06 - Parte I

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Sexta feira, 21 de Agosto de 2015, 16:30

Uma conversa completamente desinteressante e irrelevante se desenrolava entre o motorista do carro e os dois passageiros no banco de trás, mas Cecilia não participava. Agora que suas unhas tinham acabado, roer os cantos dos dedos parecia muito mais interessante do que qualquer que fosse a conversa dos amigos, e faria o máximo para que eles não notassem o quanto ela queria arremessar a cabeça contra o painel do carro, apenas para não ter que ir naquela viagem.
Não via sua família há três anos, e agora estava prestes a passar duas semanas com sua irmã noiva, sua família do qual ela nunca mais teve contato, os amigos do qual ela foi embora sem se despedir. E apenas para melhorar, a família do noivo.
Quanto mais perto ficavam do aeroporto, mais a ideia de bater a cabeça contra o painel parecia tentadora, pra valer.
Nick, por sua vez, que acompanhou de perto as duas semanas em que Cecilia planejou a viagem, tentava não tocar mais no assunto. Desde o dia em que ela tinha recebido a ligação, uma sucessão de surtos tomaram conta de sua menina, e depois de ávidas tentativas de ajudá-la a se acalmar, percebeu que o máximo que podia fazer era não tocar muito no assunto. Sabia, e muito bem, que Cece sempre foi a personificação de ansiedade, e manter a mente o mais longe possível de tudo aquilo seria o melhor para ela.
Fez como pôde: comprou as passagens, trocou os e-mails com Emmy no lugar de Cece, não pediu ajuda com Rico... Mas ela sempre parecia achar um motivo para surtar e gritar e xingar sua família.
Ele simplesmente não sabia, ou tinha o que fazer, e isso lhe partia o coração. Mas também sabia que tudo isso só ia acabar e se resolver quando ela visse a família novamente.
- Olha só - Tim pegou todos no carro de surpresa com um quase grito, fazendo Cece pular no lugar - Cansei dessa merda.
- Tim...
- Cece Carter, você tem que reagir, mulher! Você é Cecilia Jones Carter, menina mulher mais foda que eu já conheci.
- Tim, não, por favor - ela pediu, já massageando a têmpora.
- Começo sim. Eu sei que você e sua família sempre deu merda, mas você conviveu com eles por 19 anos. E você era nova e despreparada de tudo. Você cresceu, amadureceu, mudou. Põe isso na sua cabeça: a mulher que vai encarar a família não é a mesma menina que fugiu de casa. Você quem dita às regras hoje, não deixa eles tirarem isso de você. E caso fique insuportável demais, muito simples, faz as malas e volta. Sua passagem já tá na mão. Nunca te vi com medo de nada antes...
- Olha aqui - virou-se com brutalidade no banco do passageiro, arrancando risadas dos três amigos - Eu não estou com medo. Eu estou...
- Com medo. - Steve completou.
- Vai se foder.
- Olha - ele continuou - Pela primeira vez na minha vida, eu estou com o Tim. Pela primeira vez, ele falou alguma coisa que presta.
- Eu também estou de acordo - Nick sorriu-lhe, desviando a atenção rapidamente do tráfego.
- É... - Cece encostou a cabeça no apoio do banco, olhando para um enorme Enrico - Vocês têm razão.

- Sério, Cece. Pra que tanta mala? - Nick, que arrastava - literalmente - uma mala de costas pelo aeroporto perguntou, enquanto Steve trazia uma de rodinha.
- São duas semanas. E só tem duas malas, do que você tá falando?
- E a que eu estou levando é o que? - Tim perguntou, s referindo a bagagem de mão da amiga que ele levava nas costas, já que ela tinha Rico na bolsa canguru de Tartarugas Ninjas, presente dado por ela mesma.
Mesmo estando sem dinheiro, voltava e René numa bela tarde e quando a loja já estava par fechar, viu a bolsa na vitrine, mesmo que aparecesse apenas metade.
- MEU DEUS, EU PRECISO DELA! - berrou no meio a rua, e depois das atendentes explicarem diversas vezes que já estavam fechando, Cecilia saiu da loja com a bolsa e uma roupinha com estampa de uniforme de Os Incríveis.
- É a bagagem de mão, Timothy. - o segurou pelo queixo, balançou sua cabeça de leve e mandou um beijo no ar. - Eu vou fazer o Check In. Deem minhas malas.
Após despachar as malas, Cece se dirigiu com os rapazes para um dos cafés do aeroporto, aproveitando o gelado do ar condicionado. O outono já se aproximava, mas mesmo assim, o calor na Ilha ainda castigava os trabalhadores e agraciava os turistas. Um rebuliço no aeroporto indicava a provável presença de um ou mais famosos, na mesa, mais uma conversa aleatória se instalava entre seus amigos, mas Cece só sabia prestar atenção em Enrico.
Tinha crescido tanto nas duas últimas semanas. Os olhos verdes agora eram duas enormes bolas de gude, um sorriso estava sempre ali, pronto para interagir com qualquer um, os cabelos claros cresciam e caíam. A pele macia e cheirosa como sempre, os músculos fortalecendo. Toda a agitação que ele demonstrava antes, tinha resultado em um Enrico que agora fazia de tudo para manter a cabeça erguida. Nick estava sempre fazendo brincadeiras que mexessem com os braços e pernas do filho, girando o corpo dele e coisas que o fizessem fazer força.
- Ai, meu Deus! Pede pro seu pai deixar eu te levar - fez cócegas leves na barriga do bebê que segurava sentado sobre a mesa do café, que retribuiu rindo.
- Cece, eu sei que você estava prestando muita atenção na conversa, mas eu vou repetir a pergunta: você que é uma pessoa esperta, inteligente... Não acha que é uma puta babaquice o Steven pedir a Daya em namoro depois de UM MÊS saindo? Vai Cecilia, eu conto com você, menina esperta. - exageradamente, Tim espalmou as mãos na mesa esperando pela resposta de Cece, enquanto Steve girava os olhos e Nick gargalhava.
- Tim, eu sei que tá difícil pra você, mas não precisa gorar o namoro dos outros. Ainda mais dos amigos, é feio.
- Traidora.
- Cinco contra um. - rebateu, e Steve afundou a cabeça entre os braços na mesa. E Nick já batia palmas de tanto rir.
- Que horror, não fala isso na frente de uma criança.
- Olha, o Rico só vai entender isso daqui uns onze anos.
- Vocês me dão vergonha. - tentando disfarçar uma risada, Steve arrastou a cadeira e se levantou da mesa com o celular em mãos.
- Vai lá ligar para a "Oi, meu amor. Que saudades!" - Nick atacou a embalagem de um doce no alemão, que atacou de volta.
- Vou mesmo.
- Ohhhh... Baby all through the night I'll make love to you. - em bom tom de voz, Cece cantou e Steve saiu de perto com vergonha.
- Ainda tô abismado com o cinco contra um.
- Não sei porque, Tim. Você é tão praticante disso... - Nick deu um peteleco na orelha do amigo, que revirou os olhos.
- Vocês são horríveis. Preciso de novos amigos. Vou pegar um café. - arrastou a cadeira e se afastou da mesa, deixando Cece e Nick sozinhos com Enrico.
Ela sorria para Rico, brincava, mas via por debaixo da mesa suas pernas balançarem incessantemente. Cece nunca tinha comentado o que tinha acontecido entre ela e sua família, e tagarela do jeito que era, Nick imaginava que ela realmente não queria compartilhar, ou já teria contado.
Zerou o café que estava em seu copo e segurou a mão de Cece por cima da mesa, chamando sua atenção.
- Tá mais calma? - perguntou, e houve um tempo até obter sua resposta.
- Não. Não adianta, Nick. Eu consigo imaginar perfeitamente o noivo dela, engomado, rico, vai ser o orgulho da família. Ela, pelas minhas contas, já vai estar se formando, outro orgulho da família. Todo mundo super feliz, até a louca stripper chegar e começar a ficar bêbada até o dia do casamento. Vai ser horrível!
- Você não é stripper.
- Eu sei, você sabe... Mas vai explicar para aquela família o que eu faço. E eu tiro fotos nua, n u a!
- Cece... - segurou sua mão com força - Eu nunca te vi com medo de nada, por que esse medo da sua família?
- Porque eles são família, Nick! Por mais que você os odeie, você quer que eles te amem. Porque a gente sempre quer a aprovação deles, e mesmo quando não quer, é horrível quando você ouve explicitamente que não tem. E eu passei dezenove anos assim, com a Emmy sendo ovacionada. E agora eu já tô há três anos de boa, e agora eu volto logo numa festa de casamento. Vai ser horrível!
E lá estava, Cece finalmente desabafando e desmoronando. E ele não sabia o que falar.
E antes que ele pudesse falar alguma coisa, o voo da amiga para Madrid foi anunciado. Ela se levantou da mesa bufando, com Rico nos braços, bagagem de mão nas costas e parou ao lado da cadeira de Nick para esperá-lo.

- Tudo bem, vamos lá: Nicholas, você tem o número da Angie caso alguma coisa aconteça. Eu já dispensei o Juan, então você podia varrer meu chão de vez em quando, né?
- Espera, que? O Juan do iate?
- Nicholas, sabe aquele moreno que limpa minha casa todo sábado? Então, o nome dele também é Juan.
- Ah, sim. Certo, varrer seu chão.
- Isso. Tenta dar uma volta com a Tequila pelo menos duas vezes por dia, porque caso não, ela vai ficar entediada e vai começar a comer sua casa. Vai por mim. Você lembra do meu sofá. Não fique bêbado, e caso fique, liga pro Steve. Ah, procure as babás.
- Certo.
- Nicholas.
- Sim?
- As babás.
- Tá bom.
- Steve - virou o tronco, para cruzar com o alemão - Caso você vá pedir sua amada em namoro, um belo de um vinho, beira-mar, ok?
- Certo.
- Acabaram os conselhos. - sorriu nervosa, e passou Rico pro colo de Nicholas, que sorria. - Tenho que embarcar.
- Ê, abraço em grupo! - Tim gritou no meio do aeroporto, e logo os gritos seguiram por Steve e Nicholas, que se juntaram a Tim num abraço envolta de Cecilia, com Enrico esmagado no meio deles. - Tchau, amiguinha. Vai com Deus.
Cece se soltou do abraço e sorriu, andando sem olhar para trás, principalmente para Enrico, ou não iria. Quando já estava longe o suficiente, se virou, rindo.
- California, here we come, right back where we started from - cantarolou baixo, já sorrindo sapeca, antes de se virar novamente e sair cantando - CALIFORNIAAAAAAAA, HERE WE COME
Esperaram ela sumir pela porta da sala de embarque, para se mexerem. Quando Rico percebeu que Cece não ia voltar, resmungou e começou a chorar em seguida, apontando na direção por onde ela foi.
- Shh... Eu sei, filho. Eu também vou sentir saudades.

Domingo, 23 de Agosto de 2015, 03:20

Estava completamente desfeita quando finalmente desembarcou em Santa Ana. Após passar por Londres, Phoenix e finalmente chegar no condado onde nasceu, suas costas já não aguentavam mais. Mandou garganta adentro um relaxante muscular, que somado ao cansaço que já sentia, a faria desmaiar assim que chegasse em sua antiga casa. Passava das três da madrugada de sábado para domingo e o aeroporto de Santa Ana estava vazio. Cece tinha combinado de Emmy pegá-la do lado de fora, mas não tinha certeza se era uma boa ideia ficar por lá. Jogou a blusa de frio que tinha na bagagem de mão por cima do ombro e saiu do banheiro, sentindo que ia cuspir o próprio estômago. Decidiu esperar pela irmã no ponto de táxi do lado de fora do aeroporto, mas não demorou muito para ouvir seu apelido ser gritado.
Emmy saltou de uma SUV preta com muita rapidez. Os cabelos loiros, agora na altura dos ombros, voavam por conta do tempo, estava bastante magra, se vestia com grifes, apertava um casaco contra o corpo, e olhava para Cece sem saber muito o que fazer. Um rapaz saltou do motorista, e o noivo era tudo o que Cece imaginou: branco, loiro, se vestia rico, andava rico, devia cheirar rico.
Emmy não manteve a postura por muito tempo, começou a andar na direção de Cece, mas logo estava correndo e se jogando nos braços da irmã mais nova, que largou todas as bagagens no chão.
Era uma sensação tão boa abraçar Emmy novamente, que é como se nunca tivessem se separado, como se nada tivesse acontecido entre Cece e a família. Lembrou-se de quando a irmã mais velha era seu porto seguro. Mas ao mesmo tempo estava estranho. Quando foi embora, as duas eram meninas, de idade e de mentalidade. Mas hoje sentia o quanto Emmy tinha amadurecido, envelhecido fisicamente, e sabia que ela estava sentindo o mesmo.
Quando se desgrudaram, Emmy a segurou pelas bochechas molhadas e sorriu.
- Cece...
- Oi, minha irmã. - sorriu e segurou-lhe pelas mãos.
O noivo se aproximou por trás de Emmy e a segurou com delicadeza pela cintura, e logo Cece pôde constatar que sim, ele cheirava rico.
- Cece, esse é o Benjin.
Ele deu um passo pra frente e esticou a mão para Cece apertar, mas foi surpreendido por um abraço dado por ela.
- Muito prazer, Ben.
- Oi, Cece. A sua irmã fala muito de você.
Sorriu envergonhada, porque se aquilo era verdade, Cece não falava de Emmy para ninguém.
- Bom, vamos indo? - ele apontou para o carro, e se abaixou para pegar a mala de costas de Cece.
Emmy pegou a de rodinhas e a abraçou pelo ombro, enquanto caminhavam lado a lado.
O carro estava quente e Cece só não falou que estava se sentindo pobre, porque estava acostumada com o carro de Nicholas. O caminho foi silencioso, Cece estava quase dormindo, Emmy tinha uma mão na coxa do noivo, que de vez em quando a pegava e levava até os lábios. Os olhares que Emmy dava para Benjin... Ela estava muito apaixonado por ele, Cece sabia.
Pela janela, entrava a brisa que vinha do mar, infestando o nariz de Cece com o cheiro de sua infância.
- Cece - Emmy interrompeu seus devaneios - Eu esqueci de falar, nós não vamos para a nossa casa. Quer dizer, minha casa. Nossa. Enfim... O pai do Ben pediu para que todos nós ficássemos num hotel que ele gosta. A família e os padrinhos. Em Laguna.
- A gente não vai ficar em Seal Beach? O que? Por que?
- Eu não sei... - respondeu quase que contrariada, o que deixava bem claro que ela também não tinha entendido o ponto disso.
- Ele me disse que gostaria que as três famílias passassem um tempo juntas. Como uma confraternização. - Ben respondeu.
- Por duas semanas? - Cece atingiu um tom agudo, era quase um grito, que sempre fazia quando não sabia de mostrar mais indignada. - Ninguém trabalha?
- A mamãe ainda não sabe o que é isso, o pai e a noiva conseguiram dispensa. O Ben trabalha pro pai, então ele também não trabalha. Minhas madrinhas também, os padrinhos do Ben também. Meu chefe me liberou, e ele também vai vir, então tá tudo bem... - Emmy coçou a coxa. - E é tão perto, que eu não vi motivo pra negar esse pedido dele.
- Espera, você chamou seu chefe pra confraternização em família? - riu, mas a parou assim que a irmã e o noivo se entreolharam, e Emmy virou o tronco para olhar para Cece - O que foi?
- Cece, ele... Ele é nosso padrasto. Meu chefe. Ele pediu a mamãe em casamento.
- O que?
A vontade de Cece era de gritar, abrir a porta do carro, saltar e sair correndo, berrar sobre o quanto a mãe era inacreditável, rir, gargalhar.
- Eles começaram a namorar antes ou depois de você ir trabalhar nessa empresa?
- Depois...
- Meu Deus! - riu, de nervoso - Ela é inacreditável!
- Ela gosta dele, Cece.
- Aham, eu posso imaginar. Meu Deus... Você noiva, nossa mãe noiva, nosso pai noivo. Quantas surpresas, não é mesmo?!
- Foi você quem foi embora, Cecilia. - rebateu, e o carro caiu em silêncio com o murro na cara que Cece tinha acabado de levar.
Nada mais foi dito dentro do carro até chegarem no tal hotel, que era o hotel. Era todo branco e de vidro, mas não muito grande, na beira de uma praia incrivelmente reservada de Laguna Beach. Ben pegou sua mala grande, enquanto Emmy pegou a de rodinha e os guiou para dentro do hotel. Dentro dele, apenas una funcionária, recepcionista, os esperava. Emmy sorriu e pediu pela chave do quarto 510, que foi prontamente entregue. Sem falar nada, pegou a mala que Ben levava e a jogou no ombro.
- Pode ir indo pro quarto, amor. Eu só vou instalar a minha irmã e já vou.
Ele olhou para Emmy, depois para Cece, e então acenou com a cabeça e saiu.
Sem falar nada, sua irmã seguiu para um elevador, e continuou em silêncio até subirem pararem na porta do quarto 510. A primeira coisa que Cecilia pensou, foi em quanto odiava aquelas chaves eletrônicas, e como elas nunca funcionavam com ela. Quando empurrou a porta e deu passagem para Emmy, Cece deixou o queixo cair.
O quarto, de cara, lhe apresentava um sofá de dois lugares de frente para uma mesinha, com uma sacada com vista para a praia. Cobrindo a porta de vídeo da sacada, uma persiana pesada e escura. Mais para dentro, uma cama de casal, que fez seu coração doer de tanto cansaço, tão grande que acomodaria umas cinco pessoas confortavelmente. Na parede a sua frente, uma televisão e um aparelho de som mais para o lado. O chão de madeira e a parede totalmente branca davam um ar mais luxuoso para o quarto do que era. Em uma das paredes vazias, um closet embutido, fechado com portas corrediças. E no fim, uma porta que dava provavelmente na suíte.
- Caramba... - sentou-se na borda da cama, ainda embasbacada. - Sogrão bem generoso, né?!
- Rá! Só eu e o Ben, ele e a Meryl, você e os irmãos do Ben ficaram nesses quartos. Já tinham dois ocupados, sobraram oito. Os dos outros andares são mais comuns. A mamãe ficou tão brava quando eu preferi dar o quarto pra você, ao invés dela e do Bryan - Emmy colocou as malas no chão e fechou a porta, enquanto Cece ia deitando na cama.
- E por que você deixou pra mim?
- Porque sim. E o apartamento do Bryan é melhor que isso, eles não precisam dormir aqui. E essa vista... É a sua cara. Eu deixei reservado pra você, mesmo antes de você confirmar presença. Caso você não viesse, aí eu deixaria pra mamãe.
- Emmy... - com muito esforço, levantou o tronco e focou seu olhar na irmã - Você chegou a achar que eu não viria pro seu casamento?
Emmy não respondeu, do contrário, apenas olhou fixamente para ela, como se quisesse falar tanta coisa... Mas ela não fez, apenas sorriu e foi polida, como tinha sido educada.
- Você deve estar exausta.
- Morta. - Cece se deitou novamente e rodou na cama, quase tendo orgasmos com o edredom que a cobria.
Emmy limpou a mão na calça, como se não soubesse mais o que fazer ali.
- Bom, está entregue. - sorriu - Cece, eu... - pigarreou e Cece abriu os olhos, os focando na loira a sua frente - Me desculpa pelo carro. E eu sei que você não queria estar aqui, mas eu estou muito feliz que você veio.
- Emmy, é seu casamento. Lógico que eu queria estar aqui.
- Não queria não, e por mim tudo bem. Mas eu estou feliz que você pelo menos... Tentou.
Cecilia não falou mais nada, afinal, falar o que? Amava a irmã, mas não queria estar ali, mesmo. Sem abrir a boca, Emmy colocou o cartão da porta no suporte da parede, acenou e saiu do quarto.
Em pulinhos e ignorando completamente o momento constrangedor que tinha acabado de acontecer, Cece fechou a persiana, arrancou os tênis e se jogou na cama, sem tirar a roupa, nem escovar dentes. Nada.

Quando acordou, o quarto estava escuro por conta da persiana, mas ela conseguia ver umas frestas de sol passarem por ela. Seu celular, que irritantemente apitava bateria fraca, ainda marcava o horário da Espanha, e fuso horário a deixava muito confusa, mas pelas suas contas, era por volta das três da tarde. Se jogou de costas na cama, e logo seu pensamento voou para Enrico. Podia ligar para Nick, mas provavelmente ele já dormia aquela hora, então ligaria depois. Mas não queria sair do quarto e muito menos cruzar com sua família, e sabia que falar com Nick a daria coragem.
Mas também tinha que se acostumar com o fato de que ia passar duas semanas sem ele, e de que não poderiam conversar de cinco em cinco minutos, como na ilha. Ia ter que lidar com aquilo sem ele.
Ela podia ficar no quarto por duas semanas, Emmy nem ia perceber. Tinha uma cama, um banheiro, uma televisão, tomada e uma janela. Pra que ia sair dali?
Três batidas na porta a fizeram saltar de susto, tirando todas as baboseiras que pensava de sua cabeça.
- Cece? É o Ben.
- Que foi? - berrou, e finalmente saiu da cama.
- Eu vim ver se você está bem... - sua voz saía abafada pela porta, mas dava para notar o quanto ele ainda era cauteloso ao falar com ela.
Abriu a porta, e o viu erguer as sobrancelhas e reafirmar sua pegunta:
- Hã... Você está bem?
- Sim?! - devia estar com uma aparência horrível.
- Bom, nós vamos almoçar. - sorriu. Cece gostava dele. - Aqui no hotel mesmo, nas mesas de fora. Você vem?
- Todo mundo vai almoçar? - frisou os olhos, talvez deixando claro o suficiente de que não queria ir.
- O que você quer saber, Cece?
- Minha mãe... E meu pai?
- Já estão na mesa. Você... Prefere comer no quarto?
Sim! Isso! Sim!
Estava pronta pra dizer que sim, mas imaginou o quanto Emmy devia querer um almoço desses. Tinha ido ali pela irmã, manter o clima pesado e intrigas entre ela e os pais só deixaria Emmy magoada.
Tinha que fazer isso logo, e parar de tentar adiar.
- Não, tudo bem. Mas eu preciso tomar banho, me arrumar. E escovar os dentes. Pra caramba. - ele riu e acenou.
- Tudo bem, estamos te esperando.
Fechou a porta e voltou a se jogar na cama. Não sabia nem por onde começar...
Saltou da cama e abriu logo a persiana, sendo presenteada com um belo dia de sol, e um mar azul e maravilhoso. Abriu a porta da sacada, deixando o vento ventilar o quarto, e foi até sua mala. Literalmente, despejou tudo no chão, todas as peças de roupa, recolhendo apenas as íntimas para colocá-las na cama, o resto das roupas deixou no chão mesmo, depois guardaria no closet. Ou não.
Pegou sua necessaire e foi para o banheiro, novamente se sentindo babaca por aquele quarto de hotel. Contemplou bastante a ducha enorme que tinha ali, separadamente da banheira retangular com uma TV na sua frente.
Estava em um banheiro, com uma banheira, com uma televisão.
- Se colocar um frigobar dá pra morar aqui. - alisou o mármore da grande pia, sorrindo como criança em loja de brinquedo.

Saiu do banho apenas com toalha na cabeça, desacostumada com a sensação de andar pelada dentro de sua própria casa, já que tanto ela quanto Nick sempre invadiam a casa um do outro, com privacidade zero. Caçou qualquer vestido no chão e se trocou rapidamente, porque sabia que se demorasse, Emmy ia começar a achar que ela tinha ido embora ou algo assim. Parou de frente para o espelho e se tocou que, mesmo depois de tanto tempo calejada, ainda estava procurando por alguma coisa que sua mãe fosse reclamar. Respirou fundo, pegou o cartão da porta e saiu do quarto.
De dia o hotel parecia maior, e mais cheio. Foi procurando pela tal parte de trás do hotel, até ouvir inúmeras gargalhadas e barulhos de saltos em piscina. A voz de sua mãe se fez ouvida, e logo seu estômago estava borbulhando novamente.
Por tudo que era mais sagrado, precisava de um baseado daqueles.
Encontrou a área de trás, um deck de madeira com algumas mesas, que foram unidas por eles, e ao longe, uma piscina, espreguiçadeiras e um bar.
A primeira pessoa que viu foi sua mãe, e ela estava radiante. De tudo que imaginou sentir naquele momento, saudade era o último sentimento. O senhor ao seu lado, careca e muito elegante, devia ser o tal do Bryan, pelo fato de que ele mantinha uma mão em sua cintura. Em seguida, sua tia Dianna, sendo coberta apenas por biquíni e um cardigan de praia, exibia seu corpo da modelo que devia ter sido. Roubava alguma coisa da mesa, e levou um tapa na mão dado por sua mãe. Perto dela, Emmy e Ben riam da cena, abraçados como se tivessem nascidos grudados. Do outro lado da mesa, de costas reconheceu seu pai, que era abraçado pela cintura por uma mulher cujo tudo o que Cece via era o cabelo grande e preto. Eliza. E ao lado deles, quem Cece pensou serem a família de Benjin. Eram dois senhores, dois casais na altura de seus quarenta, três adolescentes, uma outra mulher loira, e na piscina, crianças demais para duas semanas.
Estava travada no lugar, porque simplesmente não sabia como chegar por trás da família e dar oi. O que ia fazer?
Não teve muito tempo para pensar, pois logo Emmy a viu e acenou e todos na mesa olharam para ela. Tinha imaginado desde um abraço de cinema, até uma guerra de comida épica, mas não tinha imaginado que era aquilo que ia acontecer: sua mãe e seu pai a olhando, como se ela fosse uma estranha. Tia Dai foi a primeira a reagir, berrando seu nome para quem quisesse ouvir.
- Cece, ah MEU DEUS! - saltou do banco onde estava sentada e veio correndo na direção da sobrinha, a agarrando com toda a força possível. Separou Cece com certa violência, agarrando a sobrinha pela bochecha - Como você está linda! Meu Deus, que saudades, menina!
Cece sorriu, e deu um beijo estaldo na bochecha de Dianna.
A tia a abraçou de lado, enquanto Cece focava seu olhar na mãe, que esfregava uma mão na outra.
- Mãe, pai - trocou o olhar de um para o outro, esperando que um deles fizesse alguma coisa.
- Minha filha... - Dylan se levantou da cadeira, e enfiou Cece entre seus braços.
Não falou mais nada, apenas a apertou muito.
Bonnie não se moveu, mas assim que Dylan se separou da filha, ela sorriu e acenou com a mão.
- Oi, Cecilia. Como vai?
- Muito bem, mãe. - engoliu tudo o que tinha imaginado e aceitou que sua mãe apenas tinha acenado.
Quase quatro anos tinham se passado, e seu primeiro contato com os pais tinha se resumido àquilo.
Não sabia como aquele momento podia ser mais constrangedor.
A não ser, é claro, que toda a família de Ben olhasse para a cena como se fossem um espetáculo de horror.
Para cortar o clima , a mulher completamente fina, asiática, maravilhosamente linda que abraçava seu pai se levantou, sorrindo.
- Cecilia, finalmente nos conhecemos - esticou a mão, que tinha um aperto firme - Eu sou Eliza. Seu pai já me falou muito de você...
- Muito prazer, Eliza. - sorriu e apertou sua mão - E você deve ser o Bryan, certo? - se dirigiu ao careca - Muito prazer.
- O prazer é meu, Cecilia.
Emmy pigarreou e se levantou.
- Gente, essa é a Cece - a família rica demais sorriu para ela. - Cece, esses são Meryl e John, pais do Ben. Jenna, Nathan e Mel são irmãos do Ben, Erick é marido da Jen e a Teesha é esposa do Nathan. - ia apontando para todos na mesa, e Cece já tinha um V na testa. Sabia que em dois minutos ia esquecer o nome de todo mundo - Anne e Will são o casal de Jenna e Erick, Milla e o Bob, que tá na piscina, são o casal de Nathan e Teesha, e Arthur e Chris são os meninos da Mel.
- Só não me pergunte pelo pai deles, pelo amor de Deus - Mel girou os olhos, fazendo os irmãos rirem.
- Mel, não aja assim, minha filha. - Meryl pediu - Mark é um bom homem.
- A única coisa boa que ele faz de bom é preencher o cheque da pensão dos filhos dele todo mês, mãe. Fora isso...
Meryl negou com a cabeça, parecendo não entender um divórcio. Emmy abanou as mãos cimo se dissesse para Cece ignorar.
- Vamos comer logo, pelo amor de Deus - Dianna se manifestou.
A mesa estava servida com muita costela ao molho barbacue, porções de batata e salada, refrigerantes e cerveja. A única cadeira sobrando era entre Eliza e Mel, que se levantava naquele momento.
- Chega de piscina, molecada. - gritou para os filhos e o sobrinho, que protestaram - Eu não estou dando opção, lavem a mão e venham comer agora!
Dois minutos depois, e a mesa estava repleta de crianças e adolescentes que pareciam crianças, discutindo e gritando. Seu pai apenas falava com Eliza, Bonnie estava sempre mexendo no cabelo de Emmy, dando beijos discretos no noivo, Dianna discutindo em alto e bom som marcas de cerveja com Nathan, Emmy e Ben eram só sorrisos um para o outro, e tudo aquilo estava embrulhando demais seu estômago. Queria sair dali, e logo.
No seu prato, uma costela quase terminada fazia companhia para uma salada mal tocada. Abriu mais uma cerveja, e viu a mão da irmã tomar o mesmo rumo.
- Emmy, não! - Bonnie a interrompeu - Só suco. Lembra? - pegou a cerveja da mão de Emmy, que primeiro ficou um pouco zangada, Cece notou, mas depois sorriu e deu para o noivo.
Cecilia riu incrédula com o que tinha acabado de ver, e só de pirraça, virou todo o conteúdo da garrafa de uma vez, demonstrando toda a sua satisfação no final.
Bonnie ficou a olhando por um tempo, mas depois voltou sua atenção para o noivo. Todos foram terminando suas refeições, e logo um papo de sobremesa se instalou na mesa, com as três crianças e tia Dianna pedindo por sorvete.
Deu graças a deus quando decidiram sair da mesa e ir atrás da sobremesa, deixando Cece livre para voltar para o quarto.
- Você não vem? - Emmy perguntou, parecendo um pouco desapontada.
- Não, pelo amor de Deus, não me pede isso. - reclamou em silêncio. - Eu vou para o meu quarto.
- Tudo bem... - Emmy apertou sua mão e saiu.
Sozinha, se sentou na borda da piscina e respirou fundo, sentindo como se tivesse levado um murro na borda do estômago. Parecia grávida em trabalho de parto, de tanto que respirava para não sucumbir às lágrimas. Apoiou os pés na parede da piscina e fez força, jogando o corpo na água.

Acordou com uma fresta de luz entrando pela sua porta, e segundos depois, uma lambida molhada e grudenta atingiu sua bochecha.
- Ah, sai, Tequila!
Uma lambida, uma focinhada, uma patada.
- Tequila, inferno! - bufou e procurou pelo celular sob o travesseiro, vendo que não passava das cinco horas - Cachorra, por que você tá me enchendo o saco essa hora?
Recebeu uma latida em resposta, e logo em seguida, a cadela se sentou na cama e ficou olhando para Nick com o rabo abanando. Latiu mais uma vez, e cutucou Nick com a pata.
- Se você falasse, tudo seria mais fácil... - jogou o travesseiro no chão, vestiu sua bermuda e se levantou - Que foi, tá com fome?! Vem, vamos comer.
Tequila corria dentro da casa, levantando o humor de Zeus, o que fazia muito barulho no piso de madeira.
- Tequila, para de fazer barulho! - alterou o tom de voz. - É, e não adianta me olhar assim. Você tem corpo de pit bull mas a alma é de yorkshire.
A cadela respondeu com uma latida alta, que levou Zeus a latir junto, e poucos segundos depois, o choro de Rico se fez audível.
- Argh! Pelo amor de Deus! Vocês dois - quase berrou, e os dois cachorros pararam de latir - Comam, em silêncio. Shh!
Colocou a ração nos potes e foi até o quarto verde do filho, que chorava no berço. Quando viu o pai, foi parando de chorar e começou a resmungar, coisa que sempre o fazia ganhar atenção de Cecilia.
- Essa não cola comigo, não. Essa sua marra só funciona com a Cece, e ela não tá aqui. - riu pro bebê que olhava com os olhos bem abertos, como alguém que tentava entender o que era dito, mas não conseguia.
Chupava a chupeta com força o suficiente para Nick saber que ele estava com fome.
- Vem, vamos mamar. - enfiou a mão pelas costas do filho e o levantou, colocando a manta sobre ele. A manhã estava mais fresca do que ele já tinha visto, e Nicholas tinha medo dele ficar doente.
Com uma mão segurava Enrico, que tinha a cabeça encostada em seu peito e respirava com calma, e com a outra esquentava a mamadeira.
Zeus agora deitava perto da porta de entrada, enquanto Tequila olhava os dois andarem pela estreita cozinha. Ela parecia louca pra sair correndo, mas sabia que ia levar uma baita bronca. Tinha que passear com ela logo, ou sua casa seria destruída. Rico terminou de mamar e já estava pegando no sono, mesmo com o peso que Nick sentia em sua fralda. Colocou o bebê no fraldário do quarto, e trocou sua fralda.
Estava difícil saber quem bocejava mais, ele ou Rico. Assim que terminou de trocar o filho e colocou uma roupa mais quente nele, o levou para deitar em sua cama. O bebê automaticamente tentou virar o tronco para deitar de barriga para baixo, e como não conseguiu completar a volta, Nick terminou de girá-lo, e ficou dando tapinhas em suas costas. Quando ambos já estavam pegando no sono, o telefone começou a tocar, e Nick levantou correndo para atender.
- Alô?!
- Não me mata, eu cheguei viva - soltou um sopro exasperado ao ouvir a voz de Cecilia, mas em seguida relaxou um pouco.
- Caralho, Cece!
- Eu sei, desculpa. Mas você já devia estar dormindo e tal... Desculpa. - sua voz estava miúda e calma, não escandalosa como sempre, e ele soube que ela não estava bem.
- Tudo bem. E aí, como foi?
- Ah... - resmungou e fungou - Pra falar a verdade, foi bem horrível. Ah, Nicholas, foi uma merda! - reclamou com a voz tremendo. - Eu não sei o que eu tô fazendo aqui! Cara, minha mãe e meu pai nem sequer olharam pra mim, e eu tenho que ignorar tudo pela minha irmã. Como é que eu vou ficar duas semanas nessa merda?
- Onde você tá nesse momento?
- No quarto. Na sacada. Por que?
- Solta esse choro que você tá engolindo, primeiramente.
- Vai à merda.
- Eu estou falando sério. Você tá sozinha, Cece, e garanto que Deus não vai te julgar.
- Argh! Você consegue ser mais insuportável do que eles! - ele tirou a boca do microfone para rir, enquanto ela ainda o xingava. - Não sei pra que eu te ligo!
- Porque você me ama. - ouviu um fungado.
- Nick, eu quero ir embora.
- Então vem...
- Não posso, ela está tão feliz...
- Conta, o que ta acontecendo?
- Primeiramente, nós não estamos em Seal Beach. O pai do noivo, que tem cheiro de rico mais do que você porque ele usa blusa pólo, decidiu que queria as famílias unidas, então alugou praticamente um hotel inteiro em Laguna Beach, e cara, meu quarto é a única parte boa. Tem uma TV na frente da banheira, onde eu consigo assistir Netflix, e onde eu pretendo ficar nos próximos quatorze dias. E tem uma sacada com vista pro mar. E minha mãe simplesmente conseguiu fisgar o CHEFE da Emmy, ela está noiva. E meu pai também. TODO MUNDO É NOIVO NESSE LUGAR! E tem três adolescentes, dois deles tem a mesma cara, porque são gêmeos, e três crianças que não calaram a boca o almoço todo!
A essa altura do desabafo da amiga, ele tinha certeza de que ela já tinha se levantado e andava de um lado para o outro.
- Cece, calma e senta!
- Como você sabia...
- Eu te conheço. Pronto, agora, ouve bem o que eu vou te falar. Você está perto da cidade onde você nasceu e cresceu, longe do René e da boate, no fim do verão californiano. Você está tão pilhada com tudo isso, que esqueceu que está no paraíso. Tira essas duas semanas pra você e descansa. Vai ver seus amigos, seus avós, passeia com a sua irmã, vai dançar, sei lá, mas relaxa.
- Nick?
- Oi.
- Você fica tão filosófico pela matina.
Gargalhou com o repentino humor dela, e ficou mais aliviado.
- Sua besta.
- Obrigada, Nick - sorriu - Eu sabia que falar com você ia me ajudar.
Sorriu mais ainda.
- É sempre um prazer lhe ajudar. E me faz um favor, quando você voltar, eduque sua cachorra a não acordar ninguém às cinco da manhã.
A ouviu gargalhar, e fazer algum tipo de comemoração.
- Essa é minha Tequila! Besta, volta a dormir. E dá um beijo apertado e gostoso na minha bolinha de olhos verdes.
- Pode deixar.
- Volta a dormir.
- Pode deixar.
- Te amo. - e desligou.
- E eu vou voltar a dormir mesmo... - arrumou o travesseiro debaixo da cabeça e fechou os olhos.
Estava quase pegando no sono quando sentiu a cama afundar, e os abriu assustado. Tequila rodou duas vezes, e então deitou entre Enrico e a borda da cama.
- São só duas semanas, Nicholas. Só duas semanas.

Segunda feira, 24 de Agosto de 2015, 06:10

Acordou na manhã seguinte cedo demais, praticamente junto com o sol. Estava mais animada e suspeitava de que ia seguir o conselho do amigo. E ele tinha razão, estava finalmente descansando, com tudo pago. Se tivesse que se acertar com a mãe e o pai, ou não, ia eventualmente fazer nas duas semanas. Mas não ia deixar de aproveitar e se divertir por conta de nada. Entrou logo em um biquíni, prendeu o cabelo, pegou o protetor solar, celular, fone e saiu do quarto. Além dos funcionários, não tinha cruzado com ninguém, parecia só ter ela acordada.
A areia estava quente, e o mar gelado naquela manhã. Aproveitou para fazer o que não conseguia fazer por muito tempo seguido: ficar a manhã toda na praia. Tomou sol de barriga, sol de costas, mergulhou, andou pela beira da praia, voltou, tomou mais sol e mergulhou de novo. De vez em quando ia até a cozinha do hotel e pedia alguma coisa refrescante, deixando tudo na conta do quarto. John ia se arrepender de custear todo a hospedagem e o casamento até o final daquela semana. Quando sentiu que seu corpo já ficava quente demais, juntou suas coisas e voltou para o hotel, entrando logo pela parte de trás, onde o cheiro de café era imenso. Todos já estavam na mesa, exceto os três adolescentes e Dianna.
- Bom dia! - entrou no deck sorrindo e saudou, o que fez Emmy surpresa.
- Bom dia! - a grande maioria respondeu.
- Cece! Cece! - Um dos filhos de Mel a gritou, e as três crianças vieram correndo da piscina na sua direção. - Você estava na praia?
- Sim, por que? - pegou a mão do menino no ar e balançou.
- E você vai sozinha?
- Sim. Por que?
- Legal! - o menino de cabelos pretos e olhos muito azuis, filho de Teesha e Nathan, Bob, comentou - As nossas mães não de deixam a gente ir sozinho.
- É, mas eu já tenho mais de quinze anos. - sorriu, e ouviu a gargalhada de Mel.
- Viram? Eu não sou ruim, vocês que são muito pequenos! - mostrou a língua para os próprios filhos, fazendo Cece rir.
- Quantos anos você tem, Cece? - o menino mais velho de Mel, com olhos cor de mel e um cabelo loiro tigela, Chris, perguntou.
- Eu? Eu vou fazer 23 em novembro.
- Uou! - Bob colocou a mão na boca - Você é velha.
- Hein? - exasperou-se, fazendo os irmãos de Ben caírem na gargalhada.
- Vem cá! - os três a puxaram pela mão até a piscina.
- Você sabe fazer isso? - Chris saiu correndo, saltou, deu uma cambalhota no ar e caiu na piscina.
Se lembrava de quanto tinha dez anos e conseguia fazer aquilo.
- Hm, não - prendeu em um nó o cabelo que estava solto secando - Mas... - andou até um pouco para trás da outra borda da piscina, do lado oposto dos meninos - Eu sei fazer isso. - deu uma estrela de frente, caindo com os pés na borda da piscina, pra mergulhar em seguida.
Quando emergiu, os três batiam palmas e ela sorriu, submergindo de novo para plantar bananeira. Quando colocou a cabeça para fora da água, os três meninos pareciam maravilhados com o salto e a bananeira.
- Legal! - Bob pôs as mãos na cabeça, sorrindo. - Me ensina? - saiu correndo para ir para o lado de Cece, onde seria muito fundo para ele.
- Epa, aqui não! - Cecilia berrou com as mãos na frente do corpo, e o menino freou na hora. - Muito fundo.
- E - Teesha se levantou e colocou o filho no colo de surpresa - Está na hora do café.
- Você me ensina também? - Chris perguntou, esperançoso.
- Se sua mãe deixar, eu ensino. Caso não, não.
- E eu? - o mais novo, que devia ter uns cinco anos e era a versão mais nova de Chris, pediu.
Tinha certeza que quando Enrico fosse mais velho, seria igual a ele. Mas com os olhos verdes.
Se agachou de frente para ele, tirando os cabelos da frente dos olhos e sorriu.
- É Arthur, né?
Ele mexeu a cabeça em concordância.
- Então, Arthur, não dá, porque você é muito pequenininho. Mas se você quiser, eu te ensino a dar cambalhota. Pode ser?
Ele balançou a cabeça com força, sorrindo grandemente.
- Então, está feito. Vem, vamos comer. - o pegou no colo, e foram se sentar na mesa.
Mel pegou o filho no colo e o colocou na cadeira, enquanto Cece ia fazer seu prato.
Ovos, bacon, muita panqueca com mel e café. Fazia tempo que não comia aquele tipo de refeição, e ao final, sentia que ia rolar. Novamente, a palavra não lhe tinha sido dirigida, mas o clima estava mais leve.
Dianna pisou no deck quando todos já tinham terminado suas refeições, com a cara bagunçada entre ressaca e maquiagem borrada. Sentou-se na mesa sem falar nada, e enfiou uma fatia gigante de bacon na boca. Até naquilo eram parecidas. A ressaca.
- Meu Deus, que delícia! - se manifestou finalmente. - Bom dia, todo mundo.
- Dianna, se recomponha. - Bonnie pediu, e Dianna girou os olhos.
- Me deixa.
Conversas aleatórias se instalaram na mesa, e Cece não participava de nenhuma, mas diferentemente do dia anterior, estava entretida em ignorar tudo... Comendo.
Jogava calda sobre os pedaços de frutas que tinha no pote, quando alguém a cutucou no braço.
Jenna apontou para o próprio pai, que olhava para Cece esperando uma resposta, enquanto todos olhavam para ela.
- Desculpa, o que?
- É verdade que você mora nas Ilhas Baleares? - perguntou, parecendo bastante interessado na resposta, e não só em não deixá-la fora dos assuntos.
- É. É, sim.
- Poxa, que maravilha! - Meryl sorriu.
- Uma vez - Nathan terminou de mastigar e voltou a falar - Eu li em uma revista sobre como todos falavam do paraíso Ibiza como uma ótima cidade para o entretenimento, mas ninguém nunca falava sobre como é morar lá. De que a população é baixíssima, e de que o dinheiro da cidade é todo do turismo... Que o custo de vida é alto. Foi difícil se instalar lá?
Terminou de jogar a calda nas frutas, enquanto ouvia Nathan, e só levantou a cabeça quando ele parou de falar, sabendo o rumo que aquela conversa ia tomar.
- Na verdade, foi sim. Eu dei bastante sorte. É um lugar bem difícil de ficar, porque realmente, é tudo sobre o turismo, então nas outras áreas é bem complicado firmar carreira. E no inverno, caí completamente o fluxo de pessoas, ninguém quer ir pra lá quando tá chovendo e ventando. Então nós acabamos juntando muito dinheiro no verão, e no resto do ano a gente se vira. Mas a maioria das pessoas lá já são afortunadas de berço.
- E o que você faz lá? - Eliza enfiou a cabeça por cima da mesa para conseguir olhar para Cece, que terminou de mastigar suas frutas.
Sabia muito bem o rebuliço que ia acontecer naquele momento, mas não contar naquele momento seria apenas adiar o que tinha que acontecer.
- Eu sou modelo de pintura corporal e gogo girl.
E... Silêncio total na mesa.
Seu pai limpou a boca e virou a cabeça lentamente, enquanto Bonnie levantava a cabeça do prato.
Tudo parecia acontecer em câmera lenta, enquanto a família de Ben só parecia surpresa demais, mas não de uma maneira negativa.
- O que é isso? - quem perguntou foi Bob, e indiscretamente, Jenna o cutucou chamado sua atenção.
- O que? Gogo girl? É como... Animadora. Nós somos a cara da boate. Como a hostess de um evento ou de um restaurante.
- Modelo? - Dianna perguntou, tomando café em seguida.
- Sim. O René, um francês maluco, me achou quando eu ainda trabalhava no hotel que eu me hospedava, logo que eu cheguei. Falou que eu tinha um rosto muito expressivo e perguntou se eu não queria testar.
- Tá, mas o que você faz, exatamente? - Ben questionou.
- Nada, eu sou o quadro. Depois eu só pouso para as fotos, e em algumas exposições nós performamos.
- Então ele pinta você nua?
- Isso.
- Olha essa Cecilia! - Dianna atacou um guardanapo na sobrinha e caiu na gargalhada - Me leva com você?
- Besta! - rindo, Cece atacou o guardanapo de volta, as ambas pararam de rir quando um estalo na mesa se fez ouvir.
- Basta, por favor. - Bonnie pediu, sem olhar para a filha. - Emmy, suas madrinhas chegam daqui a pouco. Nós temos coisas para arrumar, arrume-se e me encontre no meu quarto. - levantou, pediu licença e saiu.
Dylan seguiu seu caminho, e Eliza olhou para enteada como se desculpando pelos atos do noivo.
De repente, as frutas não eram mais interessantes.

Aos 18 anos, depois de diversas crises, Cece finalmente procurou um médico. Foi diagnosticada com TAG¹. Na segunda, na terceira e na quarta opinião, todos os diferentes médicos a diagnosticaram do mesmo problema. Mais nova, aos 10, tinha mania de arrancar os cabelos e os cílios. Tricotilomania ². Insônia. Gastrites...
Mas tudo isso tinha acabado. Cecilia corria, andava de bicicleta, dançava na boate... Foram raras as crises que tivera desde que foi para a Espanha.
Mas naquela tarde, seu estômago queimava de novo, seu braço formigava e a sensação de que ia infartar estava lá de novo.
Não pensou duas vezes antes de colocar os fones e ir correr. Se afastou do hotel o máximo que pôde, e só parou quando sentiu as pernas começarem a fadigar, então deu meia volta e pegou o sentindo do hotel, sendo agraciada pelo pôr do sol.
De longe viu Emmy sentada na areia, apreciando o horizonte amarelado. Quando a alcançou, desacelerou as passadas até parar completamente e se jogou na areia ao lado da irmã, ofegando. Quando olhou para o lado, viu que na bochecha dela uma lágrima escorria.
- Emmy?
- Cece... - olhou para ela - O que foi que aconteceu?
- Como assim? É você quem está chorando.
- Três anos atrás, Cecilia. O que aconteceu?
Respirou fundo, esticando as pernas na areia.
- Ninguém nunca te contou, não é?
- Eu estou perguntando pra você.
- Emmy, você sabe que... Aqui sempre foi o seu lugar. Eu só fui descobrir onde seria o meu.
- Ah, por favor. Corta essa. - secou a lágrima e se levantou, tomando passo para ir embora. Cece saltou rapidamente e entrou na frente da irmã.
- Emmy! Você está pisando em ovos desde que eu cheguei, fingindo que está tudo bem, mas mal consegue me olhar nos olhos! Fala logo tudo o que você quer falar!
- Sai, Cece... - fungou e tentou desviar, sendo bloqueada de novo por Cece.
- Fala comigo, Emmy!
- Você me deixou! - berrou, se abraçando do vento gelado. - Você foi embora e me deixou com eles, sozinha! Com eles! Eu fui pra aula e quando eu voltei, você e suas coisas não estavam no quarto. Tudo que eu soube de você foi o número da sua casa e pela tia Dai! Você foi embora! Minha melhor amiga, minha alma gêmea, você era a minha pessoa, Cece, e você simplesmente foi! - continuou a gritar, e mesmo que quisesse que a irmã contasse o que sentia, não sabia que ia ser daquele jeito. Não imaginava que tivesse feito tanto a mal a pessoa que mais amava - Eu estou noiva há OITO meses, Cece, e com o Ben há dois anos! Dois anos! Sabe o quanto eu queria sentar e contar pra minha irmã que eu ia me casar? O quanto eu queria te convidar pra ser a madrinha? Você tem noção? E agora nós estamos fingindo que isso nunca aconteceu, e nem pra isso a gente serve, nem pra fingir que sempre fomos uma família feliz. E eu estou há duas semanas do meu casamento numa guerra entre mãe e filha. - jogou as mãos no ar, se acalmando, enquanto Cece sentia as bochechas molhadas - Está bom agora? - fez uma reverência e saiu, cruzando com o noivo no caminho.
Ben tentou pará-la, mas ela se soltou e continuou correndo. Ele olhou para Cece, e levantou os ombros em questionamento. Ela desabou na areia, sem dar resposta nenhuma para o cunhado. Segundos depois ele se sentou ao seu lado e estendeu o que Cece mais queria ver naqueles dias.
Quem diria que o rico, herdeiro e engomado Benjin fumava maconha.
- Meu Deus, agora sim, pode casar com a minha irmã! - Cece pegou o cigarro de maconha da mão dele e tragou.
- O que houve aqui?
- O de sempre.
- O que há na família de vocês?
- Ah... Eu teria que te contar do início pra fazer algum sentido.
- Temos a noite toda. - pegou o baseado da mão de Cece e dobrou as pernas, as abraçando, enquanto ela ia se deitando.
Talvez fosse bom contar aquilo pra alguém que ia apenas ouvir.
- Ai, ai... Dona Bonnie, Ben, é uma pessoa extremamente contagiosa. Ela não nasceu pra ser mãe, e por mim tudo bem, eu também não e essa história de instinto materno é a maior balela. O problema é que ela tinha apenas um desejo nessa vida: ser rica. Mas nunca trabalhou, nunca fez nada a não ser caçar marido rico. Mas acabou engravidando do meu pai e casou. Disso nasceu a Emmy, e dois anos depois, eu. Ela e meu pai nunca se amaram, ela sempre foi incrivelmente insatisfeita com tudo na vida dela depois que ela casou, então eu acho que ela acabou depositando tudo o que ela queria pra vida dela, na gente. Desde que eu me tenho por gente, nada do que eu e a Emmy fazíamos era bom o suficiente. Não podia ter a segunda melhor grade da turma, tinha que ter a primeira. Conseguiu a primeira? Não faz mais do que sua obrigação. Vocês vieram pra vencer, não aceito filha burra... Essas coisas. O problema é que esse tipo de coisa sempre instalou rivalidade entre eu e minha irmã. Quando a Emmy fazia uma coisa melhor do que eu, ela me jogava na cara e vice versa. E a Emmy sempre caiu muito na pilha dela, e eu não. Eu fui gorda minha infância inteira, e como a mãe simpática que ela era, ela sempre me incentivava a emagrecer falando o quanto a Emmy ia ter um marido bonito e rico, e eu ia morrer solteira. Pra ela nunca estava bom! Eu nunca dei certo nesse meio, mas a Emmy parecia ser a filha que ela sempre quis, mas eu sei que ela também não era feliz. Eu sei que ela queria ter se divertido mais, mas minha mãe nunca permitiu. É como se em algum momento, ela tivesse percebido que o ela queria só ia dar certo na Emmy, e desistiu de mim.
- Nossa... A Emmy faz parecer que vocês apenas se desentendiam, mas isso é assustador. A Bonnie é chata - Cece riu - Mas ela só falta lamber a Emmy. Eu nunca imaginei que fosse tão oposto.
- Rá! E ela sempre foi muito conservadora, e eu sou louca. Eu transei com quatorze anos, contei pra Emmy, que contou pra ela. Ela simplesmente acaboucomigo. Com dezesseis eu namorei o único rapaz que eu cheguei a ter algum tipo de afeição, e ele me traiu com a minha prima. Ela simplesmente falou que alguma coisa errada eu devia ter feito, por isso ele foi atrás de outra.
- De verdade?
- Sim. Ela sempre foi assim. Por isso ela fez o que fez mais cedo, porque é inaceitável na cabeça dela que uma das garotas que ela criou trabalhe nua. Mesmo que eu nunca tenha pedido dinheiro pra ninguém, eu trabalho desde meus dezesseis anos, e ela nunca trabalhou, mas dane-se, ela sempre foi bonita. É basicamente isso, eu e a Emmy sempre fomos instigadas e vermos uma a outra como rivais, e quando eu percebi o quão doentio isso era, eu abri mão, mandei um belo foda-se, ignorei tudo, ou eu acabaria odiando a pessoa que eu mais amava.
- E por que você foi embora?
- Eu não sei... Parece tão idiota hoje, mas... Meu sonho era fazer biologia e especializar em biologia marinha. - pegou novamente o baseado da mão do cunhado - E quando eu passei na faculdade ela surtou. Como assim, eu não ia ser médica ou advogada? Eu tinha acabado de fazer dezenove anos, ela e meu pai já tinham se divorciado. Enfim, quando eu contei, ela surtou e nós discutimos muito. Nessa época, eu só trabalhava, então eu ficava bêbada dia sim dia não. Uma semana depois disso, nem me lembro porque, nós acabamos discutindo de novo e foi a maior briga que nós tivemos. Eu estava cansada dela e ela de mim. E foi horrível... Mas eu me lembro bem dela falando "O seu futuro é uma merda e não precisa ser muito esperta pra saber. Você sempre foi assim e sempre vai ser essa despreparada! Sua irmã vai ser brilhante, e você vai viver na sombra dela, como a boa trepadeira que é".
Ben parecia chocado demais com tudo o que ouvia, e Cece tinha certeza de que também ficaria se a situação fosse contrária.
- Aí, quando ela terminou, eu peguei um vaso verde feio pra caramba que ela tinha na sala e ataquei nela. Eu me arrependi na hora, mas não deu tempo pra pensar. Ela me expulsou de casa. Então eu subi, peguei minhas coisas e fui para o aeroporto. Eu tinha visto de turista, eu passei um mês por lá visitando, não foi difícil ir para a Espanha. Quando eu cheguei, eu liguei pra minha tia e dei o número do quarto do hotel. Quando eu consegui minha casa, liguei pra ela de novo e dei o número da minha casa e do meu vizinho. Só.
Ele piscou uma, duas vezes, então engoliu seco.
- Tudo isso aconteceu e ninguém nunca ficou sabendo?
- Creio eu que não. E hoje minha irmã me odeia porque eu pareço uma egoísta desgraçada. Mas não tem necessidade dela saber disso. Pra que? Ficar com raiva da mãe dela?
- Mas e seu pai nessa história toda?
- Ah, meu pai é uma porta. Sempre foi. Nunca tomou partido de nada, foi embora e só ligava pra dar oi. Nunca se manifestou. Pelo menos minha mãe tentava, ela tinha iniciativa. Ele nunca fez nada. Não me ligou. Nada. Você não entende... Eu não me arrependo de nada, mas eu queria ter mantido contato com ela, eu não sei. Só queria que ela não tivesse raiva de mim... Mas eu não me arrependo. Ela nasceu pra brilhar, eu pra viver.
- Cece - ele posou a mão no joelho da garota - Ela não tem raiva de você, ela sentiu muito sua falta. E não é papo, ela falou muito de você. Acho que na verdade, ela tem mais raiva por você ter feito o que ela queria ter feito: sair dessa família.
- Você a ama? - mudou completamente o assunto, abraçando as pernas como o cunhado e apoiando a cabeça lateralmente nos joelhos, olhando pra ele.
- Muito. Demais. Isso tudo... - apontou para o hotel - Pra mim não tinha necessidade. Eu queria só agarrar a mão dela, entrar num cartório qualquer e me casar, só eu, ela e Deus.
- Eu fico muito feliz. Feliz que ela finalmente vá viver a vida dela.
Muitos gritos e berros tiraram os dois do assunto, e Cece não precisou pensar muito pra saber de quem eram aqueles gritos.
Se jogou de costas na areia, e Ben caiu na gargalhada.
- Se me dá licença, eu sou o noivo, tenho que receber os padrinhos e as madrinhas. - se levantou.
- Tá, mas deixa isso aqui... - pegou o cigarro, e riu da cara dele.

No jantar, tudo parecia quieto demais diante da cara emburrada de Emmy.
Exceto as madrinhas.
Os padrinhos pareciam ter percebido algo errado, mas elas... Pelo que Cece tinha entendido, todas eram amigas de turma da faculdade de Emmy e tinham se mantido algum tempo afastadas, algumas se mudaram, outras voltaram para sua cidade natal, e o casamento estava sendo o reencontro.
Na refeição noturna, a cerveja era substituída por vinho e Cece já tinha se apropriado de uma garrafa, enchendo sua taça pela quarta vez. O único ali que a olhava com certa compreensão era Benjin, mas também olhava muito para o vinho que ela tinha em mãos, e Cece queria muito contar pra ele a quantidade de álcool que ela bebia semanalmente, e de que ia precisar de muito mais para ficar bêbada.
Sua irmã cutucava a salada no prato, jogando as folhas de um canto para o outro. Parecendo cansada de olhar para a mesa, ela sussurrou alguma coisa para Ben e se levantou.
- Se me dão licença, eu vou me retirar. Estou me sentindo indisposta. - sorriu educadamente e saiu.
- Ben - Bonnie o chamou assim que sua irmã já estava dentro do hotel - O que houve?
- Nada. Você ouviu, ela está indisposta. - ele mal a olhava.
- Eu conheço minha filha. Eu vou ver o que aconteceu. - ia se levantando, mas o tapa que Ben deu na mesa a fez parar.
- Deixe-a em paz um pouco, pelo amor de Deus!
Até as madrinhas se calaram, e Bonnie voltou a se sentar, constrangida demais para falar qualquer. Cece cutucou o cunhado e fez sinal para ele ir atrás dela, que ele cumpriu rapidamente.
- O que a tia tem? - Arthur perguntou com a voz doce que tinha, e Mel tranquilizou o filho alegando cansaço.
- Ah! Meu! Deus! - uma madrinha ruiva fez a maior cara de surpresa e felicidade, espalmando as mãos na mesa - Será que vem um baby Carter Brahmin por aí?
E então todas as madrinhas fizeram a mesma cara de felicidade, na medida que Dianna ia afundando na cadeira, e Cece entornava mais uma taça de vinho.
E mais uma.

Acompanhada da garrafa de vinho que estava quase no fim e de sua tia, andavam pelo corredor do terceiro andar, a caminho do quarto de Dianna. Sons de berros vindos do quarto de seu pai e Eliza, e a tia brecou Cece no meio do caminho, se enfiando atrás da porta deles.
- Sai daí, tia! - sussurrou, e em resposta Dianna fez sinal para que ela ficasse quieta e se aproximasse.
- Ah, pelo amor, Dylan! Você nem sequer olha para a sua filha! E a outra está completamente transtornada com a mãe psicótica e o pai ausente. Qual o problema da família de vocês?
- Para de falar como se não fossem sua família também, Eliza. Nós vamos nos casar.
- Não, Dylan. Porque eu me recuso a dividir minha vida com um homem que ignora a própria filha dessa maneira, e faz aquele show quando a menina simplesmente conta que trabalha em uma boate!
- Ela foi embora, Eliza! Embora! E eu não falei com ela nos últimos três anos!
- E agora que você tem a chance, está ignorando! - berrou. - Pelo amor de Deus, meu amor. É a sua filha! E a Emmy! É o casamento dela!
Deu dois passos, tentando sair sem fazer barulho e puxou a tia consigo.
- Que quebra pau, senhor. - a tia ria, e Cece simplesmente não via a graça que ela via.
- Isso não tem graça, tia.
- Tem sim, Cece. - abriu a porta do próprio quarto, deixando aberta para Cecilia. - Seu pai e sua mãe são dois idiotas, ignorando uma filha que voltou depois de quase quatro anos. Às vezes eu nem acredito que a Bonnie é minha irmã.
Piscou duas vezes, surpresa com a simplicidade que a tia tinha em relação ao assunto. Sentou-se na borda da cama, enquanto a tia ia se esparramando.
- Mas, tia... Você não quis saber o que aconteceu?
- Lógico que eu queria, Cece. Mas se você não falou, não tem que se perguntar. Você sempre foi a mais esperta da família, eu sabia que um motivo tinha, cabia a você dividir ou não. E todos têm o direito de ir embora quando bem entender, e não é obrigatório ter um motivo aparente também. Eu senti sua falta, mas respeitei seu espaço. Agora você está aqui, e ao invés de ficar pensando no que aconteceu há milênios, eu vou curtir tua presença enquanto durar. E volto a repetir: são dois idiotas.
Cece sorriu com a declaração, e se jogou em cima da mais velha, que gargalhava.
Dianna fazia tudo parecer tão mais simples, e é por isso que ela sempre tinha sido sua inspiração. Motorhead começou a tocar do celular jogado na cama, e Dianna rolou para pegar. Cece olhou por cima de seu ombro e viu a foto de uma mulher com cor de amêndoas e olhos cor de mel.
- Olha quem está num relacionamento sério! - brincou e só percebeu que tinha sido empurrada quando sua bunda bateu no chão.
- Oi, meu amor...
Rindo, saiu do quarto da tia, cruzando com Eliza na porta do quarto, fumando. Sorriu para Cece, mas não parecia muito afim de conversar. Subiu pela escadaria até o quinto andar, e na sua porta, Emmy estava sentada no chão.
Sem falar nada, sentou-se de frente para a irmã, que tinha os olhos molhados.
- Me diz que o que o Ben me contou é mentira.


¹ TAG: Transtornos de Ansiedade Generalizada. Forma mais comum de ansiedade patológica.
² Tricotilomania: Um tipo de transtorno obsessivo, onde há o impulso urgente e irreprimível da pessoa arrancar o próprio cabelo ou pelos, seja do couro cabeludo, sobrancelhas ou outras partes do corpo. 

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