V- Gato Preto

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Depois de uma hora de corrida, já exaurida e suando à cântaros, não via a hora de chegar em casa.

Lorenzo havia ficado pelo caminho, quando parou para flertar com uma de suas alunas da academia em que era personal trainer, nos horários em que não estava dando aulas na escola.

Era um galinha inveterado, talvez por isso ainda continuasse solteiro.
Já estava com vinte e sete anos e nem sinal de que fosse sossegar ao lado de alguém.

Eu cheguei à brincar várias vezes, dizendo que agente acabaria se casando, mas não por amor, senão por não encontrar a pessoa certa e envelhecer tentando.

Ele sempre sorria e me respondia que não seria má idéia, já que nos dávamos tão bem.

- Pelo menos diálogo não faltaria, porque fofoqueira do jeito que você é, teríamos muito assunto...-
Falava, no usual tom irônico, que me fazia querer matá-lo às vezes, porém, a verdade é que, era seu bom humor que me fazia esquecer minhas angústias.-

Em meio aos devaneios, nem percebi que estava quase chegando na entrada do meu prédio.

- Bom dia dona Marlene!

- Bom dia Alice!

Sem nenhuma novidade, mais uma vez lá estava ela, na calçada em frente à portaria, passeando com seu poodle histérico, que latia até perder o fôlego assim que se aproximasse qualquer pessoa. Dona Marlene era a síndica e por mais cliché que pareça, era a chata que cuidava da vida de todo mundo. Sabia quem entrava e saía. As vezes quando algum visitante parava em frente ao interfone, ela adiantava-se em comentar: 

- "Fulano não está em casa... acabei de vê-lo sair". -

Isso as vezes me tirava do sério, mas sempre ignorava.

- Um senhor esteve no seu apartamento Alice. Encontrei-o nas escadas, uns poucos minutos depois que vi através da janela você saindo.
Abordei-o para saber como havia entrado no prédio, imaginando que aqueles pestinhas do 301 tivessem deixado a porta aberta denovo, mas ele não me deu conversa.
Olhou-me como se eu fora invisível.
Então ao segui-lo furtivamente, notei que parou em frente à sua porta.
Apressei-me em sair para que ele não me visse, já que era um tanto assustador e desde então fiquei aqui passeando com o Nenito.

- O cachorro insuportável- Pensei.

- Ele não saiu do prédio. Deve estar lá esperando por você. - Falou com voz de suspense.-

- Nossa, que estranho! Eu não estava esperando ninguém.

Será que o Diretor Sanchez veio até aqui falar comigo? Estranho não ter me ligado...

- Não é o Diretor. - Respondeu rapidamente, interrompendo-me.-

É claro que dona Marlene típica faladeira, conhecia o Diretor. Ela deve conhecer até o Darth Vader se bobear- Pensei, sem poder evitar, esboçando um sorrisinho maldoso. - 

- É um senhor cheio de pulseiras e colares. Tem um perfume estranho, que lembra incenso, sândalo talvez e um olhar pesado que me deixou nervosa.

Nesse momento me vi tomada de medo.
Minhas pernas formigavam e por pouco não dei meia volta.

- Só pode ser brincadeira, não pode ser o feiticeiro, não daria tempo de chegar aqui logo que eu saí, já que encontrou Lorenzo na rua de baixo nesse horário.-Raciocinei apreensiva.- Só havia um jeito de descobrir...

- Obrigada dona Marlene. Vou ver de que se trata. - Afirmei, procurando esconder a ansiedade na voz.-

- De nada. - Respondeu, com a expressão curiosa de sempre.-

Subi rapidamente às escadas, já que o elevador estava parado no décimo terceiro andar e seria tempo demais para minha inquietude esperar. Eu teria um infarto se ficasse mais dois minutos imaginando quem estaria parado à minha porta.

Eu morava no sétimo andar e seguidamente usava a escada.
Mesmo sendo cansativo, eu não via grandes dificuldades em subir, só que hoje era diferente.
Meus pés pareciam concretados aos degraus e sentia como se não obedecessem aos meus comandos. Tive a sensação de ter levado meia hora para chegar. No último lance de escadas, estava prestes a vomitar meu coração e podia ouvir meus batimentos, rápidos e descompassados. 

Foi quando, quase delirante por tamanha expectativa, me senti arrebatada de volta à realidade, ao chegar e ver que ali não havia ninguém. Me invadiu um alívio imediato, mas que insistia em conflitar com uma certeza inexplicável de estar na presença de alguém. Tinha a sensação de estar sendo observada.

- Deve ter sido engano. Não passou de coincidência. - Tentava me convencer, afastando os maus pensamentos. -

- A dona Marlene não está batendo bem. - Repetia em voz alta na tentativa de esquecer os calafrios que percorriam meu corpo. -

Me sentia infantil e por alguns segundos voltei a ter seis anos, quando cantava ou conversava sozinha nos momentos em que estava com medo. Ao colocar as chaves na fechadura, saltei num ataque de pânico ao mesmo tempo em que algo me tocara na parte de trás da perna esquerda. Virei-me rapidamente enquanto podia perceber a adrenalina espalhar-se e circular.

- Gato maldito! Quase me mata de susto. Sai! - Esbravejei, quase surtando, saltando para o lado oposto ao animal. - 

Sentado como se fosse uma estátua de mármore, imóvel, o gato preto com olhos amarelos que pareciam cheios de maldade e malandragem, encarava-me e parecia não afetar-se pelas minhas vãs tentativas de espantá-lo dali, onde permaneceu inerte, sentado em frente à minha porta até que eu entrasse em casa.

- Bicho sinistro. Odeio gatos. -Concluí, indignada.-

Ao concluir a frase, notei que pisara em algo.

Ao levantar o pé, vi que ali estava um envelope, de aparência antiga e com um selo vermelho de cera lacrando-o. Com cuidado e lentamente, tomei-o nas mãos, girando-lhe para analisar o verso, onde pude ler meu nome, escrito a pena.

-Alice. - Apenas.-

A letra era bonita e itálica, mas não havia remetente.

As Crônicas de Ostara.  Livro 1- UM CONTO DE BRUXAS (Em Revisão)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora