Mundo horripilante

38 7 4
                                    

Andando pelas ruas sem olhar para os lados. Lados estes onde se encontravam pessoas com as mãos esticadas pedindo por uma esmolinha aqui, outras ali... crianças que tinham como alimento apenas o leite que em breve secaria do peito da mãe, outras nas esquinas implorando por um pedaço de pão. E ela apenas ignorou tudo e todos.
Enfim chega ao seu destino. Prova de toda a pressão do dia a dia, como qualquer adulto cheio de responsabilidades. E no fim do dia trilha o mesmo caminho agora de volta para casa, ainda sem olhar para os lados.
Nota-se um ar de fraqueza em meio a tanta força, um olhar triste em meio a um falso sorriso. Uma criança gritando por liberdade, em meio aquela maturidade forçada.
Chega em casa, joga tudo o que carregava consigo no chão e no sofá, coloca as mãos sobre a cabeça, grita, se ajoelha no chão e desagua em lágrimas.
É como se eu sentisse a frieza daquela casa, o vazio que nela havia, a solidão em que aquela mulher estava. Aquela, infelizmente, era eu.
***
A bondade parecia ter fugido de mim. Qualquer sensibilidade ou afeto se escondia nos mais profundos vales.
Me tornei igual à eles. Pessoas frias que só se importam consigo mesmos.
***
Pareço não me importar.
Espalhei amor ao mundo, mas ao mesmo esqueci como amar.
Espalhei por ele a paz,
Mas não fui capaz
Da mesma encontrar.
Deixei a felicidade e o afeto quando resolvi crescer,
E a tristeza e a maldade tomaram conta do meu ser.
Fechei os olhos para as injustiças, mas ainda pensando nelas.
Chorando toda noite por ter que conviver com elas.
***
No outro dia, mesmos caminhos, mesma rotina. A única coisa que mudava eram os números do calendário.
Em cada esquina uma criança. A mesma criança desmamada se encontrava num canto qualquer. E o som de alguém gritando por um pouco de piedade.
Mais tarde a criança que pedia algo para saciar sua fome foi presa. Foi chamada de vagabunda, marginal, e chegaram a dizer que cadeia era pouco para ela. Apenas por furtar algo que a muito pedia e que o mundo nada oferecia.
Mais tarde a criança desmamada também precisava de algo para saciar sua fome, mas ela não foi presa como a outra. Foi morta assim que tentou fugir da Polícia.
Na mesma hora uma mãe chora sobre o corpo da criança que queria apenas algo para matar a fome, jogada num canto qualquer como um lixo não reciclável. Os gritos da mãe ecoaram nos ouvidos de todos os que passavam por ali, mas ninguém se dispôs a, pelo menos, compreende-la.
"Não soube educar a filha, e agora chora depois que a mataram." "Ninguém mandou escolher uma vida dessas."
Mal sabiam que aquela pobre mulher nada escolheu. Tinha uma vida normal como a deles, até ser vítima de um estupro quando ia para a Universidade assistir mais umas aulas do curso de Letras. Engravidou, foi expulsa de onde morava pela família que dizia ama-la, e não teve outra escolha a não ser morar na rua.
***
Não teve como fechar os olhos. Aquela cena tocaria até o ser humano mais frio.
Se remoendo de culpa e tristeza, aquela pobre criança que se encontrava no meu corpo se pôs a chorar. Chorou por noites se culpando pelo que aconteceu, sabia que teria sido diferente se cedesse a mão a quem tanto esticava.
Mas nem todos reagiram como eu que depois do ocorrido, não exitaram em ajudar ao próximo. Outros levaram a vida como se nada tivesse acontecido naquele dia.
Foi apenas mais um dia estressante, com uma cena tocante, num mundo horripilante.

Falso Discurso Onde as histórias ganham vida. Descobre agora