Capítulo 19 - Smooth Criminal

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A vida às vezes é feita de clichês, de frases feitas repetidas até a exaustão completa, de sentimentos prontos e cenas vazias. Toda criança cresce com noções de tudo que é natural e aceitável, assim como toda uma bagagem de ditos populares e sabedoria da terceira idade. Então, quando se dizia que confiança era como um espelho, o certo era acreditar. Porque por mais desvalorizados que sejam os ditos clichês infernais, ninguém no mundo ainda conseguiu provar sua total ineficiência. Assim como nem um único ser humano fora capaz de juntar pedacinho por pedacinho de vidro quebrado e transformar num refletor perfeito outra vez. Havia sempre rachaduras aqui e ali, pequenas imperfeições que, em um descuido qualquer, fariam sangrar os corações dos mais desavisados. Então era tão mais simples largar todos os cacos no chão, sair correndo para lugar nenhum e começar tudo novamente. Doía muito menos e parecia especialmente mais eficiente em tempos onde há desconfiança até da própria sombra e dos pensamentos proibidos e perigosos que nos rondam em noites de pesadelo. Mas as noites nem sempre eram assustadoras. As noites acolhiam seus filhos perdidos, aqueles corajosos o suficiente para se aventurar em seus domínios, desbravando campos antes nunca explorados e sensações esquecidas desde o tempo dos antigos deuses gregos. A noite era uma mãe bondosa, prestes a acolher sua criança mais perdida novamente, abraçando-a protetoramente, mas advertindo que tempos difíceis e obscuros estavam chegando. O segredo era aproveitar a escuridão, e talvez até mesmo a ignorância, enquanto ainda houvesse chance.
O barulho de saltos vermelhos na estrada de concreto era abafado por risadas altas e conversa fiada de desconhecidos espalhados pelas calçadas sujas, bebendo cervejas baratas e consumindo todo e qualquer tipo de droga que houvessem encontrado pelo caminho. As vielas escuras cheiravam a fumaça e podridão, prostitutas de baixíssimo escalão mascando chicletes estridentemente encostadas em muros pichados, discutindo com seus cafetões momentâneos. A lua não ousara aparecer, e até mesmo o ar parecia cada vez mais pesado e difícil de respirar. Mas
Katherine ignorava tudo a seu redor. A cabeça permanecia erguida, os longos cabelos castanhos volumosos e bagunçados, os olhos brilhantes apagados por camadas infinitas de rímel e delineador negros que refletiam o estado de sua alma naquela noite. As meias 7/8 que usava eram pretas, quase translucidas, presas a uma calcinha de renda de mesma cor por cintas-ligas de laços de cetim, o mesmo cetim rendado do sutiã meia-taça. Sutiã este que tinha uma história agora trágica e odiosa. A mesma lingerie que usava no primeiro dia, há muito tempo atrás, num encontro lascivo onde certo ser humano cujo nome ela evitava repetir mostrara quem era de verdade. A ele pertencia também a jaqueta de couro indefectível, que afinal era a única peça de roupa propriamente dita que cobria seu corpo. Nos lábios, pintados de um vermelho ainda mais intenso do que o dos sapatos, vinha pendurado um cigarro aceso, herança perdida de uma época onde aquela era exatamente a imagem que ela queria representar. Uma encrenqueira de marca maior, uma prostituta roqueira de luxo que atormentava os pesadelos de mães e namoradas preocupadas com seus garotos puritanos. Naquele corpo agora habitava uma rebelde nada falsa, sedenta por um acerto de contas onde ela sairia vencedora.
Cantadas escrachadas e absurdamente nojentas eram entoadas por vozes bêbadas e enroladas a cada novo passo e gingado de quadris de
Katherine. O medo que outrora consumia cada célula de seu corpo nervoso agora já não passava de uma brisa distante, uma lembrança amarga que corroia seu cérebro. Não havia um só ser que ousaria mexer com ela naquele estado de fúria fatal no qual se encontrava. E essa verdade era refletida em seus grandes olhos castanhos, cruéis e avassaladores. Caminhando pela calçada de concreto irregular em meio a um mar de palmeiras verdes, os holofotes a atingiram em cheio, pintando seu corpo de dourado e vermelho. Pessoas saiam de seu caminho, como se sentissem o aroma dos pensamentos nocivos que se passavam por sua mente perturbada. Como uma coluna grega de mármore negro, um antigo conhecido seu guardava as imensas portas de madeira que escondiam a estrada para o inferno. Zumiô abriu seu sorriso desfigurado para a garota, rosnando para algum vagabundo qualquer que tentava empurrá-la para trás.
- Senhorita Dawson – A voz grave tentava emitir alguma simpatia, embora fosse praticamente impossível para o segurança demonstrar certas emoções – O senhorMichaelson não está a acompanhando esta noite?

- Não, por enquanto – seus lábios se estreitaram num sorriso maligno, antes que ela tragasse o cigarro lentamente – Mas algo me diz que logo
Klaus estará juntando-se a nós.
Rumores em cidades pequenas se alastravam como fogo em gasolina, rápidos e destruidores. Quanto tempo levaria para que chegasse aos ouvidos do filho do pastor que sua imaculada namorada desfilara pelas ruas da cidade semi-nua, entoando palavrões como se fossem poesia para aqueles que tentavam pará-la, antes de tomar um táxi clandestino até a cidade vizinha? Não duvidava nada de que
Klaus já corria desesperado agora, o sangue fervendo sob as veias, direto para a boate. Tão típico dele, tão útil a ela. Como uma aranha tramando uma teia envolta de sua presa, Katherine adentrava o já conhecido corredor de espelhos, as letras em neon atraindo sua atenção novamente. Afastando a cortina negra com uma das mãos, constatou que o lugar continuava exatamente como lembrava: os cheiros distintos, o sexo por todos os lados, as drogas escondidas embaixo de mesas e as prostituas desfilando em suas lingeries coloridas. O rock soava alto nas caixas de som, e ela deixou-se levar pelos acordes de guitarra até a pista de madeira, dançando conforme a música permitia, jogando os cabelos aqui e ali, o cigarro acabando em sua boca molhada. O calor espalhava-se, a dominando lentamente, o murmurinho das pessoas chegando ao seus ouvidos e fazendo-a rir histericamente. Mãos fingiam esbarrar em seu corpo despreocupadamente, quando ela sabia que a intenção real era aproveitar-se daquilo discretamente. Fora tão usada, o que custava ser usada um pouquinho mais? Era endeusada por homens vestidos de negro, que sussurravam ao seu ouvido e então a viam fugir para o outro lado, um sorriso sacana se formando na profusão de vermelho. Até que uma mão macia agarrou seu ombro, as compridas unhas pintadas de rosa machucando sua pele. Kitty a encarava, preocupação estampada em seus grandes olhos azuis. Ela já não usava roupas intimas, somente um vestido roxo de um ombro só, sapatilhas douradas nos pés e o cabelo negro caindo em cachos ao redor do rosto pálido. Totalmente mudada.
-
Katherine, querida. O que faz aqui? – ela sussurrava, olhando freneticamente para os lados, como se esperasse que algum tipo de maníaco pulasse em cima das duas – Ainda trabalho no bar, então vi quando você chegou. Está tudo bem?
- Tudo maravilhoso! Não poderia estar melhor! – respondeu histérica, desvencilhando-se da mulher e tentando voltar sua atenção para qualquer um que estivesse balançando ao seu redor, somente para não ter que passar por aquela situação estranha e sufocadora demais para que ela mesma conseguisse aguentar.

- Não, não está – Kitty tentava pará-la em vão, a voz chorosa num misto de puro medo e pena pela garota que se encontrava a sua frente, totalmente perdida e destruída–
Katherine, eu sei que você está magoada por tudo o que aconteceu, mas você não pode se colocar em risco assim! É insano! Você tem noção do que poderia ter acontecido lá fora? Você tem noção do que pode acontecer aqui dentro? Esse lugar não é pra você. Saia daqui. Por favor. Eu te imploro.
- Kristina – o veneno espalhou-se por sua língua, seus longos cílios piscando lentamente em puro desprezo, o rosto pela primeira vez exibia um domínio e um poder que assustariam facilmente criancinhas prontas para um sono tranquilo. Metade do seu coração agora era negro e pesado, corrompido por mentiras continuas e falta de amor – Vá se foder. Por favor. Eu
não pedi sua opinião, não preciso de seus conselhos. Não interfira na minha merda de vida. Eu sei muito bem o que diabos eu estou fazendo.
-
Katherine... – as lágrimas manchavam agora sua pele branca como a neve, as mãos tremendo sob o ventre, cruzadas sobre ele como se tentasse proteger algo mais importante do que sua própria vida, até que uma figura masculina apareceu atrás dela, protetora, puxando-a delicadamente para o lado e oferecendo um lenço de papel tirado de um bolso em conforto.
- Obrigada por me ligar, Kitty. Vá descansar um pouco, de preferência em casa. Eu assumo daqui. – Patrick sorria para ela tranquilo, afagando seu braço com cuidado – Flanagan não vai ficar nada contente comigo se eu deixar algo de ruim acontecer a sua esposa e ao seu bebê. Vá.

Bebê. Grávida. Kitty estava
grávida. A culpa por tê-la tratado daquela maneira tão hostil desceu por sua garganta rapidamente, como um gole de whisky amargo demais. Mas não durou muito. Logo os olhos cor de mel de Patrick estavam encarando os seus e havia algo em seu rosto que doía. Uma pontada mínima no coração. E aquilo era decepção. Patrick estava com as mãos nos bolsos do casaco de moletom azul marinho, jeans desbotados acompanhando coturnos bem polidos, o semblante fechado, quase como se esperasse alguma coisa. E então Katherine sorriu, aproximando-se devagarzinho, plantando as mãos nos ombros largos e se permitindo inalar altas doses do perfume cítrico que era sua marca pessoal. Seus olhos castanhos piscavam demoradamente, um tipo de sedução barata que se aprendia em filmes de sessão da tarde, mas ali não parecia surtir muito efeito. Homens xingavam baixinho, reclamando alto da falta de ações de Patrick, enumerando o que fariam se tivessem uma garota como aquela pendurada em seus pescoços. Ele não respondia. Continuava mantendo o olhar firme, os lábios numa linha quase invisível antes de soltar as palavras num sussurro que só Katherine poderia ouvir.
- O que você está fazendo aqui,
Ka?
- Me divertindo! – a garota riu nervosa, afastando-se momentaneamente para voltar a dançar provocante, jogando beijos para estranhos que assobiavam em mesas escondidas – Não é para isso que viemos a lugares como esse?

- Não minta pra mim – E então ele segurou seu braço fino de modo apertado, sem que machucasse, mas o suficiente para que ela parasse e escutasse – Por favor, não faça isso comigo
Katherine. Me diga que você não está aqui por um plano de vingança bobo que inventou de última hora. Não vale a pena. Nós temos as coisas sob controle. Não se machuque por nada.
- Por que você está sendo tão malvado comigo, Pat? – seus lábios se juntaram num biquinho manhoso, as mãos na cintura numa falsa indignação, antes de começar a caminhar sem direção, o homem a seguindo cauteloso – Eu
não estou com Klaus. Não estou me fingindo de santa. Não estou deixando que ninguém me controle. Qual o problema?
- O problema é que você se enfiou no pior lugar do universo para estar sozinha. E vestida... assim. – olhando para trás por um minuto,
Katherine notou que o lábio inferior de Patrick tremia, seus olhos procuravam por pontos incertos, longe das cintas-ligas ou da renda do sutiã, tentando focalizar quadros nas paredes e holofotes presos ao teto. Mordendo o próprio lábio inferior, ela se aproximou novamente, brincando inocentemente com o zíper que fechava o casaco dele, encostando a cabeça em um de seus ombros.
- Você não gosta? Achei que estivesse gostando. Que pena. – Sua boca agora passeava sem rumo pelo pescoço exposto do loiro, as mãos brincando com seus cachos bagunçados, a voz baixa o suficiente para que só os dois soubessem o que se passava por ali.

-
Katherine, não.
- Por que? – ela agora beijava seu maxilar, passando pelo queixo e subindo até as bochechas, grudando os corpos e posicionando as mãos dele sobre seus quadris, a temperatura corporal subindo um ou dois graus, quase os deixando num estado febril. Os olhos cor de mel pareciam mais escuros, mas ainda havia alguma coisa em seu rosto, uma contradição, como se ele travasse a mais intensa e sangrenta batalha mental que já se houvesse tido notícia – Achei que você me quisesse.

- Você entendeu errado. – ele soltou o ar pesadamente, afastando-a um tanto relutante, uma expressão séria voltando a tomar conta de seu rosto. Aquelas três palavras fizeram os ombros de
Katherine despencarem, certa decepção tomando conta de seu corpo jovem. Mais mentiras? Ela não aguentaria mais mentiras. – Você entendeu tudo errado. Eu amo você, Katherine. E amo de verdade, como nunca amei antes. Você é linda e sensacional, e só Deus sabe o quanto eu te quero, o quanto eu te desejo. – E agora ela tremia um tanto, abalada pelo que ouvia, um pequeno furo surgindo em sua armadura imaginária que deveria ser de titânio. Parecia mais de açúcar – Mas não desse jeito. Eu te quero inteira, não aos pedaços. Não quero os restos envenenados que Klaus deixou. Quero que você seja minha, mas quero que você saiba que eu também sou seu. Eu vou te proteger enquanto eu posso, mas não assim, Ka. Desista disso. Venha comigo. Eu nunca vou te pressionar, eu sei que você precisa de tempo para se recuperar. Se reconstruir. Só me deixe ficar ao seu lado nesse período. Até que um dia talvez você esteja pronta pra me amar também. Me deixe cuidar de você. Por favor. – seus olhos cor de mel brilhavam, e ela já não sabia se aquilo era dor ou emoção. Mas ela podia ver o amor estampado neles, um amor que parecia ter surgido tão rapidamente num terreno de areia movediça, sem raízes para se sustentar, mas intenso e verdadeiro como o mar em um dia de verão. Bonito, mas triste. Um amor que ela não saberia apreciar. Um amor que veio na hora errada. Endireitando a postura e levantando o nariz no ar, Katherine imitou o melhor sorriso irônico que pôde aprender com certo filho do pastor, e mesmo que doesse agora, aquilo era o melhor a ser feito.
- Bom, se você não quer, eu vou arrumar alguém que queira. Passar bem, Patrick.

Empurrando pessoas aleatórias sem quaisquer pedidos de desculpa, a tentativa de fuga dos chamados do loiro era um tanto complicada, não só pela multidão enlouquecida em seu caminho, mas pela sua consciência ainda pesada devido aos poucos resquícios dos dias em que vivera num sem fim de emoções a flor da pele. A rebelde assumira seu lugar novamente, mas ainda havia um fundo da garota imaculada que tentara ser, um pedacinho daquela alma que ela guardara para aqueles que merecessem conhecê-la e apreciá-la de verdade. Definitivamente não para
Klaus, mas talvez um dia para Patrick. Talvez em mil anos ou um pouco menos, quando seu coração voltasse a bater numa frequência minimamente normal. Mas ainda era extremamente cedo. As feridas deixadas ainda sangravam, sem parar. Enfiou-se num banheiro escuro, de azulejos que um dia deveriam ter sido brancos, mas agora não passavam de um amarelado encardido. As lâmpadas fluorescentes piscavam incansavelmente, e como num antigo banheiro de escola, nomes estavam escritos nas paredes. Encostando-se numa das pias solitárias,Katherine observava-se no espelho manchado, colocando os pensamentos em ordem e tentando fazer com que sua respiração voltasse ao normal. Despenteou os cabelos com as mãos rapidamente, e, encarando o reflexo de seus olhos castanhos mais uma vez, a certeza a dominou total e completamente. Nada era em vão.
Patrick não parecia estar em lugar nenhum, o que lhe deixava num estado de alívio um tanto infundado. Não devia nada a ele, nem uma explicação, nem um pedido de desculpas. A culpa
não era dela. Se apaixonou? Bom, meu amigo, agora aguente as consequências. O amor era uma droga, e das piores. A sensação no começo é fantástica, e então em seguida vem o vicio, as noites em claro, a dependência incontrolável, e então o puro caos. Com o amor, tudo sempre acabava em caos. Marcas eternas e dores que eram quase impossíveis de serem apagadas. Como pôde ser tão tola por ter caído num truque tão infantil quanto o amor? Talvez por nunca tê-lo recebido de verdade. Boba como era, prendeu-se a uma ilusão de que um dia poderia ter um pouquinho dele, uma amostra grátis qualquer. Mas o problema desse sentimento era simplesmente o fato de ser inteiramente especifico. O dito amor de Patrick não adiantava. O que ela até então desejava, nunca seria dela. O amor de Klaus não pertencia a ninguém, se não a ele mesmo. Aprendera isso da pior maneira, um pouco tarde demais.
Procurava por alguém, um homem qualquer no qual pudesse descontar e aliviar as tensões de seu mal fadado relacionamento, mas seu radar não parecia estar exatamente funcionando naquela noite. Todos pareciam ter algum defeito. Alto demais, baixo demais, barba em excesso, totalmente chapado, expressões de pura e total periculosidade. Nenhum parecia ser bom o suficiente, ou talvez suficientemente adequado para o que queria. Algumas prostitutas a olhavam torto, como se estivesse ali numa tentativa de roubar seus preciosos clientes. Talvez estivesse mesmo, mas só precisava de um. Quem sabe um que já tivesse visto antes em uma das noitadas não tão bem aproveitadas por ela, um que fosse agradável, jovem e bonito, um com o qual valeria a pena perder alguns minutos e compartilhar algumas experiências corporais interessantes. E então num piscar aflito de olhos, uma varredura imprecisa do local, ela ouviu as risadas. Risadas novas, divertidas, de um grupo que deveria ter mais ou menos a sua idade, talvez um pouquinho mais velhos, sentados ao redor de uma pequena mesa, bebendo alguns drinks e conversando animadamente. Foi necessário só um olhar para identificá-lo, e poucos segundos para lembrar-se. Os olhos negros continuavam intensos, os lábios finos se esticavam num sorriso tão bonito quanto sensual, as luzes roxas do local fazendo o pequeno piercing em seu nariz brilhar, e escondendo as cores dos seus vários
dreadlocks presos na parte de trás de sua cabeça. Schmidt não mudara, nada, exceto as roupas, antes o uniforme totalmente preto do Incatatem, agora uma regata branca de gola cavada coberta por um cardigã verde-escuro, os jeans rasgados na altura do joelho e All Stars cinzas e limpos. Bonito como sempre, intimidador como nunca. Boom. Era ele mesmo que Katherine queria.
Não foi preciso muito esforço, no entanto, para que ele a notasse. Parada em frente a um dos pilares de sustentação do lugar,
Katherine sorria deliberadamente, os olhos quase como fendas estreitas, os lábios entreabertos e as mãos nos bolsos da jaqueta de couro. Os amigos do garoto foram os primeiros a repararem, assobiando sem discrição, elogiando-a incansavelmente. Até que ele levantou o rosto ligeiramente, sorrindo mais ainda ao perceber quem se tratava, mas olhando pros lados como se procurasse alguém. Rá. É claro que ele procuraria. Não tendo encontrado nada, ou mais precisamente, ninguém com quem se preocupar, Schmidt caminhou até ela, sendo quase ovacionado por seus companheiros quando chegou próximo o suficiente para que ela sentisse o aroma de loção pós-barba barata, cigarros e chicletes de canela, numa mistura ambiciosa e levemente exótica, quase inebriante.
-
Katherine – a voz grave a atingiu em cheio, os olhos negros a prendendo num poço de escuridão e sexualidade, quase como se refletissem o quão desesperadamente ele gostaria de lhe devorar. Porque era isso que Schmidt era: um predador natural – Sem cão de guarda dessa vez?
- O cão de guarda dançou. Estava mais para um gatinho manhoso – suas mãos delicadas agora agarravam sem delicadeza nenhuma a gola macia do cardigã do garoto, puxando-o para mais perto, deslizando um de seus dedos compridos pelo rosto anguloso – E tudo que eu precisava era um leão.

- Você é uma garota de sorte, então – ele riu brevemente da comparação da garota, antes de agarrar sua cintura com força, uma das mãos escorregando por seu pescoço longo, subindo pela nunca até encontrar os cabelos castanhos, fixando-se exatamente ali, antes de umedecer os lábios lentamente – Acabou de encontrar o que precisava.

Sem um aviso ou pedido qualquer, Schmidt a beijou, a língua adentrando a boca da garota rapidamente enquanto puxava seus cabelos sem cuidado algum, encurralando-a contra o pilar de sustentação atrás deles, seus quadris pressionando os dela contra o tijolo frio. O beijo era exigente demais, intenso demais, a ponto de machucar. Não tinha a delicadeza de Patrick, nem mesmo aquele cuidado mínimo que
Klaus sempre demonstrava. Schmidt mordia o lábio da garota, suas mãos descendo pelo corpo semi-nu, apertando as coxas de modo que ela sabia que ficariam hematomas depois. Os beijos dele se concentravam agora em seu pescoço, duros, truncados, e Katherine fechava os olhos e tentava ignorar o fato de que uma das mãos dele adentrara seu sutiã ainda fechado, prendendo o bico de seu seio entre os dedos, quase esmagando-os, mas ela não sentia prazer nenhum nisso. Nem no modo como ele esfregava-se nela, voltando a capturar seus lábios. Porque mesmo que Schmidt fosse atraente, não havia desejo nenhum da parte dela. Não havia o fogo que somente algumas vezes ela havia presenciado, nem mesmo uma necessidade de que ele continuasse. A mais pura verdade era que Katherine se arrependera tão cedo, desejando que ele parasse, que não deslizasse os dedos para dentro de sua calcinha como agora ele tentava fazer, encontrando uma resistência grande da garota, o que talvez o tenha deixado mais aflito, sedento, até mesmo um tanto violento nas caricias. Como dizer não naquele momento, como afasta-lo, quando ele beijava a parte descoberta de seus seios e a prendia cada vez mais naquele aperto sufocante? Katherine poderia ter acertado uma joelhada exata em suas partes intimas, mas não foi necessário.
Antes fosse.

- Com licença – uma voz confiante soou pelas costas de Schmidt, e uma mão forte e conhecida agarrou um de seus ombros com força, fazendo com que ele largasse a garota e o encarasse – Não que eu queira atrapalhar alguma coisa, longe de mim, mas eu realmente não estou satisfeito em apreciar essa cena tão deplorável, principalmente quando está claro de que a dama em questão não está apreciando. Ah sim, devo lhe lembrar que a dama em questão é
minhanamorada, e que tenho grandes problemas de possessão? E de temperamento, obviamente. Mas isso você deve saber muito, muito bem. Ah não ser que você precise de um lembrete. – os olhos azuis brilhavam em fúria, as mãos fechadas em punhos e o lábio inferior tremendo em puro nervosismo. Uma bomba prestes a explodir, um perigo iminente sem chances de ser contido.
-
Klaus! Mas, ela...ela disse... – Schmidt gaguejava, sem saber exatamente para qual dos dois, Katherine com seu sorriso inocente e braços cruzados, ou Klaus que mais parecia um ser selvagem, um lobo despertado numa lua incorreta. Engolindo em seco, ele preferiu encarar o filho do pastor.
- Gabriel – o verdadeiro nome do garoto foi pronunciado com um ódio tão genuíno, um ódio que ela poucas vezes notara na voz de
Klaus, que Katherine levantou uma das sobrancelhas em surpresa, ansiosa demais para ver o final daquela presepada – Suma da minha frente. Suma e nunca mais apareça. E me escute bem – ele agora se aproximava, e Schmidt parecia se encolher, puro medo tomando conta de cada pedaço de seu corpo, os olhos implorando por um perdão qualquer – Se você encostar um dedo sequer em Katherine novamente, eu mato você, entendeu? Então não ouse, nunca mais, mexer com ela, se você tem algum apreço pela sua merda de vida.
Schmidt sumiu de imediato, correndo a passos largos e levando os amigos consigo. Foi então que ela reparou que a boate toda parara para assistir a cena, e que agora
Klaus a encarava, algo a mais nos olhos do que ódio, algo quase dolorido. Os lábios cerrados numa linha fina quando ele se aproximou, ela pôde finalmente reparar que o filho do pastor usava suas roupas diurnas, calças de linho negro e camisa de botões branca, os sapatos esmeradamente lustrados, os cabelos penteados para trás de modo perfeito. Os olhos azuis pareciam fazer uma análise de seu corpo descoberto, como se procurassem por algum machucado que Schmidt pudesse ter deixado, alguma mancha de sangue ou corte profundo na pele extremamente pálida da garota. Mal ele sabia que o maior ferimento ele mesmo havia produzido. Seu coração aos pedaços, sem possibilidade de ser remendado, deixado ao léu para agonizar sozinho.
- E você – a voz de rock pornô que ela tanto apreciava entoou, uma autoridade comedida refletida em cada nota – Venha comigo.

- Me obrigue –
Katherine sussurrou atrevida, um sorriso divertido surgindo em seus lábios, enquanto internamente ela tentava apagar a dor e todo o desconforto humilhante que Schmidt a fizera sofrer. Tinha que lidar com algo muito maior agora.
- Não brinque comigo,
Ka. – Klaus franziu o cenho, a expressão mal humorada e cansada tomando conta de seu rosto – Acho que temos alguns assuntos a discutir em particular.
- Ah, com certeza, assuntos muito divertidos – a garota aproximou-se o máximo possível, o mais perto que pudesse suportar, evitando inspirar profundamente para não ser traída pela hipnose causada pelo perfume amadeirado que ele sempre usava, para poder dizer as palavras certas no ouvido de
Klaus – Talvez devêssemos discutir no seu escritório subterrâneo. Você pode me mostrar alguns dos seus preciosos arquivos!
- Eu não sei do que você está falando – sua voz enfraqueceu, o corpo todo tensionado como resposta as palavras tão simples, mas tão poderosas, que acabara de ouvir.

- Não se faça de sonso,
Klaus. Esse papel nunca caiu bem em você. Não queremos mais um escândalo, não é? Me leve lá. Agora.

Klaus não sabia exatamente o que era, mas havia algo de diferente em
Katherine naquela noite, algo que o assustava. Como diabos ela descobrira sobre o escritório? O tom de voz que ela usara, a expressão em seu rosto, tudo com tanto nojo e revolta, e um prazer agressivo em humilhá-lo. Aquela não era a suaKatherine. A mulher que passeava entre os sofás de couro marrom, observando as prateleiras repletas de cadernos, parecia rancorosa e determinada. Sentando em cima da mesa de trabalho agora vazia, ela cruzava as longas pernas cobertas somente por aquela estúpida meia e aquelas estúpidas cintas-ligas, parecendo estupidamente sexy e despertando um desejo estúpido demais para que fosse saciado. Jogando todo o poder de seus olhos castanhos e de seus longos cílios negros em cima de Klaus, Katherine sorriu, um tanto maldosa, um tanto vitoriosa, mas com toda a certeza do mundo, perigosa.
- Então, senhor
Klaus Michaelson – agora ela roubava um cigarro de uma carteira abandonada por ali, brincando com ele entre as mãos, prendendo-o atrás da orelha direita – Arquivo Saxon. Eu sempre odiei o meu sobrenome verdadeiro. Por que não Arquivo Dawson? E claro, me deixe agradecer, porque agora eu finalmente tenho algo para tatuar nas costas. "737", bem grande. Você poderia pagar a tatuagem, não é? Ouvi dizer que embolsou uma bela quantidade de dinheiro.
- Ok, sem joguinhos,
Ka. Vamos falar sério. – Klaus tinha as mãos na cintura quando parou frente a frente com ela, depois de fechar a porta de alumínio com uma batida estrondosa – Quem te contou?
- E isso interessa agora? – Havia raiva em sua voz, de um jeito que ele nunca havia presenciado antes, mas também havia uma mágoa compreensível, mágoa esta que ele poderia aproveitar para contornar a situação. – Eu acho que não. Nenhuma tentativa de explicação, nenhuma mentira? Mas que progresso. Estamos finalmente conversando como adultos então.

- Adiantaria se eu explicasse? – Uma risada seca escapou de seus lábios, quase inconformada, um riso de desistência, de deboche – Você não veio aqui para me ouvir, veio? Aliás, muito bem calculada, essa sua vingança, meus parabéns. Me desmoralizar na frente da cidade inteira, me desmoralizar na frente de gente que me respeita, tentar causar ciúmes e me arrastar até aqui só para rir da minha cara. –
Klaus bateu palmas, fingindo comoção – Realmente Katherine, eu não poderia estar mais orgulhoso de você. Me surpreendeu, e falo isso com toda a sinceridade do mundo, já que, no momento em que eu colocar os pés em casa, Angel vai me matar.
- Acredito que tenha surpreendido mesmo. Por que, no mínimo, você devia acreditar que eu ficaria quietinha, chorando as minhas mágoas em casa, mas me curvando aos seus pés e te perdoando assim que você me chamasse de volta, como a boa e velha tola que eu sempre fui.

- Eu não preciso do seu perdão,
Katherine.
- Imaginei que não precisasse – Levantou-se num pulo, esbarrando propositalmente nele numa tentativa de passagem um tanto mal sucedida – Você nunca precisou de nada. Nada além de mim.

- Nesse ponto eu preciso concordar com você –
Klaus segurou-a firme pelo braço, puxando-a de volta para si, colando corpos e encarando-a com aqueles olhosazuis dominadores, mas agora um tanto suplicantes – Não preciso do seu perdão, é perda de tempo. Nunca o terei, não é mesmo? Mas preciso de você, mais do que nunca. Preciso de você perto de mim, sob os meus olhos, o tempo todo.
- Faz parte do plano? –
Katherine soltou, irônica, tentando sair de seus braços, erguendo o nariz no ar o mais alto possível. – Te deram um extra pra isso?
- Não – ele sussurrou, encarando descaradamente os lábios cheios e vermelhos dela, rindo sozinho da própria desgraça – É pura necessidade minha, mesmo.

Cobriu os lábios dela com os seus delicadamente, mas rápido o suficiente para que ela não pudesse fugir, tentando apagar a lembrança de ter visto aquela boca que tinha sido feita somente para beijá-lo, e a ninguém mais, grudada na de outro. O sangue fervia, o ódio voltava, mas nada disso podia ser transmitido a ela. Arrependeu-se, no momento em que
Katherine mordeu seu lábio inferior com força, a ponto de rasgá-lo, deixando o sangue escorrer em sua língua. Afastou-se de imediato, choque e decepção em seus olhos enquanto ele tentava limpar o líquido vermelho, sem sucesso algum. Katherine respirava fundo, o peito subindo e descendo sem parar, os olhos em chamas. Até que veio o primeiro tapa. Ele merecia. O segundo também. A marca vermelha dos dedos de Katherine em seu rosto, marcando sua pele, mostrando tudo que havia perdido. Tinha a garota nas mãos, tinha seu coração e seu amor, e agora via tudo isso escorrendo por entre suas mãos como água gelada.
-
Ka...
Um brilho transpassou os olhos castanhos, rapidamente, como se uma ideia brilhante tivesse lhe ocorrido. Aproximou-se, e, se pretendia ser sensual ou não,
Klaus não fazia ideia, mas ela era. Demais para a sanidade do filho do pastor. Puxando-o pelo colarinho branco, ela o provocava, seus lábios mal tocando o rosto do garoto, seu perfume atiçando-o, a temperatura de seu corpo enlouquecendo-o totalmente.
- Me responda
Klaus, e seja o mais sincero que essa sua alma podre permita que você seja- A garota soprava, desenhando o contorno da boca dele com o dedo indicador – Você me quer? Você me deseja, aqui e agora, uma última vez?
Um sussurro inaudível escapou do garoto.

- Mais alto.

- Cacete! Mais do que eu quero permanecer vivo. Porra,
Katherine...
- Implore.

- O que?

- Você me ouviu. Fique de joelhos e implore. – seu sorriso nunca fora maior, e que inferno, nunca fora tão atraente,
Klaus se castigava.
- Pra que? – Riu sem humor algum, ainda que aproveitasse o toque suave onde antes havia a dor – Pra você dizer um "não" e me deixar aqui sozinho, louco por você? Me humilhar te faz bem, não é? Eu sei que mereço, não vou negar. Mas eu não vou facilitar as coisas pra você.

- Não confia em mim?

- Deveria?

- Bom, eu nunca desonrei minha palavra, não é?

Klaus avaliou a situação, pesando os prós e os contras, e chegando a conclusão que não tinha muito a perder. Não agora que ela o odiava. Respirando fundo, ajoelhando-se lentamente, os olhos batendo na barra da calcinha negra que ela usava, a vontade de passar os lábios por ali crescendo forte em seu peito. Mas ele não teria coragem de olhar nos olhos dela. Mas sabia que a garota o obrigaria, que queria sua humilhação total, no momento em que seu joelho acertou levemente o queixo dele, forçando-o a olhar para cima e soltar as palavras que ela queria tanto ouvir. O que o amor não fazia. Te colocava nas situações mais esdrúxulas e improváveis, e mesmo assim você fazia loucuras, mesmo que não houvesse certeza alguma de recompensa. Ele o fez, só pela esperança de ser permitido toca-la mais uma vez, adorar aquele corpo que ele tinha certeza ter sido moldado no dele, tentar uma última vez convencê-la a não mandá-lo embora de sua vida. Com esse pensamento em mente,
Klaus proferiu:
- Por favor,
Katherine. Eu te imploro. Seja minha, só mais uma vez. Por favor.

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