C A P Í T U L O I

16 3 1
                                    

EU não sentia o calor que consumia a parte de fora de casa, mas minha mãe estava gritando do lado da janela coisas como "Zolla você está perdendo as vibrações do sol", "Vem curtir o calor minha filha". Quem disse que eu queria deixar o ar gelado que invadia meu quarto por ondas constantes de calor do lado de fora? Eu não gostava dessa época do ano, onde o sol se aproximava mais de nós e se tornava impossível caminhar nas ruas. Não que isso era normal por aqui. Quase não se vê ninguém andando, as pessoas se tornaram fantasmas  que só se consegue ver pela manhã ou quando estão chegando em casa pela noite. Pelo menos aqui nas localidades. Já as capitais, são repletas de pessoas extremamente arrumadas e apressadas. Esqueci de falar sobre nossas roupas, cada localidade possui uma cor. Sempre calças, blusas de manga curta e uma jaqueta nos tempos de inverno rigoroso. Minha localidade, tem como cor preta. Eu detesto. Quando era criança, roubei um par de roupas amarela da localidade 3. Se minha mãe não tivesse descoberto antes que eu conseguisse usar, certamente eu estaria presa agora ou morta. Roubo aqui é um pecado mortal. Não importa se foi algo raro ou sem importância, tudo se leva a prisão e consequentemente a expulsão de Paldin. Nós não sabemos como é o resto do mundo fora daqui, mas ninguém sobrevive por lá. Sem nossas vacinas, respiradores, não conseguimos nos manter vivos. Chase diz que um amigo do pai dele foi expulso há alguns anos, ele disse que o pai o acompanhou até a saída e que era um lugar horrível. Não tinha nada. Apenas metros e metros de poeira.

Eu sempre acordava bem mais cedo do que o horário que normalmente as pessoas acordam, mas hoje por algum motivo eu não consegui. Assim que percebi, corri para me arrumar antes que meu transporte passasse e eu perdesse as classes. Não é nada legal perder as classes. Minha mãe me disse que na terra antiga, as pessoas iam a lugares chamados de escola. Pelo que ela me contou, era algo bem diferente das casas de educação. Eu preferia se fosse como antigamente. Me apressei em descer as escadas e passei correndo pela porta enorme da frente.

—Zolla, sua dose diária! –minha mãe gritou desesperada atrás de mim. Eu bufei e me virei voltando correndo até o saguão principal. 

O dispositivo estava lá, avisando que eu não tinha tomado. Estiquei meu braço e coloquei minha mão sobre o pequeno buraquinho de onde saía minha sobrevivência aqui. Eu já estava acostumada com a picada que nem sentia mais. São tantos anos recebendo picadas que nem me lembro de como é senti-la. Sorri pra minha mãe como quem dissesse "satisfeita agora?" e ela sorriu pra mim de volta. Entrei correndo no transporte e vi Hayley esperando por mim, a casa dela era antes da minha.

—O que aconteceu? Você dormiu demais hoje! –ela sempre sabia de tudo.

—Eu estava cansada. Deve ser o calor que chegou. –eu olhei pra ela e dei um breve sorriso.

Mal nos sentamos e já estávamos de frente a nossa casa de educação. Eu disse que era rápido. Hayley saiu correndo como sempre faz a procura de Chase, ele sempre nos esperava bem na entrada. Guardas que separam as demais localidades nas outras casas, estavam parados na entrada.

—O que está acontecendo? –eu disse a Chase.

—Eu não sei. Eles estão aqui e não deixam ninguém passar. –Chase disse confuso.

—Eles não tem que estar aqui! Somos os únicos que não são separados. O que eles fazem aqui? –Hayley fez uma cara de quem estava prestes a fazer algo errado e correu até um dos guardas.

—Que droga Hayley! O que ela está fazendo? –eu disse a seguindo.

—Nós não somos separados! Somos a única casa de educação que não separa localidades, o que vocês estão fazendo aqui? –ela dizia muito segura.

Quando fiquei na zona dos guardas, uma das mulheres que estava no seu posto arregalou seus olhos e me encarou ignorando totalmente Hayley.

—Zolla Waldorf. –ela disse meu nome? –Zolla Waldorf. –sim, ela disse meu nome. Eu engoli tentando entender por que ela dizia meu nome. Antes que eu tentasse responder, dois dos guardas agarraram meus braços e me arrastaram por entre eles.

—O que vocês estão fazendo? Me solta! –eu gritava enquanto tentava me debater.

—Soltem ela! Soltem! –Hayley gritava enquanto outros guardas a seguravam. Chase veio logo atrás tentando acalmá-la.

Tudo o que eu conseguia pensar era na roupa que eu tinha roubado da localidade 3. Mas minha mãe tinha resolvido tudo, será que eles descobriram?

XX

O cheiro era forte e lugar escuro era muito frio. Eu tentei me mover, mas eu estava presa a uma cama. Minha roupa era branca. Por que eu estava de branco? Eu olhava pros lados tentando entender o que estava acontecendo, mas eu não achava nada nem ninguém. As tiras apertadas nos meus braços e pernas me fazia estremecer. Não fazia idéia de como vim parar aqui. Eu só me lembro de quando fui puxada até a entrada da casa de educação por dois guardas. Respirei fundo tentando não surtar.

—Tudo bem! Já acabou a brincadeira, eu não estou entendendo. Alguém pode vir me soltar. Houve uma confusão aqui. –eu gritava para alguém me escutar.

A porta de vidro a minha frente se abriu e uma mulher com um uniforme branco de listras pretas que eu nunca tinha visto em minha vida apareceu. Eu levantei minha cabeça tentando observá-la melhor.

—Houve uma confusão aqui. Talvez vocês me confundiram com alguém. Talvez eu não sou a Zolla Waldorf que procuram. –a mulher séria e de postura ereta se aproximou de mim.

—A senhorita será levada para a zona de treinamento em quarenta e quatro segundos. –ela disse isso tudo muito roboticamente enquanto me soltava aos poucos.

—O que você está fazendo? –eu estava confusa —O que está acontecendo?

Dois guardas chegaram na sala com o mesmo uniforme da mulher, mas era de outra cor. Ela me levantou rapidamente e me entregou para os dois homens. Eles me carregaram pelo braço, andando apressadamente pelos corredores estranhos que eu nunca sequer tinha visto em minha vida.

—Por que eu estou de branco? Não sou da capital! –eu olhava para os rostos dos dois homens ao meu lado mas eles não me respondiam.

O silêncio tomou conta do lugar até chegarmos em um portão antigo. Eu só tinha visto um desse nos vídeos da classe de história antiga.

Manual de sobrevivência em Paldin - Como sobreviver sem águaWhere stories live. Discover now