VII- Pesadelos

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Tinha os olhos tão inchados que sequer podia piscar e a sensação de que minhas reservas de lágrimas haviam se esgotado. Quisera que tudo não passasse de um sonho ruim, do tipo que traz no vão dos fatos boas lembranças, mas que ficam turvas em meio às más.

A noção de tempo se esvaíra e acompanhada do choro e dos soluços, sobrara somente uma garganta dolorida.Com as pernas encolhidas junto ao corpo, que ansiava por alento, adormeci, e mesmo quando parecera impossível, podia me sentir leve outra vez.

Nos sonhos não há justificativas nem sentido.

Em queda livre num abismo de tamanha escuridão que parecia se fundir à mim, era como se eu estivesse mergulhando no âmago de minha própria existência.

A velocidade aumentava em progressão geométrica o que tornava a sensação de estar voando cada vez mais intensa.

De súbito, pude sentir que havia parado de cair.

Passara a flutuar, como o floco de neve que se desprende ao vento quando a avalanche cessa.

Por um instante que parecia infinito, imaginei que houvesse morrido.

Meu corpo que estivera ausente, recuperava lentamente o calor e podia sentir os primeiros sinais de dormência.

A escuridão dissipava-se e agora conseguia ver através dela a forma do que me ocorrera ser um rosto humano.

De homem.

Quando o rosto iluminou-se completamente, pude reconhecer a fisionomia que me sorria angelicalmente, tão próxima a mim que tive impressão de estar prestes a me beijar.

O coração voltou a habitar meu peito.

Era ele.

O desconhecido que passara a frequentar meus sonhos e havia deixado latente a vontade de vê-lo denovo.

Olhei rapidamente ao redor, buscando possíveis pistas sobre o meu paradeiro.

Tinha ainda certa dificuldade em enxergar em tamanha luminosidade.

Agora podia ver seu rosto com clareza e os detalhes que conseguia observar, tornavam-no ainda mais bonito.

Eu tinha a cabeça recostada na raiz de uma grande árvore, e o corpo deitado sobre a relva verde num campo imenso do qual eu não via começo nem fim.
Ao longe pessoas dançavam e cantavam alegres, em torno de tendas, que me faziam lembrar de um acampamento cigano.

Sem camisa, ajoelhado ao meu lado ele me encarava com o mesmo sorriso sexy do sonho que tivera noite passada.

Igor.

Sem que ele dissesse sequer uma palavra, ao fixar meus olhos nos seus penetrantes e singulares olhos ambarinos, que pareciam ter vida própria, eu pude saber seu nome.

Eu tinha certeza.

Seu nome era Igor.

Seu rosto se aproximou ainda mais do meu, o que me fez prender a respiração e sem tempo para sentir-me ainda mais desconcertada, ele me beijou.

Seus lábios quentes e macios devoravam-me com tamanha violência que tornava incontrolável a vontade de permanecer ali para sempre.

Sem que ele precisasse pedir eu já estava entregue e a sensação de já ter estado em seus braços me confundia ainda mais os sentidos.

Assim que sua língua passeou pelo céu da minha boca, meus medos e incertezas desapareceram, dando lugar à um desejo pulsante e vivo que me fulminava o juízo.

Eu perdera a identidade e a lucidez, passando a saber-me apenas sua.

Entrelacei meus dedos em seus cabelos castanhos e puxei-o com força, como se pudesse mante-lo refém dos meus beijos em um lugar onde o tempo não atuava e pertencíamos apenas um ao outro.

Sentia como se afundasse em águas calmas e profundas sem saber nadar, porém, sem importar-me com o perigo da iminente falta de ar.

Eu respirava seus poros e morreria mil vezes por beijá-lo mais uma vez.

Em meio ao frenesi causado por aqueles lábios que transbordavam luxúria, voei do paraíso divino ao inferno Dantesco, em uma fração de segundos, ao ser arrancada de seus braços pelos gritos da minha mãe.

-Alice não! Afaste-se dele. Esse homem é seu pior pesadelo!

Uma crise de falta de ar me invadiu os pulmões e a sensação de afogamento fazia com que me contorcesse em desespero e pânico, na ânsia de lutar para sobreviver.

Sobressaltada, abri os olhos.

A sala do meu apartamento refazia o cenário.

Sem tempo de recuperar-me da apneia que deixara sequelas intensas, durante um acesso de tosse pude ouvir o interfone tocar.

As Crônicas de Ostara.  Livro 1- UM CONTO DE BRUXAS (Em Revisão)Where stories live. Discover now