ATO 8

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Todos os caminhos levam à morte. Perca-se.

     A solidão assusta

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     A solidão assusta. Ela vem de vagar, como quem não quer nada, e quando abre os olhos, te rouba tudo. Sua família, seus amigos e sua essência. A solidão é ardilosa e traiçoeira.

Naquele fim de dia, o orfanato encontrava-se engolido pela penumbra. As velas encaixadas nos pilares do pátio principal reluziam, porém fracas, enquanto o crepúsculo encerrava-se lá fora.

As janelas pregadas continuavam enaltecendo a prisão de pedra que no momento era nossa moradia, e a vitrola cantava uma canção despreocupada. O toque de recolher havia tocado, e todas os cômodos foram invadidos pelo barulho estridente da sirene. Em conjunto, descíamos as escadarias para o subterrâneo, prestes a entrar pelo mundo dos sonhos e esquecer das coisas que se passaram.

Chegando nos dormitórios, Patrick veio ao meu encontro e pegou em meu braço com sua mão esquerda.

— Preciso te mostrar algo — Dizia ele. O garoto fez um gesto com a cabeça para que eu o seguisse até a ala masculina. Caminhou até a cama de Dante que ficava ao lado da sua e levantou o colchão dali, retirando um livro velho, que logo reconheci ser o exemplar de criaturas selvagens — Vi Dante com esse livro e o segui até aqui. Aquele desgraçado roubou isso da sessão reservada. Só não sabia o porquê do furto. Aprendeu tudo sobre o lobo do Rumpel para deixa-lo manso.

— Eu... admito que fiz a mesma coisa com você, Patrick. Te vi com este livro e o segui. Me desculpe por suspeitar de você, a gente fica tão paranoico com tudo isso que não raciocinamos direito — Concluí, envergonhada.

— Não precisa se desculpar. Eu peguei o livro para conferir algumas coisas. Um dia desses, escutei Rumpel dizer para a merendeira que tinha encontrado ossos de gato no pote do seu lobo. E a única pessoa que tinha um gato aqui era Petúnia. Depois apenas encaixei as peças.

— Então... Dante não matou o gato dela para fazer uma coberta com pelagens... foi para... usar de refeição para distrair o lobo com base no que aprendeu nesse livro... — Respondi incrédula — Faz muito sentido agora. Enquanto o lobo se distraia com os ossos ele foi ao pátio e matou Lola. Mas, como soube que Brok e ela iriam ao pátio?

— Provavelmente escutou ambos conversando sobre saírem para a superfície a noite e fugir do orfanato. Como fomos tão burros, Pan? O assassino do nosso lado o tempo inteiro! Deus, como somos ingênuos! — Patrick voltara a chorar, completamente abalado — Perdi minha irmã por um ciúmes doentio! Isso é um absurdo!

— Eu... sinto muito Patrick — Peguei sua mão direita que fora usada para enxugar suas lágrimas e a apanhei com minhas duas mãos — Você não pode se sentir culpado por nada do que aconteceu. Mesmo sem esperanças continuou a investigar o caso, ainda que tenha sido em sigilo. Seguir Dante foi muito inteligente da sua parte mas nenhum de nós imaginávamos — Enquanto conversávamos, as outras crianças se ajeitavam em suas camas, programando seus drenadores para iniciar. Duas camas estavam vazias naquela noite. A de Dante e a de Brok. Vi Petúnia do outro lado, na ala feminina, deitada de costas para nós — Tenho que descobrir o que aconteceu com Brok. Dante disse não ser o responsável por isso.

— Brok? Se importa tanto com ele assim? — Questionou Patrick em um tom mais baixo.

— Ele é meu amigo. É claro que me importo! — Respondi em imediato.

— Ah, sim... Seu amigo... — Murmurou desconcertado.

— Patrick, o que está pensando?

Mas antes que pudéssemos dizer algo, uma das crianças da ala feminina nos interrompeu:

— Pan! Venha para cá logo ou vai ter problemas depois! — Advertiu Dayse, sentada em sua cama, olhando em nossa direção — Seu drenador já está ligado, venha! — Por fim, nos dispersamos e deixamos a conversa para uma outra hora. No momento, os irrecuperáveis já haviam conectado seus drenadores em suas nucas. Fazia muito tempo que não usava aquelas maquinas. Me ajeitei em meu colchão velho, peguei os fios e os pluguei. Ao apertar o botão vermelho que centralizava o teclado da máquina, tudo se apagou e me sugou para o limbo.

Eu caía.

Profundamente em um vazio, um frio, lúgubre, às cegas. Procurando um conforto entre a luz. Caía de barriga para baixo, mas nada havia lá em baixo. Ao virar o pescoço para a esquerda, pude ver uma pessoa que descia suavemente a escuridão comigo, de olhos fechados. Era Brok. Do outro lado, uma menina loira. Esvoaçava seus cabelos conforme caía, igual a uma boneca de trapos. Era Petúnia.

Meu corpo sentia a pressão do ar. Caíamos cada vez mais fundo. Senti a presença de outras pessoas em volta. Uma era minha mãe, de olhos fechados como os demais, um pouco distante de meu pai, que flutuava abaixo dela. Ao virar meu corpo de barriga para cima, uma centena de pessoas caíam junto a mim. Todas desmaiadas, em seus mais profundos sonhos, como se tivéssemos pulado de paraquedas em um vasto céu negro e tirássemos um cochilo na queda.

Que sensação horrível de perca. Como se todos ali, estivessem perdidos como eu. Desapareceríamos para sempre, talvez?

E no propício momento, algo de novo se destacou no cenário. Fotos. Elas surgiam do âmago e pairavam perto de nós. Milhares delas. Aos poucos iam se misturando entre as pessoas. Não consegui ver nenhuma delas ao certo, não me pareciam nítidas. Minha respiração oscilava. Não parecia que íamos dar em algum lugar. Parecia que iríamos cair para sempre. Todos juntos.

Fechei os olhos e os abri.

Lá estava eu novamente, no impetuoso orfanato. Mas um orfanato diferente. Ou melhor, mais novo e limpo. Me encontrava no pátio principal, cuja as janelas em cima, onde eram para ter tábuas pregadas, estavam abertas. O lugar estava mais vivo, cheio de luz.

As crianças brincavam. Cantarolavam. Mas estavam embaçadas, assim como nas fotos que vi pouco atrás. Não pude ver o rosto de nenhuma delas. No próximo piscar, tudo se dissipou em fumaça. Eu não estava mais lá, e sim em uma sala bem iluminada e bonita. As janelas davam para a vista dos jardins lá fora. Se eu apertasse mais a visão poderia ver os portões de ferro mais à frente.

Jamais tinha visto aquele cômodo. Tinha uma cama de centro. Ao lado, uma máquina grande, parecendo um amontoado de ferros e cabos. Uma menina, mais ou menos do meu tamanho estava ajoelhada perto da cama, segurando a mão de outra garota, deitada ali.

— Não tem cura. Eles não farão nada a respeito... — Disse a mais velha, segurando a mão da enferma. Suas vozes pareciam abafadas. Ambos os rostos também eram embaçados e a iluminação forte, deixava as duas em silhueta.

E mais uma vez o lugar se desintegrou.

E mais uma vez o lugar se desintegrou

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II - Rebelião dos IrrecuperáveisOnde as histórias ganham vida. Descobre agora