Prefácio

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Começarei apresentando Ipamirim. Cidade pequena, que se cresceu a base da pesca de da fabricação de redes, dessas que colocam para as crianças dormirem à tarde. Se você for procurar no mapa do estado do Piauí a cidade logo se dará conta de que isso é um trabalho perdido. Ela já existiu, mas em 1940 encontrou o fim. Foi assim, da noite para o dia, que a cidade edificada as margens do rio Parnaíba deixou de existir, junto dela todos os seus habitantes e histórias escondidas entre as ruas e mangueiras.

 Na época foi um escândalo, vieram pessoas de todo o Brasil e do mundo querendo desvendar aquele mistério. Teorias de óvnis surgiram as carradas e houve até quem dissesse que os moradores fizeram algum pacto com entidade das trevas. Era uma questão intrigante para as mentes investigativas mais brilhantes do país. Como metade de uma população estimada em quase dez mil pessoas some do nada?

Ainda havia panelas no fogo, enxadas caídas, blusas por coser, cadernos abertos na única escola do lugar e animais assustados como testemunhas.

Foram meses de buscas, análises para qualquer sinal de radiação, reviraram aquelas casas de cabeça a baixo, desde a prefeitura até os casebres de pau-a-pique da beira do rio Parnaíba. Nos primeiros dias um enxame de policiais, bombeiros e jornalistas se instalaram pelas remediações, estes últimos tiveram um prato cheio para suas matérias. Entrevistaram pessoas que conseguiram a fugir a tragédia e que não conseguiam explicar o que aconteceu.

Em choque e confusos, só puderam relataram que, de repente, a pele de algumas rachou e que logo depois estas foram se transformando em estatuas de carvão e depois fogo diante dos seus olhos sobrando, no fim, apenas as cinzas. Uma alucinação coletiva? Mas em uma coisa concordavam: aquilo só poderia ser amostra do apocalipse.

O ser humano é uma das criaturas mais resiliente que existe. Adaptam-se a muita coisa e inclusive a uma tragédia dessas. Aos poucos os sobreviventes foram criaram raízes em outros lugares, não houve alternativa senão seguir em frente acompanhados pela lembrança de seus familiares desaparecidos.

Ninguém notou aquele adolescente observando tudo ao longe, ele tinha no olhar um de desespero grande demais para caber na sua tão pouca idade. Talvez não tivesse mais que dezessete anos, sua barba ainda era rala, era magro, estava sujo e tinha muita fome também. Seu nome era Francisco Carlos de Azevedo. Ele sabia o que aconteceu ali, sabia e por causa disso queria ter ido junto com os mortos, era um fardo grande demais a ser carregado. Mas ele era seu e ninguém mais poderia fazer isso. Colocou a bolsa no ombro e partiu em cima de um cavalo para nunca mais voltar.

Esse garoto já não está mais entre nós nos dias de hoje, e, além de mim, somente seu bisneto, Isaac, conhece a história em sua forma completa e verdadeira. Logo o apresento. Esse rapaz fará um grande papel nessas linhas.

Não sei se apresentar essa história a você lhe fará bem, é seu direito conhece-la, pois também, de alguma forma, ela faz parte da sua. Então peço que aceite essas frases feitas à luz do abajur em uma noite quente como tantas outras do nosso estado. Elas não vão doer, porém podem até te assustar (um pouco), mas essa também não é minha intenção. 

Antes começar a folhear essas páginas, primeiramente, peço que sente-se em um lugar tranquilo e, por favor, é prudente que esteja sozinho também. Essa é uma conversa particular entre nós, prometo ser gentil contigo, mas não prometo nada aos personagens, que ainda passarão por muita coisa antes que essas linhas cheguem ao fim. Então me escute com atenção. No fundo no fundo também sei que você não tem medo de assombração, só espero que isso não mude.

Quem Tem Medo de Assombração?Onde as histórias ganham vida. Descobre agora