XXXI- Desespero

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Assim que meus olhos fixaram novamente no espelho, meu coração acelerado subitamente quase parou ao notar que já não havia mulher nenhuma às minhas costas.

Olhei ao redor, à procura de algo que sinceramente não pretendia encontrar, mas mesmo assim eu buscava, como forma de explicar o que acabara de ocorrer.

Teria sido um fenômeno sobrenatural ou apenas uma manifestação do meu subconsciente? Eu me perguntava sem ter certeza de coisa alguma.

Lavei o rosto na tentativa de me acalmar, enquanto a água fria me trazia de volta à lucidez.

Puxei uma toalha de papel do suporte sobre à pia e assim que terminei de secar minha face e observa-la novamente no espelho, uma sucessão de pensamentos me ocorreram.

A voz sinistra que me atormentava já quase de forma rotineira, havia dado lugar à uma voz feminina, semelhante à minha, à qual eu poderia jurar ser a "voz da minha consciência".

"Preste atenção... Mantenha-se alerta... Concentre-se e saberá à verdade antes que aconteça... Esse poder faz parte de sua natureza Shuvani, aceite e receba... Você tem um protetor fiel e um inimigo desonesto e mal, saiba reconhece-los... Você é mais forte... Algo foi tirado de você há muito tempo, não permita que lhe tirem mais... Olhe bem para as pessoas à sua volta, observe, aprenda à senti-las e saberá evitar uma tragédia..."

As informações acumulavam-se sucessivamente em minha cabeça e eu não sabia de onde vinham nem porque, mas algo naquilo tudo transcendia à razão e me fazia acreditar que os conselhos me serviriam em algum momento.

Saí do banheiro decidida à não contar nada à Diego. Não queria estragar o que estava sendo um dia tão especial.

Ao passar novamente pela porta
"bang-bang", por alguns segundos percorri com os olhos o salão do restaurante.

"Olhe bem as pessoas à sua volta", lembrei.

Uma alta dose de adrenalina correu em minhas veias assim que eu percebi que ao encarar cada ser humano que estivesse presente, um número instantaneamente me vinha à mente.

Uma data... Dia, mês e ano.

Os calafrios estavam de volta.

Eu acabara de ter a impressão de saber quando cada uma daquelas pessoas que almoçavam tranquilamente iria morrer.

Isso era terrivelmente assustador...

À medida que eu me dirigia de volta à mesa, notei que já não precisava me concentrar, bastava escolher alguém, olhar e lá estava, em meus pensamentos a data de sua morte.

"-Eu não quero saber do Diego... Por favor, não quero saber quando Diego vai morrer..." -

Implorei mentalmente, quase em forma de oração, enquanto chegava perto da mesa, ainda encarando o piso, por receio de olhar para Diego e ver algo desagradável. -

- Que bom que você voltou. Eu estava prestes à invadir o banheiro feminino atrás de você. - Disse Diego, sorrindo.-

- O banheiro estava lotado, por isso demorei. - Respondi, mentindo para poupá-lo de saber sobre o funesto episódio da "morena do banheiro", olhando amendrontada e um pouco corada para ele, quase não podendo conter o impulso de tapar os olhos com as mãos.

Senti um grande alívio ao perceber que não via nada diferente ao olhar para Diego, como se eu pudesse escolher de quem eu saberia o tempo de vida. -

- E o menino? - Complementei, curiosa.-

- Saiu do restaurante assim que você levantou para ir ao banheiro. Mal educado, me deu às costas sem ao menos se despedir. - Respondeu decepcionado. -

- Menino estranho. -Considerei. -

- Verdade. Agora vamos embora aproveitar o dia lá fora. - Convidou, amável. -

- Sim, boa idéia. Mas não sem antes pagar à conta. - Brinquei.-

- Já está paga, futura senhora Martinez. - Respondeu, gentilmente, lembrando-me do fato de que em breve eu teria seu sobrenome. Gostei de ouvi-lo falar assim.-

- Bem, então obrigada, senhor Martinez. Vamos. - Agradeci sorrindo, enquanto ele pegava minha mão e me conduzia até a saída.

Tive esperança de que ao chegar à rua, o desespero que me causava essa espécie de premonição inevitável desaparecesse, ficando trancado dentro do restaurante, porém esse sentimento durou pouco, desfazendo-se a esperança por completo, assim que pusemos os pés na rua.

Meu desespero agora sim era concreto, quando constatei que de toda à multidão que andasse nas ruas, mesmo em meio à poluição sonora e visual, em meio à sirenes, buzinas, gritos, britadeiras e prédios altos, ainda assim eu sabia o dia em que todos iriam morrer.

As Crônicas de Ostara.  Livro 1- UM CONTO DE BRUXAS (Em Revisão)Where stories live. Discover now