Capítulo 2 - Losing my Religion

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    As paredes do grande banheiro eram recobertas por ladrinhos azuis anil, contrastando com a banheira e o vaso sanitário, ambos brancos como neve. A grande bancada que sustentava a pia era feita de um mármore caro, e lotada por perfumes de celebridades e maquiagens de marca, todos escolhidos caprichosamente por Esma. Mas era para o grande espelho brilhante que Katherine olhava. Observava a si mesma naquela peça tão cara, as bordas douradas que ostentavam a riqueza dos Dawson. Ela não combinava com aquilo.
A garota refletida ali, com os longos cabelos quase até a cintura, vestido uma regata preta que deixava parte do sutiã rendado aparecer e com shorts curtos completos com uma meia-calça arrastão rasgada e coturnos não era a filha dos sonhos de Esma e Rick. Não era a substituta ideal para a garotinha que eles haviam perdido num acidente de carro.
Ela não gostava de lembrar dessa história. Odiava pensar que não passava de uma intrusa naquela casa. Uma intrusa naquela vida, naquele mundo medíocre. Amaldiçoava a cadela que a havia dado a luz e depois a jogado na sarjeta. A imbecil deveria ter fechado as pernas e evitado todo o sofrimento desnecessário.
Enquanto apertava o lápis de olho negro sobre sua frágil linha d'água, pensou nas tantas vezes que desejara morrer, mas não tivera a coragem suficiente para ir as vias de fato. Além de tudo, era uma covarde. Uma falsa vadia covarde. Riu sozinha: Será que iria para o inferno? Essa era uma pergunta que deveria fazer aoMichaelson quando ele chegasse.
Era por causa dele que estava ali, fazendo toda aquela avaliação da sua vida imprestável. Queria parecer o mais assustadora possível, queria por medo naqueles olhos azuis, queria ouvir aquela voz tão sexy gaguejar. Aqueles dois itens tão desejáveis, tão sensuais, no corpo errado: o corpo de um coroinha de missas dominicais. Riu mais ainda ao imaginar como seria o corpo nu do garoto, por baixo das roupas tão sérias. Provavelmente algo que ela não gostaria de ver. Mas estava pronta para guerra ao deslizar um batom vermelho-sangue sobre os lábios carnudos.
Seu quarto era uma confusão proposital: a cama de casal de ferro negro com lençóis cor de creme que combinavam perfeitamente com as cortinas, mas não com o criado-mudo pintado de preto e com estrelas que brilham no escuro coladas descoordenadamente por sua extensão. Havia um grande sofá de couro próximo a única e gigantesca janela do quarto, e um tapete rústico estava corrompido por manchas de café e roupas espalhadas por todos os lados. As paredes eram de um azul claro desbotado pela fita adesiva de milhares de posters que cobriam todas as paredes e portas, desde o armário embutido até a de entrada principal.
A garota se jogou em sua cama, ouvindo Joy Division no último volume em seus fones de ouvido. Voltou a pensar em Klaus, um tanto intrigada. Ele seria o tipo de cara pelo qual ela se sentiria atraída se não fosse por toda a história de sua vida. O fato do garoto ser filho do pastor da cidade, que por acaso também era a pessoa para a qual Esma chorava as mágoas todo o sábado de manhã,a broxavam totalmente. Aquele era o tipo de caso onde ela primeira julgava, e depois conhecia.
O som estridente da campainha a fez pular da cama, saindo de seu transe temporário. Desligou o IPod, a fim de escutar a curta conversa entre Esma e Klaus. Ela foi extremamente simpática, falando sobre o tempo, a escola, a admiração que ela tinha por seu pai. Ele, como esperado, foi o mais educado possível. Umgentleman nojento.
Seus passos firmes faziam a escada de madeira rangir, a respiração longa era identificável pela paredes finas. Em um minuto, ele estava encostado a soleira da porta pintada de branco, os olhos azuis percorrendo o quarto e voltando-se para a dona dele, sentada de pernas cruzadas na beirada da cama. Sorriu-lhe gentilmente, como se pedisse permissão pra entrar. Ela revirou os olhos, jogando a cabeça para trás, balançando os cabelos pretos.
- Você já esta ai, não esta? Entre de uma vez.
- Você se importa se eu fechar a porta? – ele perguntou, erguendo somente uma das suas sobrancelhas.
- Pretende me estuprar na minha própria casa? Ah, é claro que não, esqueci que isso é pecado. Você deve se manter casto até o casamento. – ela riu, divertida.
Fechando a porta num gesto rápido, ele acompanhou a garota, rindo discretamente. Deu longos passos até sentar-se, sem cerimônia alguma no sofá próximo a cama dela. Os olhos azuis faiscavam observando Katherine bater a ponta dos coturnos no braço do sofá mais perto dele. Ela sorriu em desafio, ele ignorou.
- Então, Katherine, o que vai me ensinar hoje?
- Não sei, depende – ela piscou – já escolheu sua música? Não, espere, me deixe adivinhar: é Say a Little Prayer for you*!
- É essa música que você atribui a mim, minha mentora? – ele riu – Você não deveria fazer, não sei, uma analise psicológica, um questionário ou alguma coisa do tipo antes?
- Você quer uma analise psicológica de você mesmo? Vá a um psicólogo. Mas o resumo é: você é um fanático religioso que provavelmente pede permissão para o pai até para respirar. Sua vida é feita de idas ao culto e palestras motivacionais. Você nunca viu uma garota nua, nunca teve uma namorada e acha que a Playboy e todos os rockeiros do mundo vieram diretamente do inferno. Você é um maricas.
Klaus riu mais alto do que nunca,deixando cada centímetro do corpo de Katherine arrepiado. Levantou-se num pulo e sentou-se juntamente a ela na cama, deixando o blazer cinza sobre o sofá. Deitou-se de um modo atravessado, abrindo quatro botões de sua camisa de mangas longas. Sorriu para Katherine,como se a convidasse para o fazer o mesmo.
- Você já brincou de verdade ou conseqüência,Katherine?
- Você já?
- Vou interpretar isso como uma rodada. Eu escolho verdade – sussurrou, tirando um maço de cigarros do bolso – Meu nome é Klaus Michaelson. Minha irmã mais nova me chama de Nic. Eu tenho 17 anos, perdi minha virgindade aos 15 e tenho uma coleção de Playboys embaixo do meu colchão – ele continuou, acendendo um cigarro e levando-o a boca – Sou viciado nessa merda de nicotina, sou apreciador de um copo de whisky de vez em quando e venero todos os caras que estão nas suas paredes – Klaus soltou a fumaça lentamente pela boca, divertindo-se com a reação de Katherine. Ela estava petrificada – Eu fujo de casa a noite pra dar uma volta na moto que eu comprei com desvio de dinheiro dos livros que eu deveria ter comprado para estudar, e para beber em um pub qualquer da cidade vizinha. Eu odeio música gospel. Eu quero colocar fogo na igreja e fugir dessa cidade. E eu estou louco pra arrancar seu sutiã com os dentes. A não ser é claro, que você queira ser boazinha e tire sozinha.
Katherine piscou, uma, duas, três vezes, tentando absorver todas aquelas afirmações. Klaus aproveitava o resto de seu cigarro. A cabeça da garota estava a mil. Ele era realmente daquele jeito, ou estava só tirando uma com a cara dela? Se era tudo aquilo que ele dizia, por que o disfarce de bom moço? A visão do peitoral definido do garoto também não ajudava em nada sua concentração. Ela morria de vontade de tocar, de colocar seu corpo por cima dele e não sair dali nunca mais. Mas precisava afastar aquele tipo de pensamento da cabeça.
-Verdade ou conseqüência, Katherine? – ele sorriu, piscando para ela enquanto jogava o toco do cigarro na lixeira ao lado do sofá.
- Por que tudo isso, então ? A pose de bom moço, o bom comportamento, todo o papo religioso?
- Por que preciso manter as aparências para ter o que quero. Se eu fosse como realmente sou na frente de todos, eu não teria metade do que tenho. Não teria o dinheiro, a posição social, todo o conforto e a proteção que o nome do meu pai me oferecem. A vida é um baile de mascaras Katherine, quem consegue esconder o que é até o final da noite, ganha o prêmio maior.
- E por que me contar tudo isso agora?
- Somos iguais, não somos? Somos duas faces de uma mesma moeda. Mas você não precisa se esconder. E eu preciso de alguém pra compartilhar da minha vida de irresponsável sem futuro. Sozinho não tem graça. Antes uma parceira de crime com um belo par de pernas do que nada.
- Ainda não faz sentido.
- E algo na vida faz, Katherine? Mas você gosta de ficar sozinha, incompreendida?
- Eu tenho Hyago e Elena.
- Eles não são como você, eles não te entendem.
- O que te garante que eu não estou fingindo também?
- O tempo dirá. Estou te propondo uma amizade decente a curto prazo, Ka, e uma transa boa no futuro. Não seja tão desconfiada.
- Você sabe que não me convenceu – ela sorriu, finalmente se deitando também, jogando os cabelos pra trás.
-É claro que sei – ele sorriu, fechando os olhos – Mas eu vou conseguir. Eu consigo tudo o que quero.
- Posso saber como pretende fazer isso?
-Te espero às 23h na frente da igreja. Vamos nos divertir um pouco. E daí depois podemos escolher decentemente a minha música.
- Então tudo se trata da sua música?
- Não. É tudo sobre sexo, drogas e rock'n'roll, meu amor.
Ela revirou os olhos, indignada. Não confiava nele, não sabia onde aquilo tudo os levaria. Era tudo tão confuso. Mas ela gostava de jogos. E jogar com ele poderia ser muito mais divertido do que ela imaginava. Era nisso que pensava quando o empurrou de sua cama, mordendo o lábio inferior delicadamente. Arrancou um sorriso um tanto misterioso dele, um sorriso de contrariedade. Ela observou-o recolocar seu blazer e abotoar novamente os botões de sua camisa. Com uma piscadela rápida, ele deixou um último recado no ar:
-Leve um casaco. A noite é fria, e nossos corações mais ainda. 


Holy FoolWhere stories live. Discover now