Capítulo 20

13 5 0
                                    



O contrato de Operação Amazônia foi assinado em junho e, em 1º de julho (creio), embarquei para fazer a pesquisa final em Manaus e adjacências.

Quando saí para o aeroporto, às seis e meia da manhã, Puts ainda dormia, mas quando Nice, a funcionária, chegou às oito, ele já estava berrando a plenos pulmões. Muito mais inteligente que o caseiro de Araruama em 1982, chamou logo a minha mãe, que iria de qualquer maneira passar aqueles dias lá em casa, mas antecipou em algumas horas a sua ida.

Naquele ano de 2000, minha mãe já não era mais a "antiga musa" do cachorro. Quando eu viajava e ela era convocada para ficar com ele, Puts Cachorro a olhava meio de esguelha, como quem dissesse...

O que que essa mulher está fazendo aqui, no apartamento que eu divido com o meu irmão?

Quando via que ia dormir com ela, começava a berrar histericamente.

– Hoje ele não vem, filhinho – tranquilizava a minha mãe. – Só amanhã.

Depois que ela me contou isso, passei a ir e voltar de São Paulo no mesmo dia. Mesmo assim, ele sentia que eu tinha viajado. Uma vez, ele chorou tanto quando eu voltei de um desses bate-voltas que eu tive que acomodá-lo no meu colo, na cadeira, enquanto trabalhava em frente ao computador. Depois, tive que cantar para ele.

Mas naquele dia eu tinha que ir a Manaus e teria que ficar três dias. Era o mínimo. Depois que a minha mãe chegou, Puts ficou mais calmo, mesmo assim um veterinário foi chamado para receitar um calmante e outros remédios. Foi esse veterinário que disse que o Puts deve ter sofrido um mini-derrame algum tempo antes.

Quando cheguei, três dias depois, Puts Cachorro vomitou tudo o que tinha comido, como se o medo de nunca mais me ver estivesse sendo expelido. Puts estava com uma infecção nos dentes e teria que extrair alguns. De quebra, acabou sendo castrado, coitado – o que foi um exagero, já que, naquela altura, isso não iria mais fazer qualquer diferença.

Ele estava com muito medo no dia da operação e ficou agarrado no meu peito, como que tentando tomar forças. Mas tudo correu bem e uma hora depois ele já estava em casa. Os problemas vieram depois. Por recomendação do veterinário, ele passou a comer ração. Mas a vida inteira ele havia comido arroz, carne moída, cenoura e papinha Nestlé e a ração tinha uma quantidade relativamente pequena de proteínas. Mostrei isso ao veterinário, mas ele fez pouco de mim.

E aí Puts Cachorro começou a perder musculatura rapidamente, como se o próprio corpo estivesse atacando a proteína dos músculos. Ele começou a definhar e ficou quase um pano de chão, só pele e osso. Mas simplesmente não valia a pena prolongar demais a vida dele. Estava com cada vez mais dificuldade de se movimentar. Eu mesmo tinha que ajuda-lo a se deitar.

Na noite de domingo, 20 de agosto de 2000, numa hora em que ele se levantou e sacudiu os pelos, vi que havia dois pingos de sangue na toalha que cobria a cestinha dele. Mas, felizmente, ele não estava mijando sangue. Foram só aqueles dois pingos mesmo.

Na terça, ele não quis almoçar – algo impensável para aquele glutão. Quando falei isso para minha mãe ao telefone, ela disse:

– Gabriel, cachorro quando deixa de comer, morre em três dias.

Aquela terça foi o pior dia de todos. Levei-o de volta para a cestinha, mas ele estava com muita dor. Em dado momento, uivou como se estivesse chorando do fundo da alma, três vezes, o maior grito de tristeza que já vi sair de um ser vivo. E não devia ser só dor física. Era como se ele soubesse que ia me perder.

Ahhhhhnnnn! Ahhhhnnnn! Ahhhhnnnn!!! Eu nunca mais vou ver o meu irmão!!!

Desesperado, liguei para o veterinário, que veio e lhe aplicou uma anestesia. Achava que ele estava com uma infecção urinária ("sabe como é velho, é assim mesmo"). Numa incrível tentativa de autopreservação, Puts Cachorro tinha conseguido expelir toda a urina e as fezes de seu corpo. Mostrei ao veterinário onde o Puts havia feito xixi e ele colheu umas amostras num tubo de ensaio. Essa foi a única noite em que dormi naquela semana.

PUTS! 17 anos e meio ao lado de um engraçadíssimo cachorro-pessoaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora