Capítulo 20 - Living On A Prayer

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A tranquilidade de espírito é um patamar difícil de atingir.  Quando você pode finalmente colocar a cabeça no travesseiro e não ter preocupações, angústias ou qualquer tipo de culpa que te persiga, talvez esse seja o verdadeiro paraíso. Mas quem realmente pode se dizer completamente livre de temores e pensamentos vertiginosos, amores não vividos e mágoas acumuladas? Talvez no mundo dos sonhos seja possível. A realidade assusta, desencoraja, cria monstros impossíveis de serem derrotados e armadilhas de onde não se pode fugir. A cada minuto em que os olhos permanecem abertos e o coração bombeia mais um litro de sangue, a vida se torna mais complicada. A negatividade então se espalha, e a morte não parece uma opção tão pior assim. Ás vezes dói levantar da cama sabendo o que te espera, sabendo que não existem meios de contornar aquilo que o dia guarda. Vale a pena viver uma vida de sofrimento só pelo ato de viver? Sobreviver.

Dormir eternamente parecia tão mais fácil, onde tudo era tangível, todas as vontades alcançadas, todos os amores vividos a beira da exaustão. Dizem que a simples ideia da morte é uma afronta àqueles que lutam todos os dias para permanecerem vivos, mas quem tem o direito de interferir nas decisões alheias? Tantas dúvidas, tantos questionamentos. Ser ou não ser? Viver ou morrer? Eis a questão. O que seria menos doloroso no final? Deixar – se levar pelos braços do destino, talvez. Mesmo que esses fossem os braços que o sufocassem a cada amanhecer.

                 

O vento litorâneo batia forte em seus cabelos, os raios de sol atingindo em cheio a pele que antes sempre fora clara, mas agora tinha um tom de dourado que lhe caia excepcionalmente bem. A areia sob seus pés descalços era branca e muito macia, as ondas mornas e salgadas molhando-o vez ou outra. E Klaus nunca se sentira tão bem antes. Era fim de tarde, e tudo parecia alaranjado, um belo dia de verão, como ele nunca havia visto. A praia estava vazia, as montanhas completando ao fundo uma paisagem nada menos do que espetacular. O garoto caminhava lentamente, o tempo sendo deixado de lado, de tão secundário que era. Tudo que valiam agora eram as sensações e os momentos de uma nova vida a ser aproveitada. Vestia uma bermuda de tecido azul, o tronco nu, exibindo com orgulho a tatuagem, desejo de anos e anos, brilhante nas costas. Pássaros negros voando, dezenas deles, como numa antiga canção dos Beatles que ele tanto amava... "All your life, you were only waiting for this moment to be free. "Blackbird, fly, fly...". Um rito de passagem, uma marca de um recomeço. Os dias em que era chamado não por seu nome, mas por "filho do pastor" haviam passado, e agora ele não era ninguém além de Klaus. Klaus começando a vida em uma cidade grande, Klaus que conhecera o mundo, Klaus que havia acabado de ser aceito na faculdade de Cinema. Sua paixão pela tela grande começara meio escondida, já que sua mãe não lhe permitia assistir a filmes que não fossem de conteúdo religioso ou educacional. Mas agora tinha a chance de estar no mundo que sempre quis, e talvez chegar um pouquinho perto de seus ídolos. Quentin Tarantino, Tim Burton, Peter Jackson, Woody Allen. Um dia seria um dos grandes, dava-se ao luxo até mesmo de almejar um Globo de Ouro, ou quem sabe mesmo um Oscar em sua prateleira. Tinha um apartamento confortável próximo à universidade, um cachorro labrador de nome Lennon e ela. A garota de longos cabelos pretos parada a alguns passos dele.

Era a primeira vez que Katherine via o mar, fato que ela lhe havia confessado quando não passavam de um casal problemático numa cidade pequena. Sua mãe adotiva detestava a maresia, os grãos de areia presos às roupas, a água salgada demais do oceano. Esma sempre preferiu os lugares gelados, cobertos de neve e luxuosos. Nada parecido com sua filha. Seus cabelos voavam ao redor de seu rosto, assim como o vestido floral, quase transparente, que usava por cima de um biquíni vermelho. Os grandes olhos castanhos observavam admirados o quebrar das ondas tranquilas, e um sorriso leve brincava em seus lábios limpos. Para Klaus, a garota nunca estivera tão bonita quanto naquele momento. Era Katherine de verdade, a inocência de criança misturada ao seu corpo de mulher, apagando todos os fantasmas que um dia lhe perseguiram. Viajaram o mundo juntos, conheceram os lugares favoritos de cada um, e agora terminavam o passeio ali, o último desejo de sua menina realizado. Felicidade transbordava de ambos, principalmente dela, cujos únicos momentos de alegria que tivera anteriormente não passaram de armações ou emboscadas. Seus ombros relaxavam, os pés descalços irrequietos sobre a areia, embora a respiração fosse calma, o peito subindo e descendo lentamente. Dali dois dias iriam para casa, o apartamento deles, para morarem juntos. Katherine fora aceita em uma famosa universidade, onde poderia finalmente conseguir seu diploma em Escrita Criativa. Teria o tempo que nunca teve para trabalhar em algum romance, um roteiro que um dia poderia virar um blockbuster nas mãos de Klaus. O que poderia ser melhor do que poder amar livremente, como nunca antes, sem precisar dar explicações a ninguém? Nada. Nada superaria aquele sentimento.

Holy FoolWhere stories live. Discover now