Capítulo 1

10.8K 699 459
                                    

Meu nome é Rayrah Scarllet e neste momento, eu estou em coma.

Ou pelo menos é o que eu acho. Não me lembro de como aconteceu, não sei a quanto tempo estou deitada nessa cama de hospital, mas posso sentir que há fios ligados ao meu corpo por toda a parte, movimentando algo dentro do meu sangue, fazendo algo ardente correr dentro das minhas veias. Eu escuto e sinto tudo ao meu redor, é uma horrível sensação, não poder me mexer, ver, ou falar alguma coisa. E a vontade de poder me sentir realmente, me arranha de dentro pra fora. Eu sinto como se a cada hora eu estivesse menos viva, menos eu. Eu preciso acordar.

Como eu cheguei nessa situação? Voltando no tempo, há uns seis meses atrás...

Eu tenho dezesseis anos, sou uma garota cuja única família é meu pai, minha irmã está desaparecida e sou órfã de mãe, uma ótima combinação.

Morava na divisão n°8 da cidade-país de Mondian, "uma capital" por assim dizer, foi construída após a segunda guerra química a centenas de anos atrás.

Apesar da fama, Mondian transborda pobreza. Crianças choram nas ruas, de fome e frio. Os trabalhos são integrais, exaustivos e com pouca remuneração. Aqui não se vive, se sobrevive. A aparente perfeição do palácio da Rainha é maquiagem que cobre a sujeira e a dor que atravessa a cidade. As pessoas trabalham até a morte e as que tem menos sorte, morrem cedo na guerra.

Estremeço ao lembrar que serei mandada para a batalha.

Mas não há para onde fugir, nem se pode, guerra destruiu tudo. Há apenas três cidades-países no mundo. Mondian, governada pela impiedosa rainha Hill Henshaw, Arnlev, governada pela Sacerdotisa Atswa e Evbád, a pior delas, até mesmo pior do que Mondian, com mais fome, e mais abandono, governada pela rainha Alyah. Mondian e Evbád estão em guerra há gerações.

Meu ofício era aprendiz de comerciante, assim como meu pai, que está incapacitado de trabalhar. Acabei me tornando uma contrabandista. Conheço muita gente, com muito dinheiro e muita coisa ilegal para passar pelas Fronteiras.

"Fronteiras", é um dos muitos nomes que chamam a imensa muralha que rodeia a cidade. Ela está ali para nossa proteção. Para nos proteger da guerra que explode fora desses muros.

A ironia nessas palavras é que a rainha Hill Heshaw, o monstro que não se importa com o estado da população que se mata de trabalhar todos os dias, manda, todos os anos, três crianças, de cada uma das oito divisões, para a "Instituição educacional com base na doutrina militar" nas palavras dela.

Para a Elite.

Recruta jovens e crianças dos oito aos dezoito anos para se tornarem soldados. Isso diminui o aumento da população, 6 em cada 10 dos escolhidos acabam mortos.

E eu espero sobreviver, como tenho tentado nesses dezesseis anos da minha existência.

Eu deveria ter saído dessa cidade maldita, queria passar como tudo o que eu transportava saía. Mas passar uma mercadoria pelas Fronteiras é bem mais fácil do que uma pessoa.

Quando meu nome foi chamado, eu não pude fazer nada.

***

Quatro meses (ou mais) atrás

Bateram na porta. Estavam ali para me levar.

As Crônicas de Rayrah Scarlett: Mistérios em Mondian [RETIRADA EM 25/01/22]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora