Capítulo 13 - Dark Paradise

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    Eram feixes de luz. Raios de sol perdidos que conseguiam atravessar as grossas camadas de poeira e sujeira que recobriam as grandes janelas de vidro. Eram poucos, mas iluminavam o lugar, pintavam as paredes brancas com um amarelo luminoso. Mas ela enxergava azul. Azul claro. Azul hospital. A imensidão azul era macia. Confortável. Poderia ser uma nuvem. Mas nuvens não costumavam ser azuis, costumavam? E nuvens não possuíam cheiro de café. Ao menos aquilo nunca fora dito nas aulas de ciência. Nuvens de café. Seus olhos não queriam se abrir decentemente para confirmar ou não as teorias mal formuladas. Quase como uma recém-despertada de um coma, ela não queria enfrentar a realidade. Principalmente por não saber qual era exatamente aquela realidade que estava prestes a encontrar.
Mas a curiosidade sempre fora o ponto fraco de Katherine. Grogue de sono, ela tentava abrir os grandes olhos castanhos, uma voz interior lhe sussurrando que aquela não era a sua casa. Onde diabos a garota estava? Mas, na mesma velocidade em que seus cílios se separaram de vez, e o ambiente foi focalizado, as memórias lhe inundaram o pensamento. A única coisa que ela conseguiu fazer foi arfar, alta e longamente.
A cama em que estava deitada era de casal, extremamente simples, a cabeceira de madeira branca servindo de apoio para sua cabeça confusa. A imensidão azul que antes enxergava com os olhos semi-abertos era na verdade um conjunto de travesseiros fofos e lençóis comuns. Na parede sul, balcões e aéreos de madeira escura formando uma pequena cozinha, um fogão e a geladeira branca em linha reta com os outros móveis. E ao leste, ao lado de uma porta pintada de marrom, um espaçoso sofá estampado, lençol e travesseiro brancos e amassados sobre ele. A garota não sabia exatamente onde estava, mas alguém podia claramente morar ali. Ela notou que continuava usando a jaqueta de couro com que Klaus havia lhe coberto na noite anterior. Noite que renderia inúmeras outras noites em claro em que cada acontecimento seria analisado, e possivelmente, mascarado de arrependimento.
Levantou-se vagarosamente, tropeçando em seus próprios pés. Não confiava totalmente em seus olhos, muito menos em seus movimentos, apesar da mínima quantidade de álcool ingerida na véspera. Era uma coisa um tanto psicológica, não confiar em si mesma. Tivera provas suficientes de que seu corpo não lhe obedecia do modo como ela gostaria. Ele se jogava, se rendia, achava maneiras de bloquear os pensamentos sábios, abafa-los entre sensações. Muito divertido. Teria que ficar de olho em si mesma. Apoiou-se em um dos balcões de madeira, procurando por um pouco de equilíbrio. E então aquele formigamento estranho atrás das orelhas, aquele arrepio que atravessava sua nuca e a conhecida impressão de estar sendo observada tomaram conta de si. Katherine não precisava levantar os grandes olhos castanhos para descobrir quem era o seu admirador, mas o fez mesmo assim, só para honrar a fama de grande tola que havia adquirido com o passar do tempo.
Klaus estava encostado no batente da porta que parecia levar até um pequeno banheiro, calças de linho que combinavam perfeitamente com sapatos negros extremamente bem polidos e uma camisa azul clara meio aberta mostravam que ele tinha voltado aos seus trajes de filho pródigo. Mas o sorriso sedutor no canto dos lábios não conseguia esconder o tipo de alma que animava aquele corpo que a envolvera somente algumas horas atrás. A situação só piorara quando Katherine notou os cabelos molhados, pingos d'água escorregando lentamente por entre os fios muito loiros, provocando um tipo diferente de coceira em suas mãos, uma vontade de tocá-los, de sentir sua textura mais uma vez. Mas ela se conteve. Não sabia como agir. Muito menos o que deveria fazer. Já não lembrava em qual casa do jogo estava parada, e nem qual fora o último número que os dados indicaram.
- Bom dia – ele soprou, olhando a garota da cabeça os pés, como se alguma memória conveniente o agradasse profundamente. E ela poderia apostar todas as suas fichas de que sabia exatamente qual lembrança ele havia escolhido. Corar já não era uma opção, era uma certeza irrevogável – Dormiu bem?
- Acho que sim. Não sei exatamente, considerando o fato de que eu teoricamente desmaiei. – ela tentava ser razoavelmente agradável. Mesmo que se afogasse num constrangimento profundo – Onde estamos?
- No mesmo lugar onde estávamos, aonde mais? – Klaus riu, indo até o balcão mais longe da garota, servindo-se de uma xícara de café diretamente de uma cafeteira repleta de botões.
- Você quer dizer o posto de gasolina?
-Acho que isso aqui não é mais um posto de gasolina há mais ou menos uns dez anos, mas, se você gosta de pensar assim, quem sou eu para contrariar?
- Isso aqui...é seu? – ela não conseguiu mascarar um certo choque no rosto quando ele confirmou com a cabeça, tomando um longo gole de sua xícara – Como?
- Sistema de trocas. Um amigo precisava de dinheiro, eu emprestei, ele não tinha como me devolver, então passou o posto de gasolina abandonado da família pro meu nome – Klaus deu de ombros, como se não fosse grande coisa – É bem útil depois de uma noite de trabalho duro – ele riu, achando graça da própria piada mal feita – Sabe, não acredito que dona Angel acharia divertido se eu chegasse em casa suado, cheirando a cigarro e álcool, e usando jaquetas de couro. Quer sobreviver nesse mundo? Desenvolva seus próprios truques. – ele jogou os grandes olhos azuis em direção a garota, o divertimento estampado no rosto – Mas eu não preciso dizer isso pra você, não é, senhorita 'borrifo cerveja nas minhas roupas antes de chegar em casa'? Esma deve enlouquecer com isso.
- Como você sabe ?
- Já vi você fazendo do lado de fora da sua casa, à noite. Aliás – Klaus secava o cabelo com uma toalha vermelha, despreocupadamente, como se fosse normal observa-la em momentos como aquele - O seu talento para voltar pro seu quarto pela árvore ao lado da janela é impressionante.
- Cada um se vira como pode. Cada um esconde o que precisa esconder, não é?- Aquela revelação tão simples fizera a mente de Katherine dar um giro de 360 graus. Quantas vezes ele a teria observado sem que a mesma reparasse? Quantas noites ele estivera por perto sem que ela desconfiasse? Provavelmente como parte da 'pesquisa' que fizera sobre a vida da garota, mas ela não tinha certeza se ficava mais tranquila com aquilo. Resolveu mudar de assunto – É engraçado, não é? Você tentando esconder que não presta, eu tentando esconder que sou uma pessoa decente afinal. E às vezes nós fazemos isso tão mal, mas ninguém repara...
- Porque ninguém quer reparar, Ka. As pessoas não gostam de sair de sua zona de conforto. O novo assusta, desencoraja, machuca – Klaus remexia em um armário alto que ela não havia notado antes, concentrado em procurar alguma coisa em meio ao que pareciam mais lençóis e toalhas – É mais fácil para eles acreditarem que eu sou um honorável religioso e que você é uma prostituta drogada. – a última frase doera um pouco em seu estomago. Prostituta drogada. Não era muito elogioso. Era assim que ele a via? Como uma prostituta? Klaus não falara nada sobre a noite anterior. Embora ela não esperasse abraços e beijos de bom dia, aquela frieza era um tanto estranha – Mas no final, todos saem ganhando, não é mesmo? Aqui – ele lhe entregou uma toalha branca e macia, juntamente com uma camisa de botões de um azul muito escuro – Tem água quente no chuveiro hoje, sinta-se sortuda. E você pode vestir isso – apontando para a camisa – enquanto o socorro não chega.
- Hm – Katherine murmurou, perguntando-se o que ele queria dizer com 'socorro'. Direcionando-se lentamente ao banheiro, ela deixou seus olhos pousarem novamente sobre o sofá desarrumado no caminho, a boca abrindo-se ligeiramente para deixar escapar uma pergunta que deveria ter sido guardada para si mesma – Por que você dormiu no sofá?
- Você não esperava que dormíssemos abraçadinhos, sua cabeça no meu ombro, de mãozinhas entrelaçadas, esperava? – Klaus riu alto, como se aquilo fosse o maior absurdo que já houvesse saído de sua boca, ignorando-a novamente, toda a sua atenção voltada para um pequeno celular prateado na palma de sua mão direita.
- Não. Claro que não – Katherine engoliu em seco, fechando a porta de madeira atrás de si. Era difícil de admitir que, por algum motivo obscuro, aquilo havia doido. Como um soco, acertando diretamente seu peito, fazendo sua garganta ficar apertada. Mas não haviam motivos para isso, não é? Klaus nunca havia lhe prometido nada. Aliás, ela nem ao menos gostava do garoto! Com exceção do lado sexual. Ela nunca deixaria de se sentir completa e furiosamente atraída pelo filho do pastor.
Era um banheiro pequeno, azulejos de um tom de cinza esbranquiçado cobrindo-o do chão ao teto. Um vaso sanitário de mármore branco combinava perfeitamente com uma pia do mesmo material, sobre a qual pairava um espelho ovalado, revelando o quão acabada a garota estava. Cabelo extremamente bagunçado, olhos borrados por rímel preto, expressão de decepção iminente. Despiu-se rapidamente, adentrando o mínimo box de vidro, deixando que a água quente escorresse pelos seus cabelos, relaxasse seus ombros, clareasse sua mente. Era melhor assim, não? Eles haviam transado, Klaus conseguira o que queria, a deixaria em paz dali por diante. Viveriam suas vidas separadas. Exatamente o que ela desejava. Katherine riu sem humor algum, encostando a testa no vidro gelado. Mas que grande mentira ela estava tentando impor a si mesma.
Mas enfrentaria aquilo de cabeça erguida, o que aprendera a fazer durante toda a sua vida. Terminou seu banho rapidamente, o nariz erguido no ar, sua melhor expressão de força impressa no rosto tão jovem. Deixou o cabelo molhado, vestindo a camisa que pertencia ao filho do pastor. O decote formado pelos inúmeros botões que ela não se preocupara em fechar era tão acentuado quanto o do vestido destruído, mas aquela peça não lhe marcava as curvas como a anterior, muito pelo contrário. Somente deixava uma parte de suas coxas descobertas, mas, avaliando-se no espelho uma última vez, Katherine gostou do que viu. Havia um apelo diferente em vestir uma roupa que pertencia a Klaus, uma sensualidade escondida na dobra das mangas, traços do perfume amadeirado que ele usava memorizados no tecido. Calçando seus bons e velhos sapatos de salto negros, um último suspiro prolongado antes de reabrir a porta.
Klaus servia-se de outra xícara de café, ainda entretido pelo mesmo celular que a garota vira antes em suas mãos. Ela não esperava que ele a olhasse instantaneamente, e ele não o fez, confirmando todas as suas expectativas. Katherine forçou um riso baixo, encostando-se no batente da porta, da mesma maneira que ele fizera alguns minutos antes.
- Então, é agora que você me manda embora da sua vida? – Sua voz saíra baixa, doce, sensual, de uma maneira que ela realmente não esperava. Com os braços cruzados sobre os seios, a garota esperava o filho do pastor esboçar uma reação, o coração sem sossego em seu peito.
Mas a única coisa que Klaus fez foi sorrir. Abrir aquele sorriso de canto de lábios extremamente atraente, antes de tomar mais um gole de café, largando a xícara e o celular em cima da pia sem muito cuidado. Os olhos azuis a encaravam de uma maneira que tirava qualquer vestígio de oxigênio de seu corpo, a cada pequeno passo que ele dava em sua direção. Foram milésimos de segundo que separaram as duas ações seguintes, quando ele chegou perto demais da garota, escorregando suas mãos por suas costas, até que chegassem as suas nádegas, onde ele as posicionou estrategicamente para puxar o corpo de Katherine para cima. A dor localizada no alto de sua cabeça quando ele a prensou sem cerimônias contra a parede logo foi esquecida. Suas pernas se posicionaram, quase que automaticamente, ao redor da cintura do filho do pastor, como se pertencessem aquele lugar. Testas coladas e olhos que não conseguiam desgrudar-se, uma mistura dos azuis e dos castanhos, e a boca tão macia de Klaus deslizando sobre a dela, sem pressa, mas despertando nela aquele sentimento tão conhecido e ao mesmo tempo tão estranho. Aquela vontade de mandar o mundo pro inferno. Como se o mero contato físico entre os dois fosse seu remédio para aplacar todas as dores que lhe afligiam. Como morfina. E a dose diária necessária pra sua sobrevivência se tornava cada vez maior.
Quando Klaus finalmente a beijou, o resto ficou em segundo plano. Todos os medos, todas as preocupações. O modo como as bocas se moviam uma contra a outra nunca fora tão urgente. Tão essencial. Igual, mas de certo modo diferente. O gosto de café da boca dele destruía cada traço de duvida, extinguia dela o queKatherine chamava de sanidade. A mão dele voando pelo seu corpo despertava lembranças que a deixariam vermelha se ela não estivesse tão concentrada emKlaus. Ele sugava seu lábio inferior lentamente, e aquela resposta era suficiente. Não. Ele não a tiraria de sua vida. Ao menos não naquele momento.
A garota não queria deixa-lo ir quando ele fez menção de afastar-se. Jogou os braços em volta de seu pescoço, puxou-o mais perto. E pela primeira vez Klaus deixou que ela o comandasse, que recomeçasse mais um beijo, seguido de inúmeros outros, até que não passassem de toques de lábios repetidos, a tensão sexual presente somente nos olhares profundos e cheios de significados que os dois trocavam. Mas ambos sabiam que por mais que quisessem externar todos os desejos ocultos de suas mentes pecadoras e jogar cada peça de roupa no outro lado do cômodo, não podiam. A realidade os chamava baixinho a cada tique-taque do relógio. Depois do último beijo trocado, o mais longo deles, Klaus sorriu. Um sorriso diferente dos outros. O tipo de sorriso que faria Katherine sorrir junto.
- As vezes você é tão tola, meu bem – ele soprou em seu ouvido, antes de depositar os lábios suavemente sobre seu pescoço – Mas eu gosto. É sexy.
- Não me provoque – Katherine devolveu, deslizando as unhas compridas sobre a camisa clara que ele vestia, quase como uma punição – Você não sabe o quão irritada eu estou depois que descobri que não precisava ter detonado meu pescoço naquela maldita moto lá fora, quando aqui dentro havia uma cama extremamente confortável.
- Isso. Minta pra mim. Diga que não gostou. Diga que não vai ficar na sua memória pela eternidade – Ele a soltou de repente, voltando para sua xícara abandonada. Katherine bufou ao notar que o maldito sorriso de escárnio habitava seu rosto novamente. Outra grande piada. Ela era uma grande piada para ele.
- Você é impossível – ela resmungou – Me faz ir de 0 a 100 num minuto, e depois voltar ao 0 drasticamente. Odeio você.
- Igualmente, meu bem, igualmente – Mas ele já não estava prestando atenção em Katherine. Um ronco de motor do lado de fora do posto de gasolina o havia atraído. Ótimo. Mais bandidos. Todos os que ela havia conhecido na noite anterior não foram suficientes? Seguindo Klaus até as grandes portas de vidro, ela espiou por cima de seus ombros largos. Estacionada ao lado de uma das grandes colunas brancas, havia uma moto muito menos impressionante do que a Harley Davidson que Klaus possuía. Era simples, de um azul elétrico chamativo demais, com labaredas de fogo gravadas nas laterais. Montados nela, um casal excessivamente excêntrico para ser verdade. A garota de longos cabelos muito loiros e cacheados usava sapatos de saltos roxos que faziam o par perfeito com o vestido lilás estampado com gatos brancos, o qual balançava em suas tentativas de levantar-se. Como haviam convencido-a a colocar o capacete negro, Katherine não fazia ideia. O garoto que estava na direção era alto e magrelo demais, olhos assustadoramente roxos e um sorriso quase desconfigurado de tão esticado, se vestia como o Klaus da noite, jaqueta de couro sobre camisa xadrez e calça jeans gasta demais. E para seu desgosto, a garota conhecia as duas figuras que agora brigavam ao tirar os capacetes. Angelina e John. A irmã e um dos amigos de boate de Klaus.
- Nic! – A voz estridente de Angelina ecoava pelo posto abandonado, uma agitação nervosa em cada passo que ela dava na direção do irmão – Esse crápula nojento dos infernos tentou me assediar de casa até aqui. Por que você não pediu para o Flanagan ir me buscar? Ele ao menos é um cavalheiro.
- Shh, não tenho tempo pra isso agora – A seriedade havia voltado ao rosto do garoto, as mãos no bolsos da calça enquanto ia na direção de John – Leve Katherine lá pra dentro. Você sabe o que fazer. Tenho assuntos mais importantes que suas histerias para resolver.
- Grosso. Por que eu te faço favores mesmo? – Angelina já empurrava Katherine de volta ao apartamento improvisado, resmungando baixarias pelo caminho.
- Porque eu te pago muito bem pra isso – Foi a última coisa que a garota ouviu antes que a porta fosse fechada com força. Angelina girou os calcanhares quase em câmera lenta, jogando a intensidade dos grandes olhos cinzas em cima de Katherine. Eram os mesmos olhos da matriarca dos Michaelson, intimidadores, como se conseguissem ler cada linha fora de ordem dos pensamentos da garota. Naquela situação, eles a analisavam de cima abaixo, como se medindo cada centímetro bagunçado que era Katherine naquele momento.
- Eu realmente não sei se quero saber o que vocês dois aprontaram ontem – ela empinou o nariz, dirigindo-se a uma grande bolsa cor de rosa que a garota não havia notado inicialmente – Mas eu vi os restos do vestido lá fora. Que pena. Parecia bonito.
- Ahn – ela realmente não sabia a resposta apropriada praquilo. – Por que você está aqui, mesmo?
- Porque você não vai querer chegar em casa desse jeito – Angelina organizava ordenadamente objetos sobre os lençóis bagunçados da cama de casal do lugar – E você por acaso reparou no olho do meu querido irmão? – Ela parou subitamente, encarando Katherine por um segundo – Espera, não foi você que fez aquilo, foi?
- Não! Foi Patrick...
- Ah. O bonitinho. – Angelina deu de ombros – Ao menos ele não é um nojento como John. Argh. Bom, venha cá. E não reclame, não é nada fácil achar um modelo decente às pressas. Num domingo de manhã. No fim do mundo.
Ela segurava um vestido cor de creme, com alças de um verde envelhecido e pequenas flores roxas por toda a sua extensão. Aquele, definitivamente, não era o tipo de roupa que a falsa rebelde usaria de jeito algum. Ela só precisava achar um jeito de dizer aquilo para a senhorita olhos de gato.
- Hm...
- Katherine, meu bem – Angelina usava a mesma maldita expressão eternizada pelos lábios pecadores de seu irmão. Nada bom. – Nic me disse que você seria...resistente. Mas não é uma opção. E hoje não é um dia qualquer. Vista a droga do vestido, sim? Você vai entender tudo mais tarde. – A peça de roupa fora jogada de qualquer jeito na direção da garota, enquanto a patricinha da família Michaelson procurava alguma coisa entre as milhares de inutilidades que havia posto em cima da cama. Bufando, vestiu-o, voltando para o banheiro para poder admirar-se no espelho oval. A garota precisava admitir que o vestido lhe caia bem, marcando sua cintura e destacando seu colo. Mas continuava a ser um vestido de menininha. Katherine chegou à conclusão de que estava no sangue dos irmãosMichaelson serem desprezíveis e controladores.
- Viu? Ficou lindo em você. Eu sou genial – ela batia palminhas nervosas, como um poodle adestrado ao realizar um truque corretamente - Agora vamos. Antes que aquele babaca lá fora chegue e atrapalhe minha obra de arte – Angelina puxou-a pela mão, levando a garota até o sofá estampado onde Klaus havia dormido. Sentando-se desconfortavelmente, deixou que a mais nova arrumasse seu cabelo e maquiasse seu rosto limpo. Ela se sentia como uma Barbie. Muda, suscetível, controlável e com uma expressão plastificada. Katherine nunca gostara das bonecas. Elas sempre foram a idealização de tudo que a garota abominava. Bonecas infláveis provavelmente recebiam mais simpatia dela do que as populares melhores amigas de menininhas podres de ricas.
Alguns minutos depois Klaus adentrou o imóvel, as sobrancelhas unidas por uma ruga de preocupação em sua testa. Caminhava de um lado para o outro, resmungando coisas ininteligíveis, mandando mensagens em seu celular. Angelina bufava, atribuindo ao irmão mais velho apelidos nada elogiáveis. Contando até mil, Katherine esforçava-se para não gritar. O filho do pastor devia algumas explicações fundamentais para ela.
- Pronto, pronto! – A loira exclamava, observando a outra novamente, ajudando-a a calçar seus sapatos negros– Você até parece uma garota normal agora. Quando precisar, é só me ligar. Faço um preço especial pra heroína que consegue dormir com meu irmão sem mata-lo sufocado – Virando-se para Klaus, ela sorriu – Sua vez, maninho.
Ele levantou uma sobrancelha para ela, o que era um sinal irrefutável de perigo. O garoto não estava em seu melhor humor, e isso transparecia em seu rosto. Deixando que a irmã lhe aplicasse corretivo nos machucados coloridos, ele observava Katherine pelo canto dos olhos, os lábios rígidos em uma linha fina. A garota não sabia como agir. O silêncio no ar parecia errado e pesado, como se alguém houvesse morrido naquela sala e um luto involuntário tivesse sido instaurado ali. Mentes perturbadas viajavam por caminhos sinuosos, bolando estratégias, planos triunfais e próximos passos. Próximas jogadas.
O olho antes machucado de Michaelson agora parecia perfeitamente normal. Angelina tinha um dom com pincéis e bases, isso era impossível negar. Ela encarava o irmão com seu melhor olhar triunfal, e o garoto só pode fazer rir e abraçar a caçula. Aquilo era algo interessante. O afeto que Klaus só demonstrava pela irmã, o cuidado com que a segurava e o modo como sorria pra ela. Era um lado do filho do pastor que Katherine não conhecia, e duvidava que um dia fosse. Para ela não havia carinho. Só provocações ao pé do ouvido, implicância mascarada e postos de gasolina abandonados. Não que ela se importasse. Ela não o fazia. Não. Com certeza não. Definitivamente não. Não.
Passado o momento 'Ursinhos Carinhosos'*, as atenções foram voltadas a parte não integrante da família Michaelson naquela sala. Pares de olhos cinzas e azuis a encaravam, a mediam, a analisavam. Uma sensação de ter que provar algo para aqueles dois, provar que era boa o suficiente, que podia agrada-los, tomava conta da pequena órfã. Ela tentava esconder isso no buraco mais profundo de sua alma, fingindo que os ignorava, que não valiam nada para ela. Klaus foi o primeiro a quebrar o silêncio, proferindo palavras sobre a garota, mas que não eram dirigidas para ela.
- Eu me curvo a você, Angelina. Realmente, um trabalho excelente. Era exatamente o que eu precisava – os imensos olhos azuis não haviam desgrudado um minuto sequer de Katherine, e ela não sabia por que despertava tanta atenção dele agora. Não tivera a oportunidade de olhar-se no espelho, mas não sabia o que de tão importante poderia ter em sua aparência.
- Ela parece um anjo, não parece? – A mais nova soprava, sonhadora – Eu disse que você podia confiar em mim, bebê. Eu sou sensacional. Ainda não entendi exatamente o porquê de tudo isso, mas...
- Você não precisa. – ele cortou-a, um tom duro na voz. – Ao menos não agora – Voltando-se para Katherine, ele sorriu – É um dia muito importante, Ka. Um daqueles que ficam marcados na história. Você só precisa se comportar. – Ele aproximou-se, tomando o rosto dela entre as mãos – Promete que vai fazer exatamente o que eu disser?
- Você sabe que não, não sabe? Ao menos não até eu souber o que está acontecendo. – ela soprou, tentando não se deixar hipnotizar pelos olhos azuis.
- Vou te fazer mudar de ideia. Você sabe que vou. – Sem tirar os olhos da garota, dirigiu-se a irmã – John está te esperando lá fora. Você sabe o que fazer agora, Angs.
A menina resmungou, batendo a porta de vidro com uma força que Katherine não imaginava que ela possuísse ao sair. Roubando um beijo breve da garota a sua frente, Klaus abriu seu conhecido sorriso, oferecendo o braço direito para ela com um floreio.
- Hora de ir.
- Você não vai me dizer onde, certo?
- Qual a graça de um aniversário sem uma boa surpresa?
Abrindo a porta de vidro, Katherine vislumbrou um carro de pintura prata extremamente polido.


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