Capítulo 01- Adeus serenidade

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O despertador toca, e não posso evitar de resmungar comigo mesma.

— Longo dia Serenity. — Digo a mim mesma num tom rouco e bem desagradável, nada anormal, afinal eram seis horas da manhã.

Quando eu vim ao mundo, fruto de um ato pleno de amor — ou sexo, pensem como quiser — meus pais resolveram me chamar de Serenity, pois disseram que para eles eu parecia transcender tudo que havia de bom dentro deles, e que eu era a serenidade que eles encontraram após muito tempo de procura. Mas essa tal serenidade deve ter sido sugada logo após meu nascimento, pois não me sinto disposta a acalmar ninguém, não me sinto como nenhum símbolo de tranquilidade. Acho que pelo contrário, serenidade é a maior qualidade que me falta.

Estremeço de leve ao encostar a ponta dos pés no chão gelado, meias realmente seriam a melhor opção para acabar com esse problema que tenho todos os dias, mas francamente, me sinto desconfortável apenas de me imaginar dormindo com elas.

Mal acordei e já me dou ao luxo de querer me afundar na cama e nunca mais voltar, talvez por preguiça ou pelos sons irritantes dos carros, cachorros, buzinas, e civilização que invadem meu quarto pela janela juntamente com o brilho cegante dos raios de sol. Como já disse, serenidade está além de meus dons.

Coloco devagar meu uniforme, não que eu me importasse de ir de pijama de bolinhas mega fofo pra escola, mas parece que as regras dizem o contrário, calço também meu tênis que está no mínimo muito velho e desgastado com um quase buraco na sola. Pego meu celular, meus fones, e como sempre percebo o quão acolhedor é essa casa sem ninguém, o quão bem me sinto quando o ambiente transborda paz e é quieto como é minha casa de manhã. É acolhedor.

Caminhando em direção a escola, com os fones em seu volume máximo, observo as folhas alaranjadas caídas no chão, o céu nublado, o dia acinzentado, me perguntando quando será que vai começar a nevar. Pois consequentemente não terei aulas, e será uma ótima desculpa para poder ficar enfurnada no quarto, debaixo das mil cobertas que me enterrarão enquanto eu assisto algum seriado, ou leio algum livro tomando uma xícara de chocolate quente bem caprichada, afinal estamos no final de outono. Falando em neve, é uma pena para meu vizinho que nem sei o nome, é um nonagenário — Talvez não seja tudo isso, mas que o humor corresponde a essa idade — que provavelmente deve ter uma tara mal compreendida com tudo relacionado a flores e jardins, pois sempre que é visto do lado de fora é quando está embelezando o lado de fora da casa, que por sinal é sempre impecável e bem excêntrico para um simples jardim de uma simples rua. Neve para ele deve ser uma das sete pragas do Egito.

E falando em jardim, ao dobrar a esquina já consigo ver ao final da rua os imensos portões da escola, que é um grande prédio de cinco andares, sendo um deles no subsolo, e com um imenso jardim bem cuidado e sempre aparado que fica maravilhoso na primavera, apesar de tanta beleza, algo em mim grita Vire-se e nunca mais volte, mas infelizmente minhas pernas são as únicas que contrariam esse comando.

Por algum motivo, hoje em especial essa área está irritantemente mais cheia do que de costume, tem estudantes por toda parte, está realmente lotado. Passo pelos portões com muito esforço, tentando esquivar-me de todos, o que mesmo com muito esforço não funcionou 100% acabei me esbarrando com umas cinco pessoas até chegar finalmente à porta do prédio.

— Ei, Sere. — Finalmente algo familiar e que não provém de meus fones. Com certeza é Violet.

Mas as vozes parecem distantes, aperto forte a alça da mochila, me dá até uma certa tontura toda essa gente nos corredores, gente que eu nunca nem tinha visto antes. Fico nervosa, não sei por que, mas algo me incomoda.

Alguns passos sofridos a frente, chego aos braços de Violet, meu deus me sinto como um gato assustado.

— Porque tem tanta gente aqui? — Pergunto sem ao menos cumprimentar ela ou Justin. Sinto meus olhos girando, mas é apenas impressão, ah como desejo a serenidade de minha casa vazia.

— É o pessoal do turno da noite. — Diz Justin. — E olá para você também Serenity.

— Me disseram que eles são sombrios, realmente barra pesada, não se deve mexer com o outro turno. Eles não são normais, dão arrepios, até o ar deles é diferente do nosso. — Diz Violet roendo as unhas, eu não consegui evitar de engolir seco e sentir um profundo frio na barriga.

Quando me dou conta, há um par de olhos em minha direção, estão descaradamente me fitando. Sem nem sequer piscar, algo que me deixa pressionada, não sei porque, fico mais nervosa do que já estava. É como se estivéssemos só nós dois ali, como se todos em nossa volta tivessem sumidos, há apenas eu e ele.

Como se o garoto pudesse enxergar cada pixel de minha bela alma nada serena.

Então o sinal toca e o que me puxa para a realidade é Violet e sua voz doce

— Serenity, a aula vai começar. — Diz ela puxando meu braço.

— Ah... Claro. — Digo sendo arrastada tentando procurar o garoto que já havia sumido d minha vista.

Serenity | #Wattys2016Where stories live. Discover now