Capítulo 39 - Jane

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 Conversando com o segurança, Bernardo conseguiu que nós dois entrássemos na escola sem convites. Utilizando técnicas que parecem ter sido retiradas de um livro e treinadas com afinco, Bernardo vestiu seu melhor sorriso amigável, contou uma história (a saga de como chegamos à cidade), ganhou a simpatia do segurança (que se chama Jorge? Josué?), perguntou sobre sua família e descobriu que o filho dele também estuda na escola, mas não vai se apresentar. Depois de tudo isso, Jorge (ou Josué?) nos deixou entrar com certo pesar, porque a conversa estava boa demais, em suas palavras.

Também descobrimos que a apresentação é uma parceria da escola com o curso de música e que os convites eram de graça, mas necessários para não sobrecarregar o local de pessoas. Bernardo contou que sua irmã estudava ali, mas ele havia estudado em outra escola, assim como seu irmão mais velho. Seus pais não acreditavam em união fraterna escolar (ou o medo de que o mais velho passasse todas as manhas para os mais novos, transformando-os em seres perigosos... ou preguiçosos. Não entendi direito).

Com a benção do segurança, entramos no prédio grande e bem arrumado cuja mensalidade não pode ser barata. Atravessamos um longo corredor de pais conversando, crianças pequenas correndo e professores gritando para não correrem do lado de dentro. Não foi difícil encontrar o auditório – a porta com mais adultos e menos pré-adolescentes carregando maquiagem.

Atravessamos a grande porta dupla e o ar gelado nos cumprimenta. Bernardo fala com seu pai ao celular, tentando encontrá-lo apesar da confusão de pessoas falando ansiosas sobre seu filho/irmão/sobrinho/neto que irá se apresentar e como eles são in-crí-veis.

O auditório é grande o suficiente para caber pessoas sentadas confortavelmente e conversando em grupinhos no corredor. As cortinas do palco ainda estão fechadas, mas podemos distinguir pessoas passeando por trás e espiando o tamanho do público pelas frestas.

Com o celular ainda no ouvido, Bernardo segura minha mão e nos guia através de fileiras de pessoas sentadas de lado (para não atrapalhar muito a passagem). Enquanto explica ao pai que não está o vendo em lugar algum, as luzes começam a se apagar uma a uma. Em poucos segundos, apenas um holofote no palco resta aceso, iluminando uma mulher num terninho profissional.

– Eu vi dois lugares juntos – diz Bernardo em meu ouvido ao puxar minha mão me trazendo mais para perto. Ele tenta apontar para o local, mas está escuro demais para eu distinguir os assentos vazios dos ocupados. A senhora que está sentada atrás de nós tosse alto, se movendo em sua cadeira para tentar ver mulher no palco.

– Não achou sua família? – pergunto, ignorando o joelho da mulher cutucando minha canela. Bernardo olha para trás numa última tentativa e balança a cabeça negativamente. A senhora sentada, que não pode ter mais de quarenta anos, tosse ainda mais alto sem parar de se mexer e, consequentemente, me dar joelhadas propositais.

– Estamos atrapalhando a senhora ver sua filhinha? – digo à senhora. Eu sei que estamos em sua frente, mas não há crianças no palco, tampouco algo relevante. Além disso, toda sua atitude passivo-agressiva me irrita mais do que etiqueta em camisetas. Finalmente a mulher sossega na cadeira e continuo amigavelmente:

– Mil perdões.

Bernardo me puxa, percebendo a careta de ultraje de minha interlocutora, e nos esgueiramos entre pernas levantadas, ou viradas de lado, até as duas cadeiras que ele havia mencionado. Bernardo se senta com o mesmo suspiro que dou quando termino uma boa corrida.

– Não é um dos piores lugares – comento. Não há ninguém de boné em nossa frente, ninguém obscenamente alto e ninguém com menos de dois dígitos na idade. Estamos no flanco direito, mais ou menos na metade do palco. O maior problema seriam as caixas de som que estão exatamente acima de nós.

A fórmula matemática de Bernardo e JaneOnde as histórias ganham vida. Descobre agora