Sou feita de Metal - Ruth Costa

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Esses dias andei por pensar sobre quantas muitas vidas a minha foi composta. Não apenas o momento exato da fecundação - esse estou apar da procedência. Mas sim sobre as muitas almas que posso ter tocado ou aquelas que destruí. Até mesmo sobre outras que por ventura acabaram por me consumir.
E num assombro, me vi tão só.
Alguém que andou por entre a dor e  quando finalmente quis parar tomou como sua uma casa cheia de solidão. De bom grado a aceitei como minha.
Cortejando sua beleza e me apaixonando por seu silêncio. Finalmente um aprendiz da ausência do som. Assim sendo restou-me os olhos.
E de cor em cor fui aceitando, me adaptando, admirando, temendo, fui percebendo.
São as cicatrizes humanas que agora me atraem. Quer seja ela um peito aberto e repleto de um sangue espesso, ou a ingratidão tão corriqueira.
Vi pedaços do meu primeiro amor, que amei de um jeito avassalador - e depois sumiu, só deixando punhados de dor.
Depois a criança destruída que agora posso acolher entre minhas mãos, por que ao que parece apenas eu posso ser seu pai e sua mãe - só eu posso aprender a amar o que nela, é triste.
Relatos de uma amizade longa que me fazia sentir em casa, mas era casa feita de nuvens de chuva rala, quando o sol apareceu, desabrigo.
Um jovem que amei, com desespero e esperança - aquele tal que me ensinou que minha sina e dom era o drama e que o melhor que podia fazer era aceita-lo e ama-lo, eu amei.
Honras e Promessas.
Foi a música outra cicatriz, testemunha de cada ato do meu circo, público ao meio desalinho, trilha da minha paixão. Tomei como minha a vida de outro alguém igualmente ferido.
Abro espaço, a casa cabe. Outra grande lição que aprendi é que a solidão pode ser um porto seguro para qualquer um.
E aqui estamos morando. Tem ruídos vez ou outra, mas vamos levando.
Talvez distantes por estar cavando outras novas cicatrizes. Afinal, aprendemos ainda hoje que a Vida é um acumulo disso.
( as vez é bom as vez dói )
Somos um precipício - tudo que nos resta, é despencar.

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