O mochileiro

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Bem, nenhum dos três viajantes fazia a menor ideia de como aquilo começou. Passaram a vida toda acreditando que toda essa história de lendas, bem eram lendas! De repente se encontram ali, naquela viagem maluca, a pedido de uma bruxa maluca e sendo interceptados por super porcos.

Isaac tinha medo de que a qualquer momento também pudesse ficar maluco. Ele olhou para Ulisses que parecia tão normal como... Como qualquer outra pessoa normal que nunca fez carinho em uma porca gigante.

─ É. Foi como eu pensei... Vocês são mesmo novos aqui. ─ Então abriu um largo sorriso ─ Posso ajudá-los?

E ele precisava perguntar?

Ulisses os convidou para almoçarem em um restaurante próximo. Propôs até de pagar tudo. Os garotos não queriam abusar da boa vontade do desconhecido, mas poxa, estavam precisando muito! Foi lá que conheceram um pouco mais sobre o rapaz e o rapaz ficou sabendo um pouco mais sobre a confusão em que os três se meteram.

A Porca do Dente de Ouro ficou do lado de fora fuçando uma lata de lixo para alívio de Rubens. Ulisses o olhava de um jeito estranho, como se reconhecesse no rapaz loiro alguém conhecido.

─ Se eu posso ver a porca é porque minha família vem de uma antiga cidade... Não sei se vocês já ouviram falar dela, a população teve que abandoná-la às pressas e desse modo quase ninguém a conhece...

─ Deixe-me adivinhar: o nome da cidade é Ipamirim, fica ao sul do Piauí e os moradores foram mortos por uma bruxa ─ disse Irani. ─ Estou certa?

— Precisamente, dona.

O garçom chegava com um litro de refrigerante. Ele abriu a garrafa e distribuiu o conteúdo entre os seus convidados.

─ Muita gente escapou e até mesmo conseguiu sair sem nenhuma sequela, mas teve aqueles que ficaram amaldiçoados como os meus avós.

— Seus avós são de lá?

Foram. Tiveram que fugir com o rabo entre as pernas quando a coisa começou a desandar. Eles construíram a casa em outro lugar e depois tiveram a segunda filha, a minha mãe. A primeira morreu ainda na cidade. Depois de tudo que passaram, achavam que poderiam recomeçar a vida, mas então, as criaturas do escuro, aquelas que vocês chamam de assombrações, vieram persegui-los e isso durou até o resto dos seus dias.

Irani teve pena deles. Isaac, curiosidade. Rubens, queria mais daquelas boas histórias. Ulisses continuou.

— Eu também consigo ver, assim como a minha mãe e tios. Ao que parece isso é meio que hereditário. Já ouviram falar do Véu das Bruxas Velhas? ─ Os garotos fizeram que não. Ulisses tratou de explicar assumindo o papel de um professor diante de uma turma atenta: ─ Há milênios, um grupo de bruxas o teceu para separar o mundo humano, desse. O objetivo era separar a ralé: nós, das criaturas encantadas. Eles que eram os nobres, em sua opinião. Enfim, é assim que a história conta. Se havia outro motivo para fazerem isso, já não sei. Tem gente que especula que era falta-do-que-fazer das Velhas, mas isso é outra história. No fim das contas, beneficiaram a própria humanidade. Todos nós sabemos o que acontece quando um humano encontra com alguma criatura dessas.

Rubens ia responder, mas Ulisses se adiantou usando a mesma resposta do rapaz adivinhando os seus pensamentos e usando, inclusive, as mesmas palavras.

─ Ia haver sangue descendo e na maioria das vezes, ou quase sempre, é humano. Essa belezinha aqui,─ Ulisses apontou para a cicatriz que carregava no rosto ─ eu não ganhei em um acidente. Todo mundo nasce com um Véu...

Quem Tem Medo de Assombração?Onde as histórias ganham vida. Descobre agora