No dia seguinte, o resultado veio muito ruim. A infecção era grave.

– A gente pode tentar dar uma injeção de glicose nele, mas eu não garanto nada. Ele pode levar um choque.

Puts passou a quarta sem dormir e com dor, mas sem chorar. Na quinta, com ele muito fraco, fui tentar a última cartada, a tal injeção de glicose.

– Nossa – disse a assistente do veterinário. – Ele está tão fraquinho...

Se soubesse o que iria acontecer, não teria feito nada. Puts dormiu bem (só ele, eu não) até a uma da manhã de sexta, mas aí começou a sentir pequenos choques que o levantavam da cestinha. Eu estava há quase uma semana sem dormir, tenso e desesperado. Implorei para ele morrer, mas ele não se entregava.

Às oito, pedi para a minha mãe vir se despedir dele. Também liguei para o veterinário, disposto a acabar logo com aquele sofrimento. A assistente disse que ele tinha duas operações marcadas e depois iria para a minha casa.

Minha mãe chegou e bateu um papo com ele, cantou Frère Jacques, mas ele simplesmente não se dava por vencido. Sempre fora forte e sempre lutara para ficar ao nosso lado. As horas iam avançando, já estava quase na hora do almoço e nada do veterinário chegar.

O jeito seria fazer o que sempre fiz com ele: bater um papo "de irmão para irmão". Pedi para a minha mãe sair do quarto e, sozinho com ele, fiz uma festinha em sua cabeça e falei:

– Puuuts... ooolha... agora a gente vai ter que se separar. Eu fico muito comovido com a maneira como você luta pela vida para ficar ao meu lado, mas o fato é que você já acabou, Puts, e você está sofrendo muito. Foram 17 anos lindos, meu amigo, mas, se você continuar vivendo desse jeito, eu vou ter que dar a ordem para sacrificar você e eu não quero passar por isso. Eu preciso que você vá em paz, vá com Deus. Essa é a última coisa que eu vou te pedir. Eu vou ficar bem. E você sempre vai ser o meu mais lindo e querido cachorro.

Isso o convenceu. Ele chorou baixinho por mais cinco minutos, antes de dar o último suspiro, pouco antes do meio-dia de 25 de agosto de 2000. Cachorros têm que morrer ao lado do dono e o Puts, que não simpatizava comigo quando foi lá para casa, veio morrer ao meu lado, o verdadeiro dono, 17 anos depois.

Não há como lamentar a morte de alguém que teve uma vida tão alegre e espirituosa como a do Puts. No livro Quem Ama Não Adoece, o autor Marco Aurélio Dias da Silva diz que pessoas saudáveis "morrem de tanto viver". E foi exatamente isso o que aconteceu com ele.

Não havia uma única nuvem à vista naquela sexta-feira de sol, como se o céu estivesse numa grande festa para receber um dos mais ilustres cachorros da face da Terra. Com seu rabo eternamente abanando, Puts Cachorro deixava um rastro de felicidade por onde quer que passava. Foi o ser vivo mais feliz que conheci e, para meu orgulho, foi meu cachorro. De minha parte, sempre o tratei como gente e lhe dei permissão para fazer o que quisesse, menos subir na minha cama e ir à varandinha do salão. E ele me seguia à risca.

Um dia, uma astróloga de São Paulo que analisava não só o meu mapa, mas também o das "pessoas próximas", disse que, numa vida anterior, eu havia abandonado o "Cartouche". Não sei se Cartouche foi uma reencarnação da Diana – a cachorra que o antecedeu e pela qual não pude fazer muita coisa – ou se é algo mais antigo. Só sei que, nos seus 17 anos de vida, pensei em estudar em Londres, estagiar em Roma, passar um tempo em Los Angeles e fui convidado a morar na Ásia. Cheguei a pensar em me mudar para São Paulo (bem mais perto), mas, no fim das contas, fiquei sempre ao lado do Puts. Ficamos 17 anos e três meses juntos. Ele tinha exatamente dois meses quando foi lá para casa.

No começo, ele me achava uma espécie de "traste que veio no pacote" quando se encantou pela minha mãe, mas, aos poucos, ao longo dos anos, foi ficando cada vez mais próximo de mim, até ficar totalmente dependente e apaixonado quando morreu. Tenho certeza que ele me conhecia melhor do que os meus pais. Era como se ele tivesse uma ligação direta com a Alma do Mundo. Ele, simplesmente, sabia de tudo. E veio ficar ao meu lado.

Minha transformação também estava completa. De adolescente baixinho, assustado e franzino, eu agora era um homem saudável de 31 anos, 1,77m de altura e 73 Kg. Com dinheiro em caixa, apartamento próprio e pronto para casar. Formado em Direito e Jornalismo. Com a cabeça e o corpo em ordem. Puts Cachorro me acompanhou e esteve ao meu lado durante todas essas transformações e só se retirou da vida quando pedi.

Como não tive filhos, ele foi a coisa mais próxima a isso e sempre pensei em fazer uma homenagem a ele. Já se passaram 16 anos desde que ele morreu, mas não houve um único dia em que eu não tenha pensado nele. E, mesmo sendo apaixonado por cachorros, nunca mais tive um. A comparação seria inevitável e impossível de ser batida. Se algum dia eu ficar velho e solitário, sou capaz de ter mais um, mas isso ainda está longe.

Como prometi naquele 25 de agosto, Puts Cachorro sempre foi, e continua sendo, meu mais lindo e querido cachorro.

F I M

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PUTS! 17 anos e meio ao lado de um engraçadíssimo cachorro-pessoaWhere stories live. Discover now