Capítulo 8

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A reforma na casa de Araruama terminou em junho de 1988 e a última coisa a ficar pronta foi a piscina. Ela ainda estava vazia, quando meu pai foi conferir o chuveirinho, que ele achava que estava torto. Para melhorar a visão, foi andando para atrás, andando para trás... e caiu com o pé descalço na piscina sem água.

Quebrou o calcanhar. Como era domingo, meus pais e o Puts voltaram de Araruama mais cedo, enquanto o meu pai, já imaginando o que acontecera, passou as duas horas de viagem segurando o próprio pé, no banco de trás.

No Rio, o meio advocatício ficou espantadíssimo com o fato do Alfredo ter caído numa piscina sem água.

"Devia estar num porre homérico", comentaram.

Mas não estava.

Puts Cachorro ficou fora de si quando meu pai chegou em casa de muletas e com o pé engessado. Foi a primeira vez em que o lado "enfermeiro" dele se manifestou. Naquele domingo à noite, ele ficou ao lado do pé o tempo todo e não saiu nem para comer. Tive que trazer a comida da cozinha até ele para que comesse a um metro do meu pai, porque, se não fosse assim, não seria de jeito nenhum. E ele ficou lá, ao lado do pé engessado, durante umas seis ou sete semanas, sempre que meu pai estivesse em casa.

Meu pai, que já tinha tido problemas com um cachorro meu anteriormente, ficou tão movido com aquela demonstração de carinho canino que chegou a pensar em levar o Puts para "trabalhar" com ele no escritório, como uma espécie de mascote. Mas no prédio não entrava nem gente de bermuda, muito menos cachorro. Nada feito.

Minha mãe é que não reagiu bem àquela queda. Totalmente submissa e financeiramente dependente dele, ouviu com atenção demais o tipo de comentário que os médicos fazem nessas horas.

– Que sorte que ele quebrou só o calcanhar. Se tivesse batido de cabeça, poderia ter morrido.

E veio descontar em cima de mim, naquela noite mesmo.

– Meu filho, o seu pai quase morreu hoje e você não faz nada! – choramingou.

No primeiro semestre daquele ano, eu tinha escrito um longa-metragem e um curta para o qual procurava patrocínio. Mas o Brasil estava num de seus piores momentos econômicos, no governo Sarney, e o banco que eu esperava que me patrocinasse (o tal que o meu pai tirara da falência quatro anos antes), revelou ser só papo furado.

Aliás, o tal Macedo, agora milionário, fazia tudo para me aporrinhar, especialmente quando almoçávamos ou jantávamos juntos. No meio do almoço (ou jantar), parava a conversa e olhava para mim:

– Agora para tudo que eu quero ouvir O CINEASTA! O que que O CINEASTA tem para falar?

Ele, banqueiro, dono de 4% do banco (quem o visse falar parecia que tinha 70%), me tratava como se eu fosse o maior dos idiotas.

E agora, nos últimos dois meses, eu estava parado. E também esgotado, decepcionado e triste. (Algo muito comum em escritores jovens. Escritores adultos já passaram – de preferência – por muita coisa na vida e não costumam sofrer de falta de ideias. Mas aos 19 anos eu não sabia disso.)

A situação em casa não ajudava. Com os movimentos restritos pelo gesso, meu pai descontava sua raiva na minha mãe, que por sua vez descontava a dela em cima de mim, na empregada e até no cachorro.

Como já falei, a casa reformada da rua Barão de Jaguaribe, em Ipanema, tinha quatro andares. O salão onde ficávamos era no terceiro e a cozinha, no primeiro. Quase que diariamente, Puts ficava na ponta da escada do terceiro andar, olhando para baixo como que pensando se não haveria um "atalho rápido" para chegar à cozinha, no primeiro andar. Sempre que eu via isso (e foram centenas de vezes), pedia para ele ir pela escada.

PUTS! 17 anos e meio ao lado de um engraçadíssimo cachorro-pessoaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora