Capítulo 2

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- Você ficou maluco, cara?

Aquela devia ser a décima quinta vez que Leonardo fazia a mesma pergunta enquanto andávamos de volta para a minha casa. Depois que ele ficou sabendo da minha missão de ser amigo da aluna nova, não parava de repetir aquelas mesmas palavras.

- Não, Leo. Eu não fiquei maluco. - Suspirei, repetindo aquela ladainha novamente. - Eu já te disse; o professor me pediu isso, e não vi problemas em aceitar.

- Mas ela é esquisita. - Meu amigo torceu o nariz. - Quem perde o tempo precioso do intervalo com ainda mais leitura? Ela deve ser aquelas nerds bitoladas.

- Ou talvez ela só goste de ler. - Soltei uma sorrisinho. - Você deveria experimentar ler de vez em quando, também.

Leo socou meu braço, fazendo com que nós dois soltássemos gargalhadas. Quando percebemos, já estávamos na frente do meu portão, e entramos sem pensar duas vezes. Meu amigo ficaria em casa naquela tarde, e como meus pais nunca estavam em casa, não iriam reclamar.

Depois que nós dois almoçamos e fizemos as tarefas do dia, decidimos jogar um pouco de vídeo game no meu quarto, no segundo andar da minha casa.

Só interrompemos o jogo quando ouvimos o barulho de um caminhão estacionando na calçada. Meu amigo já foi logo ver o que era.

- Você está esperando um encomenda? - Leo perguntou sem tirar os olhos da janela.

- Não. Por quê?

Pausei o jogo e me aproximei da janela também, assistindo um caminhão estacionado em frente à casa vizinha, que até então estava vazia. Dois homens tiravam caixas e móveis da caçamba e colocavam dentro da casa.

Que ótimo.

- Parece que eu vou ter vizinhos. - Girei os olhos. - Minha mãe vai adorar saber disso. Vai organizar um jantar de boas vindas aqui em casa, e eu vou ser obrigado a parecer legal.

- Vai ver eles tem uma filha. - Ele deu de ombros. - E ela pode ser bonita.

- Você só pensa nisso? - Perguntei, rindo. Olhando para a rua, pude ver uma garota saindo da casa para pegar algumas malas. Ela estava sozinha, e tudo aquilo parecia pesado. - Acho que ela precisa de ajuda. Por que não vai ajudar?

De repente, meu amigo saiu correndo do meu quarto. Pude ouvir seus passos apressados na escada, e logo depois a porta de entrada sendo aberta. Quando percebi, ele já estava do lado de fora da minha casa, mas algo aconteceu. Pela janela, vi que ele ficou paralisado na calçada, como se tivesse visto um fantasma.

Fui perguntar a ele o que aconteceu, e acho que tive a mesma reação do meu amigo quando vi minha vizinha. Cabelos escuros, olhos azuis, nariz perfeito e lábios rosados.

Alice?

Ela levantou os olhos das malas para nos olhar, e os olhos dela se arregalaram ao me ver, como se tivesse tomado um susto.

- Você... - Minha voz vacilou por um momento, e eu precisei tossir para recuperá-la. - Você precisa de ajuda, Alice?

Ela respirou fundo, encarando a pilha de malas na sua frente. É claro que ela precisava de ajuda.

- Eu não quero atrapalhar vocês. - Ela disse, quase brava. Por que ela tentava me evitar dessa forma? - Deviam estar se divertindo.

- Na verdade... - Leo murmurou, dando um passo para trás. - Eu tenho que ir embora. Já passou da hora de voltar pra casa.

Desde quando meu amigo tem hora marcada para voltar?

Leo se despediu com um aceno de mão, pegou sua mochila na minha casa e saiu, nos deixando sozinhos.

- Você não precisa fazer isso, Isaac. - A voz dela era dura.

- Eu sei. - Fui em direção à pilha de malas e peguei duas de uma vez, atravessando o portão. - Você não vem?

Ela pegou uma bolsa e veio até mim, abrindo a porta.

Meu alarme interno estava alto e estridente dentro da minha cabeça mais uma vez.

~*~*~*~

Depois de ajudá-la com as malas e mais algumas outras coisas pesadas, Alice decidiu me convidar para tomar um suco. Depois de carregar todo aquele peso, nada no mundo faria eu recusar aquele convite.

Ficamos na sala da casa dela. Por causa da mudança, não tinha muita coisa ali além de um sofá e muitas caixas espalhadas. Não conversamos muito, no final das contas. E Alice evitava olhar muito para mim.

Dentro de mim, eu sabia que já tinha visto aquela garota em algum lugar. Algo dentro de mim tinha certeza disso.

Quando terminei meu copo de suco, percebi que Alice quase implorava para que eu fosse embora de sua casa. Seus olhos imploravam para mim.

- Tem certeza que não tem mais nada pesado para eu carregar? - Sorri de lado, olhando para ela.

Alice mordeu os lábios, como se pensasse se realmente poderia me pedir aquilo.

- Será que eu estaria pedindo demais se você me ajudasse a levar aquelas duas caixas para o meu quarto? - Ela apontou para o canto da sala onde tinha duas caixas de papelão, onde podia-se ler "Roupas Alice" escrito com uma caneta preta. - Sei que você está cansado, mas...

- Mais uma ou duas caixinhas não vão me derrubar. - Sorri e me levantei, pegando a mais pesada. Alice pegou a outra com um pouco de dificuldade, me guiando escada acima até seu quarto.

Aquele cômodo também estava quase vazio, se não fosse a cama e o armário, mais nada.

Mas um detalhe, um mínimo detalhe, fez com que minhas pernas vacilassem. Minhas mãos estavam tremendo, e eu quase derrubei a caixa que eu carregava.

Ali, dobrada com cuidado em cima da cama, estava a minha jaqueta preta. A jaqueta que eu emprestei para uma garota assustada na saída de uma festa.

Eu sabia que já a tinha visto antes. Alice era a garota que estava com medo, chorando naquela festa. A garota que eu levei para casa no meu carro.

- Você está bem, Isaac? - Ela se aproximou de mim, e a imagem dela chorando naquela noite voltou para mim em cheio.

- Estou... - Minha voz saiu em um sussurro, o nó que se formou na minha garganta impedindo que eu falasse mais alta. Coloquei a caixa no chão, tremendo por inteiro.

- Tem certeza? Você está pálido.

Assenti com a cabeça, sentindo o chão girar abaixo dos meus pés. Eu precisava sair dali.

- Tenho que voltar para casa. - Me virei para ela. - A gente se fala amanhã.

E saí correndo daquela casa, tentando fugir daquelas lembranças.

Eu precisava ajudar Alice.

Asas de VidroOù les histoires vivent. Découvrez maintenant