CAPÍTULO 08 - SURVIVAL

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Aquele era o terceiro dia em que Zara voltava à noite para passar um tempo com Scarlett. A humana estava hipnotizada pela sereia, e a sereia encantada pela humana. Seres extremamente diferentes que pareciam se completar.
Naquela noite, Scarlett não parecia muito bem. E isso preocupou Zara.
- Scar?
- Sim?
- Você está bem?
- Estou... Okay.
A sereia pulou na água e voltou a pular na pedra. Desta vez, na que Scarlett estava sentada. As duas dividiam um espaço apertado.
- Conte-me... O que houve?
A humana respirou fundo.
- É essa vida. Sabe... nunca fui muito de praia. Toda essa areia, e esse mar com essa água salgada. Sempre fui o tipo de garota que adora uma piscina. E agora ainda tenho Demétrius. Não que ele seja desagradável, longe disso. Nós nos damos muito bem, e enquanto ele dorme eu estou acordada e vice-versa, então não nos vemos muito. Mas... eu me habituei àquela coisa de estar sozinha. Viver sozinha. Ter minhas coisas e meu banho de sol e minha comida. E tudo meu, entende? Aqui é tudo nosso... E é o caos. Eu só queria estar... livre. Assim com você é, Zara.
Zara sorriu
- Somos livres, mas há um custo. Seguimos ordens. Sofremos durante a hibernação. Ou seja, nem tão livres assim.
- Falando nisso... - Scarlett encarou a cauda da sereia - Como funciona essa tal hibernação?
- Bom, isso depende. Cada espécie precisa de uma magia diferente, de um manuseio diferente. Nós, seres dos mares - sereias e tritões - passamos por três procedimentos. Primeiro, há a escolha de um casco jovem e forte. Sempre. Comportar nossa alma e passar por tanta mudança exige muito. Depois de escolhermos e adentrarmos o casco, as fadas fazem um trabalho minucioso... Costuram nossas pernas. Literalmente. Bom, não nossas, mas as pernas dos cascos. Até esse ponto, nós já podemos sentir tudo. E confesso que é a pior dor que já senti em toda a minha vida. Quando terminam essa costura, as fadas se reúnem e fazem uma magia que transforma a perna costurada em um tipo de cauda. É algo meio gelatinoso, mais para causar a cicatrização dos pontos do que qualquer coisa. Arde. Dura, pelo menos, 7 dias. E então, o final: elas aplicam outra magia em nós, que transforma essa gelatina em verdadeiras caudas. Isso já deve ser feito dentro da água pois é também quando nossas guelras - Zara afasta seu cabelo, mostrando as tais guelras em seu pescoço; enormes, contraindo e expandindo - se formam. E então há um período de 3 horas para adaptação. Para nós, são necessárias 2 fadas e não é exigido muito. Mas Písidon, nosso líder, precisa de 9 ou mais. Sua alma é forte demais, sua essência é de um poder esplêndido. As fadas terminam o serviço exaustas, não aguentando se levantar por uns 5 dias. Ele se sente mal ao fazer isso, mas elas fazem com muito amor... Sabem que as raças dependem dele.
- Isso é... macabro. Costuram as pernas. Parece filme de terror.
- É um horror! É tão doloroso, tão desgastante! Pior sensação das nossas vidas. Mas depois é... só nadar. E não há nada melhor do que isso.
Scarlett admirou a beleza da sereia naquela noite. Toda vez que abria a boca para falar dos seres que habitavam a terra agora, seus olhos brilhavam numa intensidade sem igual. Era encantador.
Sem pensar muito, a humana levou a mão até os cabelos da sereia, enroscando-a nos mesmos, e seus lábios pálidos tocaram os tão azulados daquele ser maravilhoso. As línguas se enroscaram e o beijo quase parecia mágico.
Zara tinha um sabor salgado, um presente do mar em que vivia. Enquanto que Scarlett tinha um sabor mais doce e leve, que a sereia não sabia da onde vinha. Mas estava adorando.
As duas pareciam desesperadas por aquilo, como se precisassem urgentemente uma da outra.
Era... mágico.


+


Já era noite e a lua iluminava os céus quando Písidon decidiu fazer a troca de cascos e iniciar a hibernação. Lóthus estava com ele, assim como Marcus.
- Parece que eu estou morrendo, credo gente. Melhorem essas caras, é só uma hibernação.
O riso irônico e forçado de Marcus preencheu o cômodo
- É só uma hibernação... de cinco dias, Písidon. São cinco dias em que nós não sabemos o que pode acontecer. Já fazem 7 que os humanos estão naquela ilha, e agora mais 5 sem você aqui. Claramente não será uma boa ideia, já que você é o único que pode colocar a cara a tapa com relação aos ciclopes.
- A cara a tapa eu entendo, mas estou deixando vocês no comando como já fiz antes e tudo vai dar certo, como já deu antes. Fiquem tranquilos, tudo vai dar certo.
Písidon entrou na água, sua cauda logo se manifestando. Deitou, praticamente boiando, e seus olhos fitaram um por vez naquela sala: as fadas, o centauro e a bela ninfa.
Lóthus se aproximou do tritão, andando, molhou seus pés e ficou submersa até a cintura para chegar aonde Písidon estava. Flutuou um pouco, e conseguiu ficar um pouco acima do ser para depositar um beijo leve em seus lábios.
- Volte logo - ela sussurou e voltou para a terra, ao lado de Marcus
Foi então que Písidon fechou seus olhos e seu corpo se iluminou inteiro até não ter mais luz alguma. Um feixe de luz azul do tamanho de uma bola de boliche saiu de seu corpo e ficou flutuando sob o mesmo. As fadas se adiantaram e a capturaram. Uma das fadas citou palavras que nem Lóthus e nem Marcus entendiam, e logo o antigo casco de Písidon afundou até sumir da vista de todos.
O novo casco foi posicionado no chão e as fadas começaram com sua magia, preparando-o para receber as alma de Písidon
A pergunta de Marcus chegou tão de surpresa que assustou Lóthus
- O que eu perdi?
A ninfa encarou o amigo, um sorriso tímido invadindo seus lábios
- Marcus, nós...
- Nem termina, eu já entendi. Foi uma pergunta retórica. Credo. Deuses, como pode ter demorado tanto?
O risada de Lóthus invadiu o cômodo e Marcus virou as costas para ir embora.
Lóthus pretendia ficar mais um pouco. Só até... Písidon estar seguro.


+


O beijo foi interrompido pela sereia, que ao olhar a humana, abriu um sorriso largo.
- Isso foi... confuso. Mas muito bom.
- Me perdoa... Eu não tinha a intenção de assustá-la.
- Está tudo bem... Hoje não posso ficar até mais tarde, Scar. Meu líder vai hibernar, temos uma cerimônia para isso.
- Uma cerimônia?
- Quando o líder da sua espécie decide que é hora de hibernar, cada espécie faz um ritual diferente. É para que tudo dê certo e que seu líder volte intacto e bem.
- Crenças.
- Acho que pode chamar assim. Bom, estou indo. Até mais, Scarlett.
Sem que pudesse responder, Scarlett viu a sereia mergulhar e nadar rapidamente para longe. A liberdade de Zara para nadar para onde e quando quisesse era algo tentador. E muito bonito de se ver.
Que noite.

FreedomWhere stories live. Discover now