4. Amêndoas Amargas

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Meu dedinho deve estar o dobro do tamanho, pelo menos em dor está.

Acendo o facho da lanterna e caminho até o quarto de Monstrinha. Ninguém percebeu que estamos sem energia elétrica. Lili está dormindo de boca aberta com as pernas jogadas por cima da barriga da mãe. Elisa deve estar muito chapada com seus comprimidos para dormir, pois parece nem estar desconfortável. Isa está no colchão no chão respirando de forma ritmada.

Fecho a porta do quarto e volto para a sala. Olho da janela e aponto a lanterna: um carro sedan com a frente destruída, de encontro ao poste. Mais um para as estatísticas do feriado.

Será que alguém já ligou para uma ambulância?

A porta do carro está aberta, mas a luz da lanterna é fraca demais para revelar se foi o motorista que saiu ou alguém apareceu para ajudar. O estrago é nítido, mesmo que a lanterna não alcance toda a destruição. O poste, a grande vítima da colisão, está pendurado e o emaranhado de fios pendurados está bloqueando metade da rua.

A escuridão parece um pouco assustadora. Não tenho medo do escuro, mas quando olho para a baixa luminosidade do prédio da frente, me dou conta de que alguém precisa ligar o gerador.

Morar em um edifício velho tem suas peculiaridades, dentre elas, reconhecer as pequenas modernidades escondidas em meio ao clima de antiquário: o portão eletrônico em contraponto ao elevador dos anos sessenta e, claro, o gerador que só funciona manualmente.

Todas as vezes em que ocorre uma queda de energia, algum morador, inevitavelmente algum membro da família do-ré-mi do apartamento 011, se elege a ligar o gerador. Sam também está sempre disponível para resolver esse tipo de coisa, só que para aumentar a minha cota de azar, essa noite só há duas possíveis voluntárias aqui e uma delas tem graves dificuldades de locomoção.

E não sou eu.

Eu preciso ligar o gerador e trancar o portão dos fundos.

Agarro a lanterna, as chaves e desço cambaleando. Quem disse que pedir a uma bêbada para trancar a saída dos fundos é melhor ideia? Passo pela porta de dona Odete e escuto o mesmo silêncio dos outros andares.

Parece que eu sou a única pessoa acordada no prédio.

Samuel me ensinou a ligar o gerador outro dia. Ele tentou, na verdade, mas a culpa é minha por não ter aprendido direito. Eu estava olhando para outras coisas quando ele me mostrou qual era o interruptor. Especificamente, analisando como o crossfit tem feito muito bem aos braços dele.

Calma, respira. Vai dar tudo certo.

As escadas parecem longas demais. Estou suando, minhas mãos estão escorregando pelas paredes.

Eu não devia ter bebido.

A culpa é toda dele, de Samuel! Que ideia idiota de dar uma garrafa de bebida para alguém fora de controle como eu.

Ao chegar ao térreo, sinto o peso dos quatro lances de escadas nas minhas pernas. Apoio-me nos joelhos, estou sem fôlego e suada. Caminho na direção do apartamento 010 e viro à esquerda, passo pelo estreito corredor, até chegar a uma porta pequena.

A compra do gerador foi feita sob a condição de não elevar os custos das taxas de Condomínio, de modo a potência dele não é grande coisa, garante basicamente o bom funcionamento do portão eletrônico, das lâmpadas da garagem e da iluminação das áreas comuns.

A porta está trancada, é claro. As chaves estão na caixa de correio do apartamento 104, o que está vazio, assim como explicou Samuel. Mas esse momento eu estava admirando o contorno das costas dele debaixo da camisa.

Atravesso o saguão de entrada e, por mais que esteja com raiva do idiota que deixou a rua inteira sem luz, não consigo deixar de pensar se há feridos. Se alguém foi solidário o suficiente para ligar para uma ambulância e se os paramédicos já conseguiram chegar.

Me arrasto apoiando nas paredes até o portão da frente. Definitivamente, tem alguma coisa estranha com as minhas pernas, parecem pesadas e estou sentindo meus lábios dormentes. Duas doses de tequila não deveriam parecer cinco.

Ilumino as grades com a lanterna. O carro destruído está bem aqui. O estrago parece um pouco pior do que visto de cima. Os faróis dianteiros se despedaçaram e há estilhaços no asfalto; o para-brisa completamente trincado pelo impacto e o capô foi afundado com o choque. Os Air bags foram inflados somente no lado do motorista. Sinto a dor pelo idiota, essas almofadas machucam.

A única iluminação na calçada é a luz interna do carro.

— Boa noite — A voz ressoa de algum lugar escuro — Eu acabei de bater o carro e acho que...

Não consigo ouvir o resto.

Sinto o estômago revirar e uma onda de frio começar no meu mindinho machucado seguir até a nuca. Se eu não vomitar agora, eu posso morrer engasgada ou, ainda, desmaiar e sufocar com o vômito.

É um gesto automático mirar a lanterna, mas não é necessário. Não preciso de luz nenhuma para saber que é ele. A voz é a mesma que ouvi no elevador hoje de manhã.

Deve ser a bebida. Eu só posso estar tendo alucinações.

"Por mais suspeitas que pudessem ser as aparências..." Citar Persuasão é sempre o fim da linha, Dica.

Acho que também sofri uma colisão. Essa é a coincidência macabra de toda a minha vida. Esse Henrique não pode ser real. Devagar, eu me esforço para empurrar a lanterna até onde a voz dele está. É como estar diante de uma cena de filme de terror, mas eu não preciso de qualquer som para ficar ainda mais aterrorizada.

— Desculpe se estou sendo insistente — ele continua — mas poderia me emprestar o seu... Puta merda, Amanda? — murmura ele, em um ruído tão baixo que parece ter sido ao pé de ouvido.

Nossos olhos se encontram por um segundo mais longo que o normal. Os olhos castanhos mais incríveis que já vi estão aqui, me encarando com uma familiaridade intimidante. Ao mesmo tempo, há uma emoção desordenada tão forte que sinto que vou cair na próxima piscada. Algumas pessoas podem ser nocauteadas por um soco certeiro, mas eu não, é um par de olhos castanhos que tem esse poder sobre mim.

Meu coração saiu do peito momentos atrás e eu nem percebi.

Sou a própria Anne Elliot, tentando domar sentimentos que há muito tempo haviam sido contidos e, de repente, não estão mais sob controle. Para ela foram oito anos, para mim o tempo é muito menor, mas parece ter sido longo demais.

Fecho os olhos em pânico. Acho que estou desmaiando. Isso não pode simplesmente estar acontecendo.

Respira! Não sei se consigo oxigenar o cérebro agora ou se conseguirei fazer isso depois.

Não, não, não.

Também consigo domar as minhas próprias pernas, elas parecem ter vida própria agora e caminham até o portão de ferro que nos separa. O magnetismo me impede de desviar. Eu só preciso vê-lo mais de perto.

Henrique está pálido, com a testa sangrando e completamente perplexo.

— Oi, Henrique — respondo por fim. Uma voz que pode ser de qualquer pessoa, menos a minha.

— Eu sei que é por causa da concussão — Henrique diz, rouco — eu estou um pouco confuso e... Puta Merda! Eu preciso ligar para o seguro e, talvez, para uma ambulância se você não desaparecer.

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A citação inicial é a primeira frase de Amor nos tempos do Cólera. Amo essa frase e achei que combinaria com esse início, porque a história realmente começa agora.

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Até a próxima atualização!

Com tequila e com amor [Concluído] [VENCEDOR DO WATTYS 2017]Nơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ