Beije-me - Ruth Costa

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Foram alguns dias sem voz.

E neles eu pensei em você.

Me obriguei a enxergar o nosso todo, como algo comum. Algo que eu poderia viver sem.

Foram noites sem dormir.

E nelas eu escrevi. Com compulsão eu deixei no papel a minha desilusão. Fiz do sangue que escorria de mim tinta fresca, quando a caneta começou a falhar. E com o sangue opaco, continuei a rabiscar. Era o meu desabafo. Minha dor.

Foram horas sem piscar.

Sentei em um canto específico da casa e ali consumi os segundos, os milésimos. Buscava me forçar a não pensar, a não querer. E no fim percebia que o ato de não querer lembrar, já me levava de volta a você.

Foram fragmentos de espera.

Tão distinta, eu engoli com nobreza o veneno do seu descaso. E quando dei por mim a dor intensa me fez ver tudo com outros olhos. E eu vi vermelho.

Só conseguia enxergar por detrás das lágrimas e essas se apoderaram de mim.

Foram orações, preces, clamor.

Pedia seu toque ausente e a certeza de um amor inexistente. Roguei feito tola por qualquer parte daquela ilusão. Algo que por ventura - ou por sorte - me faria voltar.

Eu me afoguei.

Nadava em um mar repleto de você. Bebendo cada gota, certa de que eu venceria. Que por você ou por nós eu chegaria na praia e teria teu corpo outra vez.

Foram dias de chuva.

Ainda chove agora. Forte.

Faz frio e demora quase uma eternidade pra que eu perceba que o gelo vem de dentro de mim.

E meus olhos já não guardam a fé.

E a minha boca já não espera por sua compaixão.

Beije-me agora - se tempo ainda tiver - vamos celebrar o adeus com o que restou de nós.

Por que depois...

Só seremos pó.

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