O último quadro a ficar pronto foi o da aula de química. Tínhamos um professor suíço que era uma verdadeira figura, o protótipo do cientista louco, altamente satirizável. Mas as aulas eram simplesmente incompreensíveis. Ele começava com uma fórmula no meio do quadro e ia fazendo um caracol em volta, todo mundo ficava perdido e ninguém entendia nada. Não havia como transformar isso num quadro palatável, menos ainda em alemão.

Desesperado e com o tempo se esvaindo, pedi ajuda ao Rick, que interpretava (ou melhor, encarnava) esse professor. Ele não ajudou muito. Só disse que a aula poderia terminar com uma experiência e que, no fim, o professor se esquentava e botava todo mundo para correr – o que realmente havia acontecido.

Mas o tempo foi passando e nada de eu conseguir escrever o quadro. Eu nunca tinha prestado atenção numa aula de química na vida e nunca havia me culpado tanto por isso. Não sabia nem por onde começar.

Finalmente, numa segunda-feira, seis horas da manhã, depois de um fim de semana inteiro infrutífero, a apenas nove dias da apresentação, coloquei uma folha de papel em branco na máquina escrever e escrevi duas linhas, como que para ver o que sairia dali:

QUADRO 4) HERR STAUB

COMEÇA A AULA. HERR STAUB ESTÁ FAZENDO UMA EXPERIÊNCIA.

Era isso. A aula inteira seria uma experiência e não haveria fórmula alguma no quadro, nenhuma complicação. Bastaria o professor achar que estava fazendo a experiência do século e depois se esquentar e botar todo mundo para correr. Escrevi o quadro inteiro em 25 minutos e fui correndo tomar o café. A peça estava salva.

Só que não. Porque na terça-feira, 27 de novembro de 1984, véspera da apresentação, fizemos a besteira suprema de pedir duas aulas de história e fazer um mini-ensaio geral na frente do professor.

O Sr. Isauro (que era o nome dele na peça, não na vida real) era e é um tipo muito comum nas escolas e faculdades do Brasil, principalmente do Rio de Janeiro para cima, e especialmente na área humana. Anticapitalista radical, desleixado e todo desgrenhado, achava que todos os problemas do Brasil derivavam da escravidão. E que qualquer coisa que desse certo, que desse lucro, ou que fizesse as pessoas rirem, era "tudo uma jogada comercial", como se isso fosse pecado, ou coisa do demônio. Era o protótipo do esquerdista-derrotista-pessimista, que só gostava do que desse errado. O tipo de pessoa que não sabe vencer e inveja todos os que vencem, que não sabe fazer nada e inveja os que fazem. O tipo de pessoa que desestimula qualquer um a criar riqueza e que tem uma boa dose de culpa das nossas universidades não gerarem riqueza e, consequentemente, termos professores mal pagos e que mal sabem ensinar.

Uma hora e vinte minutos mais tarde, findo o mini-ensaio, perguntamos a opinião do Sr. Isauro. Ele coçou o barrigão e falou, com seu habitual pessimismo e ódio a tudo aquilo que é engraçado ou que dá certo.

– Está muito cansativa.

Algumas pessoas da nossa turma (como o Sandro) eram muito impressionáveis e desanimavam facilmente. Logo se montou uma rodinha em torno da mesa principal, com gente querendo mudar tudo e cortar algumas coisas.

Nisso, Alfred Escher, o professor suíço responsável pela peça e pela nossa turma, entra na sala e encontra parte da turma em estado de desânimo.

– Acho que não vai ter peça – disse alguém.

– Claro que vai ter peça! Que negócio é esse! Já está tudo ensaiado! Vamos em frente!!

Ele era um sujeito grande e animado, com uns 150 Kg. Com ele, não tinha esse negócio de pessimismo esquerdista-derrotista ou de dar para trás. Chamou um professor suíço para operar o som e ele mesmo cuidou da luz, improvisando nos controles com a mesma frequência com que improvisávamos em cena. Fizemos um ensaio geral no palco, sem qualquer problema.

No dia seguinte, de manhã, uma apresentação para as turmas até a 5ª série foi um grande sucesso.

À noite, a apresentação principal (para quem comprou ingresso) correu sem erros. Alguns alunos na fila da frente chegavam a rolar no chão de tanto rir. Os quadros do professor de química e o de alemão, que deram tanto trabalho, foram os mais bem-sucedidos. No dia seguinte, no refeitório da escola só se falava na peça.

Alguns alunos comentaram que eu tinha rido o tempo todo, no palco. Era verdade, mas vamos dar um desconto. Depois de cinco semanas correndo contra o relógio e empurrando a peça entre os alunos, tudo dera certo.

A principal lição que tirei foi a diferença que existe entre um animado professor suíço e um brasileiro anticapitalista-pessimista-derrotista.

Escher voltou para a Suíça no final daquele ano. Fez doutorado em engenharia e hoje é alto executivo de uma multinacional e consultor de startups de tecnologia em Zurique.

Não sei exatamente o que aconteceu com o Sr. Isauro, mas não é muito difícil de imaginar que, onde quer que esteja, ele continue a rogar pragas contra o capitalismo e desestimular qualquer coisa que dê certo em seus alunos. Desde essa época, aos 15 anos de idade, sempre mantive o radar ligado contra esse tipo de esquerdista-derrotista-pessimista, que só sabe elogiar quem mostra o pior do Brasil, como fazem muitos dos nossos cineastas.

Idiotas como esse, que envenenam tudo e se aproveitam da inexperiência de seus alunos, adoram dar aula, se autointitulam "progressistas"... e aprendi a manter distância deles.

Não têm nada de progressistas. São apenas os perdedores profissionais de hoje que geram os perdedores de amanhã.

Quanto mais fizermos as coisas ao contrário do que eles falam, melhor.

No dia seguinte à peça, apenas uma aluna da 2ª série do 2º grau, a hoje harpista Cristina Braga, veio elogiar o Sr. Redator-Final (eu). Pouca gente sabia que as piadas que fizeram as pessoas chorar de tanto rir haviam sido escritas pelo Tímido da Turma.

No futuro, eu teria que me promover melhor.



*Nome fictício.

PUTS! 17 anos e meio ao lado de um engraçadíssimo cachorro-pessoaWhere stories live. Discover now