Os sacis

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25 de Novembro de 1941

"Ele era tão agradável quanto um comer um pé de mandacaru (com espinhos e tudo), ainda assim uma das melhores pessoas (ou seja lá o que ele for) que encontrei no meio do caminho. Se não fosse por ele... Meu Deus, se não fosse por ele, eu estaria ainda hoje correndo por aí uivando para lua e perseguindo pessoas pela carne que cobre os seus ossos. Eu seria um lobisomem com uma missão perdida."

Francisco Carlos de Azevedo

Quatro horas da tarde, 13 de março de 2015

Castelo do Piauí estava próxima, era o que confirmava o mapa de Irani. Quem deveria decifrá-lo era Isaac, já que se achava tão mais inteligente que todo mundo dentro daquela van, mas o dito cujo dormia como quem tivesse passado a noite inteira em uma festa.

— Preguiçoso — ela resmungou e então disse a Rubens: — Já, já, chegamos.

Nas caixas de som da van tocava rap. Rubens cantava no ritmo da música, enquanto Irani tentava entender a letra cantada por um português que parecia muito está em outra língua. Isaac não acordava nem mesmo com todo esse barulho.

Eles seguiam por uma pista de trânsito tranquilo. Avistaram vários povoados pelo caminho, todos tinham em comum a simplicidade das casas. Muitos dos seus moradores ainda trabalhavam na roça, sobrevivendo com ajuda da agricultura familiar, não chegava a ser a maioria, que sobrevivia em outras atividades. Em quase todas, podia se ver antenas parabólicas, carros e motos em garagens ou à sombra de uma árvore.

As mulheres fecharam portas e janelas às pressas. Um redemoinho poderoso se formava por trás de algumas árvores, ele trazia poeira, folhas e galhos, roupas e sacos plásticos. Agora arrancava árvores e entortava postes. Não dava para criança nenhuma entrar e fingir voar como um pássaro no céu. Ela seria literalmente levada! A van estava a poucos metros do monstro de vento.

─ Eu não sabia que ocorriam furacões no nordeste ─ gritou Rubens do volante.

Quase não podia se ouvir nada além do barulho do vento.

─ E não ocorrem! ─ Irani gritou de volta.

─ Vou seguir por aquela outra estrada, longe daquela coisa. Não quero pensar no que pode acontecer se chegarmos perto demais.

─ Tudo bem.

─ Ele já acordou?

─ Isaac? Ah, esse daí podia chover até pedra! ─ A menina já estava mais que preocupada. Poderia ser ainda o efeito da queda, mas ela nunca tinha visto ninguém dormir tanto com um barulho tão grande como aqueles. ─ Acorda, Isaac!

Aos poucos o rapaz foi abrindo os olhos. Irani ia dizer alguma coisa, mas um vento forte os atingiu, abriu a porta da van e puxou a menina de dentro do automóvel para fora. Isaac conseguiu pensar rápido o suficiente para agarrar os braços da amiga e evitar que ela fosse levada de vez pelo vento. Ele se agarrou ao cinto de segurança. Estavam no olho do furacão.

─ Não me solta! ─ ele gritou.

Apesar da poeira e das folhas que lhe tampavam parte da visão, Irani conseguiu ver pequenas mãozinhas pretas subindo pelos seus tornozelos. Ela começou a chutar para todos os lados e nisso pequenos duendes de pele preta lustrosa voavam pelos ares, os mesmos sacis que invadiram sua casa. Os diabinhos que sobraram tentaram agarrar a sua bolsa onde guardava o manuscrito e a caixinha dos espelhos.

─ Isso vocês não levam! ─ e mais chutes...

Rubens tenta dá a ré, mas a van deu apenas uma volta em torno de si mesma. Ele desistiu do volante e foi tentar ajudar Isaac. Acabou sendo jogado para fora também. Sem ter como ajudar o amigo, Isaac só pode desejar que ele não fosse levado muito para o alto, para que a queda não fosse tão ruim assim. Então, assim, de repente, os ventos decidiram que era hora de parar. Rubens despencou gritando, mas uma rajada mais forte o fez cair em um arbusto. Irani pode tocar os chãos e Isaac soltá-la.

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