Dois

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Há ameaças sombrias, veladas nas páginas de todos os jornais e muitos olhos tristes pelas ruas

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Há ameaças sombrias, veladas nas páginas de todos os jornais e muitos olhos tristes pelas ruas. E vive-se! Vive-se?

Panfleto do nojo, Abdul Cadre.

Cecí, gostava de ler, lia tudo que encontrava desde poesia, até as notícias do jornal. Quando mais nova pegava livros na biblioteca, livros grossos que nunca terminava de ler, um pouco por que não entendia, e outro tanto por preguiça, mas sentia-se feliz por estar com um livro nas mãos. Era uma criança curiosa. Agora adulta continuava com seu amor pelos livros, e também curiosa.

A vida hora nos impulsiona, hora nos atropela.” Escrevia em seu pequeno caderno,  que estava quase cheio de palavras, palavras que saiam de seu âmago direto para o papel.

Sentia a corrente da vida pesada, não por seu passado cheio de agruras e abandonos, mas pela vida presente, e suas tantas repetições.

Acordava as seis e quarenta e cinco, saia para trabalhar às sete horas, tomava seu café no trabalho, preparava-se para receber os clientes junto com Júnior. Júnior era o filho mais velho dos donos da cafeteria, trabalhava lá desde seus quinze anos e agora estava com vinte e cinco anos, uma vida inteira com aroma de café e pãezinhos. Ao meio dia almoçava em casa, às uma e quinze já estava na cafeteria novamente. Às seis saia do trabalho, às seis e quinze estava em casa. E tudo se repetia. A única coisa que mudava era seu humor, e os livros que lia pela madrugada.

— Mãe, você gosta da rotina?
— Eu nunca pensei sobre isso, Cecí. E você?
— Eu também não tinha pensando sobre isso, até começar a me sentir esmagada por ela…
— Então, por quê não faz algo novo com suas amigas?
— Mas eu não faço ideia do quê, mãe.
— Tenho certeza que você vai pensar em algo esta madrugada.

Alice, sempre estava cansada, trabalhava com faxineira em um hotel, era apenas ela e mais uma senhora, que já estava perto de se aposentar, isso claro, antes de receber a notícia que o governo faria mudanças na previdência social. Quando aquela senhora percebeu que não estava tão perto de poder descansar, entrou em prantos, não era apenas a dor nas costas, sentia-se abandonada pelo seu governo, pelo seu país. Alice, mesmo cansada tentou ser positiva, afirmou que poderia ser apenas boatos… mais tarde veio a descobrir que não eram.

Cecí, passou boa parte da madrugada lendo o livro “Panfleto do nojo”, de Abdul Cadre. Já tinha lido outras vezes, mas sempre gostava de ler novamente livros que tocavam ela, que ela considerava intensos. Percebeu que algumas poesias se assimilavam à atual situação do país, haviam protestos, olhares entristecidos por toda cidade. E ameças veladas em muitas machetes dos jornais. Sentia o país regredindo, e uma total impotência para com isso.

Pensou em ir aos protestos também, mas sabia que a muito tempo o governo não ouvia o povo, independente do partido, da posição política, eles mesmos decidiam o que era melhor ou pior para o povo. O povo estava sem voz, sem vez.

Cecília Onde as histórias ganham vida. Descobre agora