A Batalha do Jenipapo

26 7 2
                                    


Campo Maior, 26 de Dezembro de 1941

A batalha ocorria diante dos meus olhos. Soldados e homens transparentes continuavam atuando as cenas sangrentas daquele triste dia. Não me viam enquanto eu subia na árvore e prendia mais um caco. Uma pena. Eu queria poder dizer a eles que já acabou, que seus espíritos já descansavam em paz e, portanto não havia mais motivos para aquilo. Bem, eram só lembranças, memórias que a Terra se recusa esquecer. Eu não deveria me importar.

Francisco Carlos de Azevedo

Onze horas, 13 de Março de 2015

A paisagem de morros verdes foi mudando à medida que se aproximavam de Campo Maior. A ondulação da terra deu lugar a planícies cobertas de arbustos, capim e árvores de pequeno porte, e principalmente de uma palmeira, a carnaúba, que enxiam a região como se tivessem sido plantadas pela própria mão humana, pela mão de um jardineiro meticuloso. A água acumulava-se no solo e banhava as raízes das carnaúbas e outras plantas.

A serra de Santo Antônio se erguia azul mais a frente, parcialmente escondida pelas carnaúbas dando o toque final do cartão postal da cidade. Parecia tão próxima... Mas ainda estava a quilômetros de distância da rodovia.

Irani mexia nos botões do ar-condicionado. Talvez com a esperança de fazê-lo funcionar, talvez por puro tédio. Isaac não desgrudava o olho da janela.

A cidade estava próxima e com ela a polícia rodoviária, que parava alguns carros.

— Isso é um problema. Um grande problema — murmurou Rubens.

─ O que é que te dói? — pergunta Irani.

─ Eu não tenho carta.

Isaac engasga.

─ Com carta tu quer dizer carteira?

─ Com carta quero dizer que estamos bem encrencados se eles nos pararem. Não sei se tu lembras, mas eu tenho quinze anos, Zac. A não ser que as leis deste país tenham mudado, e ninguém me contou, eu ainda não posso dirigir. — Depois sorriu: — Nem ser preso também.

─ Relaxem — disse Irani. — Eles não vão nos parar.

─ E se estiver errada como eu acho que está? ─ Isaac pergunta.

─ O "de menor" no volante pisa fundo. Simples assim.

─ Faça isso e seremos parados antes mesmo de entrar na cidade.

─ Não exagera, Isaac ─ Irani analisava unha quebrada. Estava precisando de uma lixa ─ Apenas siga reto e com confiança.

Ela tinha razão. Os policiais não os pararam, mesmo depois do sorriso boboca que Isaac deu a eles como forma de buscar a simpatia dos policiais.

O trânsito da cidade estava tranquilo àquela hora. O calor do meio-dia começava a fatigar os ocupantes da van. Depois do encontro com a Porca do Dente de Ouro nenhum deles se atreveu mais a abrir as janelas. Isaac fez isso uma única vez, foi quando passaram lado a lado com o Açude Grande bem no centro da cidade.

O espelho d'água refletia algumas nuvens do céu e este só era perturbado com a brisa fraca vinda do leste que causavam pequenas ondas na água. Garças brancas voavam em busca de um lugar perfeito para o pouso. Uma ficou batendo asas a poucos centímetros da janela da van. Irani colocou o braço para fora e quase tocou nas penas alvas da ave.

Campo Maior não tinha grandes indústrias, a economia era mais voltada ao comércio, pecuária, extração da palha de carnaúba e venda do pó que se forma na planta. É um lugar muito bonito, mas o turismo nessa região não chega a ser tão expressivo. As ruas da cidade eram divididas entre motos, carros, caminhões, carroças e, é claro, com bois e jumentos. Isaac contou cinco ou seis deles. Ele não via esse tipo de coisa no Rio de Janeiro, a típica cena de uma cidade do interior do nordeste.

Quem Tem Medo de Assombração?Onde as histórias ganham vida. Descobre agora