Conto: Minha irmã pegava tudo

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Minha lembrança mais antiga é de Christina sentada em cima do meu peito, puxando meu cabelo e gritando "me dá!".

Eu chorava e segurava minha boneca com força. Falei: "Você vai quebrar a Priscilla!"

Christina pegou minhas orelhas e puxou com tanta força até que ouvisse barulhos estridentes dentro da minha cabeça. Afrouxei a mão do vestido de bolinhas da boneca. Christina a puxou e correu do quarto dando risadinhas. "Ela é minha agora. Minha, e você nunca mais vai vê-la."

Corri até mamãe. "Christina roubou a Priscilla", falei.

"Calma, querida, ninguém gosta de uma dedo-duro. Vocês devem compartilhar seus brinquedos."

"Mas Christina rouba todos meus brinquedos!"

"Ah, não seja tão dramática. Pronto, vá se limpar e ficar pronta para o almoço."

"Pega tudo! Eu odeio ela."

Mamãe me pegou pelos ombros. "Nunca mais fale assim da sua irmã, entendeu? Isso é uma coisa horrível de se dizer. Ela te ama."

No almoço mamãe me fez pedir desculpas pelo o que eu tinha dito. Christina sorriu ironicamente do outro lado da mesa. Acho que foi nesse momento que ela percebeu que sempre iria se safar.

Encontrei Priscilla enterrada no roseiral uma semana depois. Seu cabelo tinha sido cortado e seus membros de plástico queimados até ficarem encolhidos e negros. Enterrei meu rosto no seu vestido sujo e chorei. Desculpa, Priscilla, desculpa por não ter segurado mais forte. Quando me voltei para casa, Christina estava sorrindo da janela de seu quarto.

Christina roubou outras coisas enquanto crescíamos. Ela descobria onde eu escondia meus brinquedos e os quebrava enquanto estava com seus amigos. Pegava minhas roupas preferidas e dizia a mamãe que eram dela. Uma vez convidei uma amiga para dormir em nossa casa e Christina ficou a olhando-a noite toda. No outro dia na escola, ela encurralou a menina e disse que ela poderia sentar na mesa da "galera legal" se parasse de falar comigo.

E sempre carregava aquele sorriso, aquele sorriso iluminado. O tempo todo todos diziam o quão linda ela era, mas isso só porque não estavam olhando perto o suficiente. Se eles conseguissem ver o que eu via... Se eu conseguisse mostrar para eles, uma vez só...

Quando tinha dezesseis anos, me apaixonei. O nome dele era Derek, e sentava do meu lado na aula de biologia. Era alto, lindo de doer e tinha um ótimo senso de humor. Ficava muito intimidada para falar com ele no começo, mas havia uma bondade em seus olhos que fazia você se sentir totalmente a vontade para conversar. Ninguém me fazia rir como ele fazia, e eu ia embora da aula todos os dias me sentindo iluminada.

Um dia depois da aula, parei do lado do armário dele. Perguntei sobre o dever de casa, mas não ouvi sua resposta. Queria perguntar sobre o baile de inverno. Meu coração estava disparado e mal conseguia respirar. Ele era tão magnífico e eu tão entediante, mas sabia que poderia o fazer feliz se tivesse a chance. Ele fez uma piada sobre o professor de biologia e apertou meu cotovelo ao mesmo tempo. Abri minha boca para falar do baile mas vi Christina vindo em nossa direção no fim do corredor.

Dei tchau rapidamente e sai de perto dele. Orei para que ela não tivesse visto. Olhei para cima quando passamos uma pela outra. Tentei esconder, mas sabia que tinha visto o medo em meus olhos. Sabia por causa daquele sorriso.

No dia seguinte lá estava ela no armário dele, dando risadinhas, enrolado o cabelo e tocando no braço dele. Algumas noites depois ouvi os passos dela e de outra pessoa subindo as escadas cautelosamente. Mamãe estava ferrada no sono, mas o quarto de Christina era do lado do meu, eu ouvia tudo. Noite após noite sempre os mesmos passos na escada e depois os sons abafados que vinham do quarto dela que eu tentava não ouvir.

O Lado Negro 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora