Capítulo 6 - Bernardo

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Ao chegarmos no carro, Jane desliga o alarme e abre a porta do carona para mim.

- Sinta-se à vontade, garanhão... desde que mantenha seu café da manhã no seu estômago, para variar – acrescenta ao fechar a porta. O cheiro forte do desinfetante que usei só piorou com o carro fechado sob o sol da manhã. Sem pressa, Jane dá a volta no carro, desembaraçando o cabelo com os dedos. Aquele rosto despreocupado ainda não sentiu o cheiro pavoroso de aqui dentro.

- Ninguém nunca abriu a porta para mim antes. Que boas maneiras! – digo, no momento em que se acomoda no banco com uma careta horrível. – Assim eu fico mal-acostumado.

- Ah, você sabe. Um pouco de educação muda o mundo. – Ela se dobra sobre a marcha, abre o porta-luvas e pega uma caixinha preta. De lá, retira um par de óculos espelhados. – Mas não se acostume. Boas maneiras são muito voláteis. Sem falar que pegam mal para minha reputação.

- Hm – finjo considerar sua afirmação ao colocar o cinto de segurança. – É mesmo?

- Claro! Uma porta aqui, outra ali e daqui a pouco as pessoas vão se referir a mim como a nova porteira de suas vidas. – Ela coloca o cinto, liga o carro, dá seta e checa os retrovisores antes de sair da vaga. Direto de uma aula de autoescola. – Não, meu caro garanhão, a gente não quer isso.

- Então o que a gente quer?

- A gente não quer ser capacho. E a gente quer ser legal. – Ela empurra os óculos para cima do nariz e passa a marcha. – Ser legal envolve óculos escuros para checar os caras sem ninguém saber.

- É verdade isso?

- Mas é claro. Você devia tentar. Mesmo que seu alvo sejam as minas.

- Então acho que preciso de um agora. – Eu a encaro e lhe dou meu melhor sorriso. A oportunidade é boa demais para deixar passar. Por alguns segundos, ela segura meu olhar, sob os óculos escuros, e algo parecido com um sorriso surge em seu rosto. Se ela não tivesse feito isso, as seguintes palavras não teriam saído da minha boca. – Sabe, nós vamos ter uma ótima história de como nos conhecemos de verdade para contar aos nossos netos quando eles estiverem agitados correndo pela casa.

- Agora você é vidente? – Seu sorriso me faz sentir melhor do que poderia imaginar. Jane puxa o freio de mão, quando paramos no primeiro semáforo da subida.

- Pois é. Geralmente ocorre em sonhos, mas essa foi uma visão e tanto... apaguei por alguns segundos, você percebeu? Com toda certeza essa premonição vai acontecer. – Meu indicador esquerdo viaja do meu ombro para o seu.

Jane aperta um botão no volante, enchendo o carro de uma voz feminina e batidas fortes. O todo não é tão desagradável, mas meus sentidos sensíveis de ressaca não conseguem lidar com música nesse momento, pois já estão sobrecarregados com toda a claridade. Giro o botão no painel que parece controlar o volume.

- Ressaca. Esqueci. – Com uma careta irritada, Jane mexe no volante novamente e a música para de vez. Mesmo sem som, seus dedos batem de leve em sua perna, ao ritmo de uma música que só existe em sua cabeça.

Se você tomar todos seus detalhes separadamente, cabelos escuros, longos e cheios, olhos grandes e castanhos, incisivos proeminentes, maxilar e queixo angulosos... nenhum deles chama a atenção por si só, não do jeito convencional.

Mas o conjunto "Jane" é algo e tanto. O forma intensa como nos olha, prestando atenção em todos detalhes, seu sorriso de verdade (aquele difícil de ganhar, em que todos os dentes aparecem) e a confiança que passa em todos seus gestos. Ela te faz sentir algo, esteja você preparado ou não. "Ame-a ou deixe-a", sua atitude grita.

A fórmula matemática de Bernardo e JaneOnde as histórias ganham vida. Descobre agora