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Sábado, 16 de Junho de 2018, 10:20

Atravessou a rua coçando os olhos, se arrastando até a casa do outro lado da rua. O verão tinha batido com força sobre a Ilha, e o calor estava insuportável para uns, amável para Cece.  Junto com o verão, vinham as incontáveis horas trabalhadas, sua casa estava uma zona e era incapaz de encontrar tempo para limpar, por isso sempre chamava um rapaz para fazer quando necessário. O problema era que Tequila parecia associar ele com uma vassoura algum tipo de brinquedo, o que tornava o trabalho do rapaz impossível e o sono de Cece também.
Arrastando a cadela saltitante, com os olhos praticamente fechados, abriu a porta da casa de Nicholas sem notar os visitantes sentados na sala.
- Nick! Chegamos! - bateu a porta e arrastou os pés para dentro da sala, dando de cara com a família Baker inteira reunida.
A senhora de cabelo loiro tingido preso num coque impecável, o senhor com cara de cansaço e um sorriso sempre maravilhoso e os gêmeos, que pareciam sempre estar curtindo o mínimo possível do momento. E Otto.
- Cecilia! - Bill sorriu assim que a viu e se levantou do sofá, os braços abertos a convidando para um abraço.
Cece não pôde conter, praticamente se jogou nos braços do mais velho. Amava k homem como se fosse o próprio pai. 
Tequila latiu, cutucou Nicholas com o nariz gelado e saiu abanando rabo até Lilian Baker, que deu um grito discreto e encolheu as pernas no sofá.
Nick chamou a cachorra com um assobio, e Cece finalmente olhou para ele. Segurava Enrico sobre o peito, e tinha um sorriso quase triste na boca.
- Loirinha! - Nathan também se levantou, e puxou Cece para um abraço - Cada vez mais bonita...
- E vocês continuam menor de idade... - brincou, alternando o olhar para Aiden, seu gêmeo, que também se levantou.
- Sai, Nathan. Madame... - curvou-se e beijou a mão de Cece, que riu e o desferiu uma série de leves tapas.
- Olá, Cecilia - desgrudou-se de Aiden e olhou para Lilian Baker, que lhe deu um aceno de cabeça educado.
- Lilian - acenou de volta e caminhou até o sofá onde Nicholas estava, e o deu um beijo na testa.
Ele mais uma vez se mostrou triste, mas deu um pequeno sorriso.
- Como você está, querida? - Bill voltou a falar.
- Eu estou muito bem. Desculpem invadir assim, é que o Juan vai limpar minha casa e sempre que ele pega a vassoura a Tequila começa a perseguir ele tentando brincar, aí eu deixo ela aqui, mas se vocês quiserem eu posso...
- Cece! - Nick a interrompeu - Pode deixar ela com o Zeus, sem problemas - piscou, calmo.
- Certeza? - o viu acenar com a cabeça, o que foi a deixa para que saísse do ambiente e fosse levar sua cachorra até a área externa da casa.
Tinha esuqecido completamente da visita da família, e pelas expressões no rosto de todos exceto Lillian, sabia que boas notícias não viriam.

- Enfim, como íamos dizendo, Nick... Você concorda? Você volta com a gente?
Não sabia lidar com pressão, não sabia lidar com pressão.
Olhou para os pais, para os irmãos e para o primo. Balançou o filho no colo, e continuou a ignorar a proposta que tinham acabado de fazer.
Ouviu a porta da área externa abrir e fechar, e soube que Cece estava indo para o seu quarto. Arrumou Enrico no colo e se levantou.
- Com licença, já volto.
A mãe resmungou alguma coisa, mas Nicholas já tinha saído da sala. Abriu a porta de seu quarto, onde Cece apalpava seu travesseiro pronta para voltar a dormir, e sentou na borda da cama. A moça notou, assim que ele ultrapassou a porta de madeira, o quão tenso o amigo estava.
- O que está acontecendo ali, Nicholas?
- Eles... - gaguejou. Parecia que suas costas estavam suando.
- Fala.
- Cece, eles querem que eu volte para a Inglaterra.

Não conseguiu mais dormir.
Não conseguiu nem parar de repetir mentalmente o que Nicholas disse.
Voltar para a Inglaterra.
Que soasse completamente egoísta, mas ela não queria Nicholas longe dali. Precisava dele ali. Estavam separados por menos de quinze passos, e o máximo de tempo separados dos dois tinha sido de uma semana. Como lidaria com ele em outro país? Parecia que ouvir aquilo tinha atacado sua gastrite, de tanto que seu estômago se contorcia em nervoso. Mas ao mesmo tempo, tudo que ela queria era um café.
Precisava de um café ou nada daquilo daria certo para ela.
Andava de um lado para o outro dentro do pequeno espaço que era a cozinha, esperando a máquina finalizar seu café.
Todos pareciam absortos em algum assunto infeliz, enquanto Nick parecia ocupado o suficiente para não terminar a conversa com a família.
Assim que a máquina apitou, pegou sua xícara e cheirou toda a fumaça que saia dali, sentindo suas entranhas já se alegrarem. Esperou o café esfriar um pouco, enquanto ia andando pela casa.
Na bancada da cozinha, o envelope com o resultado do exame de DNA positivo continuava ali, nunca tinha saído dali, como se Nicholas quisesse relembrar dele sempre que pisasse na cozinha.
Para ele, a luta era mental. No precisou aprender a trocar fraldas, dar banhos ou alimentar. Mas aceitar aquela mudança de realidade? Cece ainda não tinha certeza se realmente tinha acontecido.
No quarto dele, o berço que tinha sido comprado duas semanas atrás ficava bem de frente para a cama de casal. O terceiro quarto, antes inutilizado, tinha sido esvaziado para ser transformado no quarto do bebê. No banheiro, um fraldário acolchoado tinha sido colocado ao lado da pia, no box a banheira, xampus, um armário só para fraldas.
Seria tolo negar o quanto tudo tinha sido modificado em apenas três semanas.
Nicholas tinha mudado. Mas não tinha certeza que ele sabia.
Cece também havia mudado, tanto que mal sabia explicar. Diferente de Nicholas, sua luta não era mental. Amava aquele pequeno desde que havia segurado seus dedos pela primeira vez. Mas teve que aprender tudo, a alimentar, dar banho, colocar para dormir. Às vezes era insuportável, pois não parava de chorar e tudo que ela queria era ir embora da casa do amigo, mas não fazia. Aprendeu a lidar com o choro, porque jurou que passaria por tudo aquilo com ele. Passou uma semana inteira na casa dele, não para vigiar o bebê, mas sim para vigiá-lo.
Cece também tinha mudado, e amava demais aquela criança. Não era apenas Nicholas de quem sentiria falta caso voltassem à Inglaterra.
Quando voltou para a sala, Lilian a olhava de rabo de olho. Disfarçava, fazia cara de desgosto, mas voltava a espiar. Sempre em sua pose perfeita, com o coque perfeito, a maquiagem clássica perfeita, o conjunto social perfeitamente passado, as pernas cruzadas.
- Sabe, Sra. Baker, eu penso e repenso todos os nossos encontros, que não foram muitos, se eu lhe fiz alguma coisa errada. Mas não vem nada na minha cabeça, o que me faz questionar o porquê de você odiar tanto - chamou sua atenção de maneira nada discreta, e a sala entrou em silêncio.
Lily olhou para Nicholas, antes de se virar para Cece.
- Perdão?
- Eu só queria entender, porque nós estamos no mesmo cômodo há cinco minutos e você já me lançou uma dez olhares de desgosto. Você deve realmente me odiar muito.
- Eu não odeio você, senhorita. Odeio... Sua atitude.
- Minha atitude? - arqueou as sobrancelhas, e ouviu Nick rir - Que atitude?
- Ora, você invade a casa do meu filho praticamente pelada, com sua cadela monstruosa, vai dormir na cama dele. Você trabalha de madrugada. Você tem esse olhar petulante que... Ah, e um rapaz limpa a sua casa.
- Meu Deus - Cece gargalhou genuinamente - O que tem a ver um rapaz limpar minha casa com tudo isso?
- Mãe, Cece - Nick chamou - Chega.
- Foi ela quem começou, meu filho.
Cece balançou a cabeça e riu, voltando a tomar seu café.
- Olha, será que podemos continuar nossa conversa? - Bill pediu.
- Eu preciso ir no banheiro. - Nick se levantou, passou Enrico para os braços da mãe e saiu praticamente correndo.
Otto olhou para Cecilia e deu de ombros.
Ela sabia muito bem que ele ainda estava fugindo de todo o assunto. Sempre tinha sido muito controlado pela mãe, e naquele momento devia estar em um conflito interno gigante. Conseguia muito bem imaginar tudo o que Lilian Baker devia ter dito para convencê-lo a ir pra Inglaterra.
Enrico, no colo da avó, começou a resmungar, o que Cece sabia que iria virar um choro.
- Será que é fome? - Aiden perguntou ao choro de Rico.
- Não, o Nick acabou de dar a mamadeira...
- É você - Cece apoiou a caneca na bancada e andou até Lilian, que a olhou atravessado.
- Como é que é?
- Ele não está acostumado com você. Com nenhum de vocês, era assim com a gente também - pegou o bebê no colo. Soltou os cabelos, deixando-o da mesma maneira que sempre estava quando colocava Enrico para dormir - É, não é? Você já conhece a juba dessa tia maluca, não é meu amor? - falou com a voz fina que era sempre usada com bebês, e deu um beijo na bochecha com catarro do bebê - O que foi? Você tá com sono? - o choro forte foi diminuindo, e apenas o resmungo ficou. - Vamos lá chamar seu pai? Vamos.
Caminhou devagar até a porta do banheiro e a abriu sem bater, ouvindo uma indignação vinda de Lilian.
Nick pulou da tampa da privada onde estava sentado, mas assim que a viu, voltou a contemplar a parede na sua frente.
- Nick, se esconder no banheiro é feio.
- Não estou me escondendo.
- Claro que não. É aqui que você costuma passar seu tempo, realmente.
Não obteve resposta.
Sentou-se no chão, ainda equilibrando o bebê no colo.
- Se você não quer ir, é só falar que não.
- Não é tão fácil.
- Pra mim parece bem simples...
- Cece! Eu amo ficar aqui, eu escolhi vir pra cá, mas agora eu tenho que pensar no que é melhor pra ele.
- O que você acha que teria de diferente lá?
- Minha mãe criou três filhos, lá teria sempre alguém pra me ajudar. Lá ele teria uma infância melhor, e Cece... Eu não sei fazer isso.
- Eu vou te contar uma coisa que eu tenho certeza: nas ultomas semanas eu te vi mudar completamente de rotina, você cuida desse bebê como um pedaço de cristal. Você acorda cedo, passeia com ele todos os dias. Olha pra sua casa! Olha como tudo mudou, você, eu... E tem outra coisa, a sua mãe também não sabia ser mãe quando você nasceu, ela aprendeu, assim como você está aprendendo. E aqui, os dois vão ser felizes, já lá... O Enrico pode estar bem, mas e você? Vai ficar bem?
Nick piscou os grandes olhos verdes para a moça sentada na sua frente, e suspirou.
Esqueceu momentaneamente tudo o que acontecia na sua sala, sua cabeça apenas focava em Cecilia tentando o convencer a ficar.
E ela sempre sabia o que dizer.
Tinha feito de tudo pra sair da Inglaterra, voltar seria sua ruína. Os pais não estavam errados quando diziam que ele teria suporte total morando com eles novamente, mas Cece também estava certa quando garantiu que ele conseguiria cuidar do próprio filho.
Conseguiria, sim.
E a quem ele queria enganar? Nunca conseguiria sair de perto dela.
Saltou da privada e saiu do banheiro com Cece atrás dele. Lilian o esperava andando de um lado para o outro, e agradeceu quando os dois saíram do banheiro.
- Chega de enrolar, Nicholas.
- Não vou mais enrolar, mãe - pegou Rico de Cece e foi se sentar, com Cece em seu encalço.
- Cecilia, temo que esta seja uma conversa de família - Lilian acusou, e Cece já ia se levantando para sair.
- Não. Eu passo sete dias da semana com ela, ela também cuida do Enrico - Nick a impediu de levantar - A Cece fica.
- E então, meu filho - Bill o chamou - Já se decidiu?
- Ah, por favor, nós estávamos aqui fingindo que ele tinha qualquer outra opção. Mas as coisas são bem mais simples: Nicholas, você vive na nossa casa, com o nosso dinheiro. Foi divertido enquanto durou, mas agora você é pai e tem que agir com responsabilidade.
Cece, que olhava para o chão, de repente levantou a cabeça com a testa vincada, diante da declaração da mãe do amigo.
- Lilian!
- Ora, Bill, por favor. Como é que ele vai cuidar desse bebê sozinho?
- Olha aqui, senhora Baker! - Cece saltou do sofá, abismada com o que ouvia e com o silêncio de Nicholas - Eu não sei se é fetiche seu ser controladora ou se você adora achar que seu filho é um completo retardado, mas isso tá bem feio.
- Ah, é? Porque o que eu vejo é um rapaz de vinte e três anos, sem emprego, sem faculdade, sem nada, tendo que cuidar de um bebê que ele nem sequer sabe quem é a mãe. Na Inglaterra nós temos funcionários, tem condições, eu criei três crianças, não há nada melhor nessas horas do que os avós por perto. Não seja tosca, menina! O Nicholas não tem renda, não tem emprego, não tem nem responsabilidade. Ele depende de nós para comer aqui, e isso é inaceitável nas condições de pai. Eu me recuso a deixar meu neto crescer em uma cidade turística. Essa cidade não é... Séria. E enquanto ele depender de nós, nós decidimos o que vai ser feito.
- Mãe! - Nicholas gritou, e Bill já tinha o rosto coberto pelas mãos - A partir de hoje, eu não quero mais nenhum centavo de vocês.
- Ah, que lindo. E vai fazer o que? Tirar fotos pelado também? Trabalhar no verão e sobreviver o resto do ano, igual a ela? - Lillian apontou para Cecilia, que deu um passo em falso tamanho o desrespeito que acabara de sofrer.
- Escuta aqui Lillian, eu não...
- Chega! - o grito foi de quem elas menos esperavam, e Bill Baker estava de pé, com o rosto vermelho - Ninguém mais fala, só o Nicholas.
Bufando, Cece se jogou na banqueta da cozinha, assim como Lilian se sentou educadamente no sofá. Nicholas ficou a cabeça, e então olhou para a mãe.
- Eu amo vocês todos.... Mas eu não vou voltar para a Inglaterra.

Uma Mãe Para O Meu Bebê - EM REVISÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora