Z O L L A

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É difícil ser o centro das atenções, enquanto se é obrigada a compartilhar do mesmo ambiente que pessoas extremamente ignorantes e monótonas. Foi assim e sempre vai ser, desde quando eu descobri que só eu, no meio de milhares de seres humanos, tinha cabelo. Por que eu? Por que eu tive que ser a mais esquisita? Minha mãe vivia tentando colocar na minha cabeça que eu era especial. Claro, eu tinha algo que ninguém mais tinha. Quão especial! Não aqui. Aqui as pessoas não são boas. Não são agradáveis, muito menos educadas. As outras crianças sempre zombaram de mim, mas eu nunca me importei. Dezessete anos escutando as mesma piadas, as mesmas frases. A minha vida durante todos esses anos tem sido exatamente a mesma. Minha localidade é uma das menores, não tem casa de educação aqui. Uma casa de educação, é onde vamos desde quando aprendemos a falar. As crianças e adolescentes são destinadas a lugares específicos para cada uma. Todos os dias eu acordo e pego o transporte até a Capital 1, é pra lá onde fui direcionada. Passo todo meu dia até que as classes acabam e eu posso voltar para meu lar. Voltando ao assunto do cabelo, eu sempre me perguntei por que tinha pêlos na cabeça. Minha mãe me contou que na terra antiga, cerca de cem anos atrás quando ainda existia água, as pessoas nasciam e cresciam com cabelo. Ela me contava todos os dias essa história quando eu chegava chorando em casa. Quando houve o extermínio da água no mundo, todas as pessoas foram obrigadas a arrancar todos os pêlos do corpo. Seria mais fácil cuidar do corpo. (Se você está se perguntando como mantenho meu cabelo limpo, minha mãe criou um tipo de spray seco que deixa meu cabelo limpo e cheiroso). Logo depois veio as vacinas com proteínas e nutrientes. Após bilhões de pessoas morrerem vagarosamente ano a ano, as autoridades criaram uma solução. Uma vacina, com a dose diária mínima exata do que é preciso para um corpo se manter hidratado. Regras foram criadas, as famílias foram diminuídas e a qualidade de vida se tornou precária. O mundo não sobreviveu. Há cem anos atrás, seis bilhões e setecentos mil pessoas morreram. As poucas milhares que sobraram, foram obrigadas a se abrigarem num só país. Denominado de Paldin. Ele foi no início, dividido por setes localidades. Cada uma dividida por população. As que tem mais, são as mais poderosas. Duas capitais, Capital 1 e Capital 2. Eu sou da localidade sete, a ultima do mapa.

—Zolla! –a voz que eu conhecia bem me chamou de longe. Era Chase Jones, meu melhor amigo. O que é difícil se ter hoje, é uma amizade com alguém e eu tenho duas. Chase e Hayley Campbell.

—Onde você estava? Nesse mundo é que não era. Te chamei milhares de vezes. Foi preciso que o Chase gritasse bem no meio dos Renders. –a voz delicada e agitada de Hayley me fez sentir em casa.

Hayley é da minha localidade, Chase não. Seu pai faz parte da comissão de honra, somente pessoas importantes moram onde Chase mora. A Capital 1. Onde estamos agora. Precisamos esclarecer algumas coisas aqui –Renders. Renders são a pior coisa quando se tem dezessete anos. Os piores adolescentes seres humanos criaram um grupo maldoso e imbecil. Eles lideram as casas de educação. Eu não dou a mínima pra eles, se é que você está pensando nisso.

—Vocês já vão pegar o transporte de volta pra localidade sete? –Chase disse.

—Por que você não pergunta se estamos indo pra casa? Você é tão estranho... –Hayley adorava dizer o quão estranho nosso amigo parecia ser.

—Por que vocês estão indo para a localidade sete, casas não existem mais. Não vivemos nos anos 2000 Hayley. Estamos em...

—"2116 e nós não somos iguais ao seres humanos que habitavam a terra há cem anos atrás", eu já sei de todo seu discurso Chase. –Hayley disse imitando a voz fraca de Chase. Eu dei uma curta risada, aqueles dois pareciam se odiar.

—Precisamos ir Hay. Vocês dois parem de se amar tanto, me faz querer vomitar. –coloquei o dedo na garganta como se fosse dar vômito e comecei a andar.

O grupo maldoso dos Renders estava logo a nossa frente, bem no meio deles estava o mais cruel e charmoso: Brad Carson. O bad boy de touca, ele era o único em Paldin que era autorizado a usar o capacete de pano na cabeça. Ninguém sabia o por que e muito menos ousava tentar tirar. Segundo boatos, o pai dele era um dos criadores da vacina de sobrevivência. Ninguém sabe dele. Brad vive sozinho. Eu não me importo.

—Cabeluda! Seus ancestrais não estão mais aqui, por que não foi com eles? –a voz rouca de Brad ecoou sobre meus ouvidos e me fez parar.

Eu não me importava com todos me chamando de aberração, mas por algum motivo quando ele me chamava eu me irritava. Meu coração pulsava fortemente e minhas veias se levantavam rapidamente. Eu queria bater muito em sua cara e chutar sua bunda bonita. Eu o odiava! Todos em sua volta começaram a rir e me chamar de nomes que eu já estava acostumada. Hayley encostou no meu ombro me forçando a caminhar até nosso transporte. Eu respirei fundo e andei o mais rápido que podia. Já não vi mais Chase. O tempo passava rápido demais, o caminho para casa era feito em segundos. A tecnologia nos ajudava em tudo. Assim que cheguei em casa, minha mãe estava me esperando na porta. Era assim todos os dias dos meus dezessete anos de vida. Éramos só nós duas. Ela nunca me contou sobre meu pai, eu nem sequer sei se tenho um pai.

—Zolla, minha filha. Você demorou. –ela disse enquanto me acolhia em um abraço.

—Foram só cinco segundos mãe. –eu dei um sorriso fraco entrando em casa.

Eu escutava meus passos pelo piso frio e o silêncio da minha mãe era amedrontador. Parei de me mover e me virei para ela.

—Seu cabelo. –eu juntei as sobrancelhas tentando entender o que ela queria dizer.

—O que tem eles mamãe?

—Está caindo. –eu passei as mãos sobre ele e senti alguns fios se enrolando nos meus dedos.

—Droga!

—Zolla! –ela me repreendeu. —Sem palavras feias. –ela se aproximou de mim e passou a mão sobre meu rosto —Você está se alimentando direito? Não está esquecendo de tomar sua dose de hidratação?

—Mamãe! Eu não estaria viva se não estivesse fazendo isso tudo. –segurei sua mão e sorri. As vezes ela se preocupava demais —Vou para meu quarto, estou cansada. –beijei o topo de sua cabeça e subi as escadas acinzentadas até meu quarto.

A noite era menor a cada dia que se passava, o dia estava mais curto também. Quando deitamos, fica difícil manter sua respiração. É preciso aparelhos que te auxiliam nesse pequeno problema. Você pode morrer se não usar enquanto dorme. Ele sempre me faz ter pesadelos, se eu não parasse de respirar enquanto durmo, com certeza não usaria. Um tubo gelado entra em cada uma das suas narinas enquanto é ligado a uma máquina acoplada na parede. Tudo foi exatamente pensado.

Bom, meu nome é Zolla Waldorf. E a partir de agora, você estará lendo meu manual de sobrevivência em Paldin. Tente sobreviver.

Manual de sobrevivência em Paldin - Como sobreviver sem águaWhere stories live. Discover now