Trinta e Três - Incompreensão

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"Quanto mais vivo, mais compreendo o tamanho da minha incompreensão."

Webert Gomes

- Jenny! Jenny! Jenny! – Daniel gritava a todo pranto. – Cadê você? - O lago já estava se formando em seu campo de visão, mas nada dela. Continuou correndo. Não podia acreditar no que estava vendo. Tinha que ter algo errado. Ali estava Jenny, tinha certeza disso e... Maria.

- Pare com isso, vai matá-la, Jenny! – Disse Daniel.

- Meu nome não é Jenny, é Lyla – O sorriso estava no canto de seus lábios. Era um choque olhar para aquele rosto tão meigo, agora transtornado. Ela olhou para Maria desacordada, sangue escorria de sua testa e se espalhava pela água. Lyla não tinha mais interesse nela por isso, jogou o corpo para longe.

- Lyla? Jenny, o que está acontecendo aqui? - Ele olhou para o corpo que boiava. Estaria Maria morta?

Nada do que estava acontecendo parecia real. A paisagem estava a mesma. O lago estava o mesmo. O céu, o universo, as nuvens, o sol, o vento. Menos aquelas pessoas – um corpo, uma menina ensanguentada, uma ponte quebrada e ele. Nada daquilo se encaixava com a paisagem que antes dividira com aquelas duas meninas. Onde tivera tantas memórias boas. Ele se importava com as duas de maneiras diferentes.

Ele se importava com Maria, pois ela tinha sido uma pessoa muito importante do seu passado. A pessoa que lhe ajudara a passar pela separação de seus pais, a pessoa que um dia ele amara a ponto de fazer loucuras, a ponto de confiar plenamente, a ponto de entregar o seu coração 100%. E se importava com Jenny porque ela tinha sido a menina que lhe mostrara que as coisas não estavam perdidas, que ele ainda teria esperança, que ele ainda podia amar de novo. Que ele tinha pessoas que realmente se importavam com ele. Que ele tinha uma família para lutar.

O que estava acontecendo agora era algo que ele não conseguia compreender. Não entendia como e por que as coisas tinham ficado daquele jeito. Ele tinha que fazer Jenny voltar ao normal e levar Maria quanto antes para um hospital.

- Lyla, um nome bonito não acha? Se eu fosse ela preferiria estar morta, sabe? Ela já passou por muita coisa hoje. E se ela estiver morta as coisas voltam ao normal. – disse saindo do lago.

- Eu achava que você tinha medo de entrar no lago. Ainda mais agora que está fundo – disse observando.

- Oh, sim, sim, eu não tenho medo de entrar no lago. A Jenny tem medo. De vez em quando tem pesadelos com Chelsea.

- Lyla – disse relutantemente. Aquilo parecia loucura; - nós temos que levar Maria para um hospital.

- Você não vai fazer isso, Daniel. Não queira se envolver nisso.

- Saia da frente, eu tenho que ir até lá. Eu tenho que salvá-la. Anda! Saia- Com um empurrão, ele conseguiu tirar Lyla de sua frente.

Enquanto corria para o lago, foi atacado.

- Jenny nunca vai me perdoar por isso, mas não posso deixar você fazer isso.

Mais uma vez ela tinha uma pedra na mão, só que não acertara a cabeça de Daniel. Em um salto pulara em cima dele, amarrara seus braços e pernas por todo o seu corpo, tentando imobilizá-lo, a pedra em sua mão, agora tentava acertá-lo na cabeça.

- Pare com isso, Jenny!

- Lyla! – Corrigiu raivosa - Por que você não pode amá-la? Tudo o que ela queria era o seu amor. Por isso que ela é essa coisa fraca e deprimente. Vocês não querem o amor de pessoas assim. Vocês as menosprezam. Pois é. Eu estou aqui para resolver o coração partido dela.

- Ah! – Dentes foram cravados em seu pescoço.

- Eu não me importo com você! – Lyla rugiu arranhando a pedra no corpo de Daniel. – Não estrague tudo o que eu fiz!

- Jenny! – Daniel não queria machucá-la. Ele olhava para o corpo inerte de Maria. O sangue se espalhara pela água com uma rapidez surpreendente. O pânico tomava conta de seu corpo. O ar falhava em entrar em seus pulmões e a possibilidade de Maria estar morta era angustiante.

Daniel tinha certeza que Jenny enlouquecera de vez, tinha que fazer algo. Afrouxou o laço feito pelas pernas e braços, dessa menina que ele não mais conhecia. Virou-se para Lyla e bateu em sua cabeça. Ela desmaiou e caiu. Não queria ter agido dessa maneira, mas era preciso, cada minuto perdido seria decisivo para Maria.

Ela havia perdido muito sangue, e não estava com uma aparência muito saudável. Tirou o celular do bolso e ligou para a ambulância. Não iria chegar no hospital assim tão rápido. Tirou Maria do lago e a colocou em seu colo.

- Você vai ficar bem. Vai dar tudo certo.

Ele às vezes olhava para Jenny em seu sono tranquilo e não conseguia tirar da cabeça a pessoa que ela havia se transformado. Tentava colocar em sua cabeça que a culpa não fora dele. Ele disse claramente o que iria fazer. A culpa não era dele de não a amar do jeito que ela queria. A ponte havia sido quebrada, ele teria que atravessar o lago com as duas. Primeiro levou Maria e por segundo Jenny.

Tinha medo que ela acordasse e se transformasse naquela menina de novo. O que não aconteceu.

A ambulância chegou rápido. Do hospital ele havia ligado para casa. E dito o que havia acontecido. Meia hora depois todos aparecem. Inclusive a mãe de Maria.

A estória de Jenny foi contada em todos os detalhes. A mãe de Maria parecia relutante sobre o que deveria ou não falar. Mas no fim, acabou falando tudo. Contou sobre o abuso sofrido por Maria pelo seu pai, sobre a covarde que havia sido por não ajudar sua filha. Todos ficaram horrorizados com a situação e Daniel não sabia o que fazer. Pensou em tudo o que havia acontecido naquela época. A mudança repentina de humor de Maria. Sua atitude egoísta, o consumo de bebidas. Ela estava perturbada com toda a situação, ela precisava de Daniel, mas ele não havia tentado conversar com Maria para saber o que estava acontecendo. Ele apertou os olhos e chorou pelo horror que fora a vida de Maria.

Fora informado que Jenny logo ficaria boa. A única coisa que tivera fora uma concussão. Era estranho Daniel saber que Jenny não iria saber do que Lyla fizera até alguém contar alguma coisa para ela. Será que ela seria capaz de aguentar todo o terror que ela causara?

Deveria descansar muito. Ficara atordoado com as notícias sobre Maria. Ela sofrera muitos arranhões por todo o corpo e tinha um ferimento muito grande na cabeça o que lhe causara um coma superficial aonde pode ocorrer movimentos espontâneos como a abertura dos olhos. Ele não queria saber o que os médicos estavam falando. Ele precisava vê-la. Ele tinha que vê-la. Saiu correndo e abriu a porta de seu quarto.

Maria estava ligada a várias máquinas que Daniel não sabia ao certo para o que servia, mas havia uma em que ele poderia escutar os seus batimentos cardíacos. O seu rosto antes tão cheio de vida, agora estava estático, pálido. Não combinava em nada com os seus cabelos negros que mesmo assim a deixavam a mulher mais linda que Daniel já vira na vida.

- O que você está fazendo aqui? Saia e vá esperar lá fora. Não pode haver visitas. – Quem falara fora uma enfermeira cor de avelã.

- Tá certo, tá certo – saiu do quarto, mas não sem antes olhar pra trás e ver mais uma vez a mulher, que agora tinha certeza, sempre amara.


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⏰ Última atualização: Apr 02, 2016 ⏰

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