4. Amêndoas Amargas

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Você está com inveja dele, é isso Dica?

Eu sou ridícula!

Talvez isso seja injusto, de um jeito bem bizarro, mas é.

Desisto da quinta garfada.

Volto para a tequila e a segunda dose desce rasgando a minha garganta, enquanto caminho até a caixa aberta em cima do estofado. Encontro o porta-aliança debaixo de algumas fotos. Parece que foi em outra vida e não na minha. A pessoa sorridente nas fotos parece um clone meu, não, eu é que sou a sósia dela.

Estou começando a ficar tonta, a caixinha de veludo parece um gatilho. Um misto de emoções estranhas aqui dentro, gritando para ser libertada. Abro-a e é como se um sopro atingisse a minha mente.

Como um pedaço esquecido de um rolo de filme que alguém finalmente encontrou.

Posso ouvir a voz de Henrique. E dessa vez ele não está conversando com alguém no elevador, ele está dizendo que me ama. Dizendo que os meus olhos sempre o fazem esquecer o que dizer. Também posso me ouvir respondendo. Eu digo que não posso, porque alguns sonhos precisam ser realizados e um casamento pode arruinar tudo.

Eu fui noiva por exatos dez minutos.

Foi o tempo em que as duas músicas que Henrique pediu à banda terminassem de tocar. Eu sei, isso nem deveria ser considerado um noivado. Mas até o momento em que eu disse não, ele supôs que seria um sim. O anel envolveu o meu dedo, antes de eu o encarar em choque. E mais do que tudo isso, eu o enganei pelos mesmos dez minutos. Vi o seu rosto se transformar da plenitude para o desespero e nem tive a coragem de fazer qualquer coisa a respeito. Eu apenas o decepcionei e o abandonei logo em seguida.

O mesmo anel parece tão lindo agora.

Cora, a avó de Henrique deve me achar uma ladra interesseira por não ter devolvido. Talvez ainda caiba no meu dedo, mesmo que eu esteja seis quilos mais gorda do que há quatro anos.

Cabe perfeitamente.

Mão esquerda.

A esposa do doutor Pedro Henrique. Estaria eu ainda casada com ele hoje? Vivendo em um apartamento de três quartos, com brinquedos espalhados pela sala?

Você é doente!

Acho que preciso de mais bebida.

Encho novamente o copo e viro em dois grandes goles. Sinto as luzes da sala ficarem fracas, não sei se já são os meus olhos.

Tudo acontece muito rápido. Um barulho alto eclode da rua. Algo se arrebentando e vidro quebrando. A casa inteira fica escura e ouço gritos.

Eu não desmaiei.

Aguento beber e não vou dar essa chance a Monstrinha. Ela não vai ter que me sacudir e me arrastar até o chuveiro. As vezes que ela há precisou fazer isso já são suficientes.

A escuridão deve ter sido causada por algum idiota que acertou o poste. Acontece sempre que a polícia monta uma blitz na Avenida Getúlio Vargas. Os espertinhos bêbados sempre entram aqui na rua para fugir do bafômetro e acertam algum dos postes. Não é a primeira vez que acontece.

— Muito obrigada por acabar com minha noite, seja você quem for — murmuro para a escuridão.

Tateio no escuro e chuto a quina da mesa com o mindinho, antes de alcançar a cozinha.

Porra!

Eu sempre guardo uma lanterna em cima da geladeira. Parece estranho, mas quando se mora sozinha é preciso aprender alguns artifícios para se resolver em momentos como esse. Como comprar toneladas de papel higiênico e absorventes também é importante, porque nunca se sabe quando acontecerá uma emergência.

Com tequila e com amor [Concluído] [VENCEDOR DO WATTYS 2017]Where stories live. Discover now