em cima dela para fazê-la desmaiar de uma vez.

Não contávamos com a rapidez da mulher louca.

Ao ver o lobo subindo pelos ares jogou-se ajoelhada no chão e deslizou para baixo dele. Antes que as garras de Rudah pudessem agarrá-la ela passou a faca enquanto deslizava para frente de costas rente ao chão.

A faca cortou Rudah na barriga abrindo um grande rasgo de sangue.

- Subestimamos ela.. - seu espectro diz para mim enquanto sente a dor. Seu corpo em forma de lobo cambaleia para o lado, mas logo se posta em pé. Rudah é durão e não é um machucado que o fará desistir.

A mulher do outro lado já estava em pé novamente, agachou levemente os joelhos colocando-se em posição de combate para uma nova luta.

A faca sanguentada posicionada na frente de seu rosto pingava lentamente o sangue do lobo no chão.

A louca sorri maliciosamente e lambe a faca como se estivesse apenas divertindo-se.

- Eles estão a caminho. Você sabe? Mas vejo que não preciso de reforços para lidar com um filhote. - ela sorri lambendo os beiços manchado com o sangue de Rudah.

Rudah pula para o beiral, e de lá joga-se novamente para perto da mulher, mas dessa vez pro seu lado. Ela perde o golpe pois pensa que a investida viria de frente.

Ao aterrisar do lado dela joga seu rabo com toda a força em choque ao peito da louca. Ela mira a ripa de madeira mas perde a direção ao ser atingida. Cai afastando no chão lutando para respirar.

Rudah caminha cambaleante ainda sentindo o ferimento. Aproxima-se novamente posiciona-se pro ataque e pula.

A mulher rola no chão para o lado cravando a ripa afiada em sua pata dianteira. Ao mesmo tempo em que as garras atravessam-lhe o ombro.

O lobo ruge e a mulher grita. Ambos sentindo a dor.

Rudah se afasta pegando espaço pula de um lado para o outro aproximando mais uma vez dela. Que agora já está em pé sem forças com a faca na mão. A ripa foi quebrada no último golpe.

A louca aguarda o golpe do lobo, que corre em sua direção, posiciona a faca querendo acertar de primeira. Rudah se joga e vira lateralmente no ar.

- Sua direita! - eu grito prevendo de onde virá o golpe dela.

Ele tenta mover-se, mas não foge completamente do ataque a faca atravessa sua entranhas e seu corpo grande e parrudo chocasse com a pequena mulher direto na muralha do parapeito.

A muralha se quebra a mulher despenca do alto do terraço da casa de Becca enquanto Rudah ainda com a faca cravada em sua pele tenta agarrar-se em algo.

Ele transforma-se de volta em menino e seus dedos alcançam o parapeito quebrado antes de cair.

Sobe debruçando cansado. Olhamos juntos para a ferida na altura dos seu quadril, ele puxa a faca e pega o pano velho de suas roupas gastas para tampar o ferimento. Lá embaixo a mulher está morta envolta por uma poça de sangue. Seu sorriso maligno nos lábios e seus olhos abertos para o céu estrelado.

O Espectro (Segredos de Marion #1) ✔Onde as histórias ganham vida. Descobre agora