- Olha, Char eu sei que está com raiva de mim, mas precisamos conversar sobre algo muito sério. Eu, você e sua mãe. Só nos dê uma chance. - Sinto que ele está falando sério, pois aquela expressão eu já conheço a muito tempo. Seu olhar sisudo e sua boca formando uma linha fina demonstra seu ar de seriedade e eu acabo me lembrando das broncas que levava quando me machucava.

Eu enfim cedo, apenas pego uma maçã e sento-me no sofá nude que a direção fez questão de dar à minha mãe por conta de sua dedicação aos plantões e por assumir o cargo de sócia do hospital.

Meu pai me analisa como sempre fez e começa a falar.

- Você já está na hora de saber que tudo que aconteceu foi por um motivo.

- Do que está falando ?

- Char, preciso que entenda o que vamos falar agora. - Minha mãe diz com a típica voz calma que ela utiliza sempre quando está prestes a dar uma notícia ruim.

- Eu e seu pai nunca nos separamos. - Eu não consigo acreditar, eu nunca senti tanta raiva na minha vida, como assim eles nunca se separaram ? Então não havia mulher nenhuma ? E se não havia, por que meu pai desaparecera por tanto tempo ? Então a minha vida foi uma mentira ?

- Como ? - Eu somente deixo um dos dois pronunciarem e tento não me concentrar na raiva que estou sentindo.

- Vamos explicar. Seu pai e eu armamos durante esses anos todos esse suposto desaparecimento, somente a fim de proteger você, nós nunca nos separamos e nunca existiu mulher alguma, eu não podia te contar o que aconteceu até o dia da Triagem, e ainda não posso contar o motivo disso tudo, mas preciso que acredite que fizemos tudo isso somente para te proteger.

Como ninguém nunca me conta nada e a minha vida parece ser uma mentira somente olho para o programador que está sobre a mesa de centro cor de madeira. É de meu pai. No momento em que eu olho vejo o seguinte memorando:

"Assim que sua filha passar na prova final de Analisadora, sugiro que ela desapareça, para o bem de todos"

Chanceller Richard

O Chanceller Richard me odiava, e disso eu já sabia, mas pedir pra que eu desapareça eu já achei exagero. Por que eu seria tão prejudicial as pessoas que viviam ali ?

Uma coisa que realmente me deixou surpresa no que eu vi no memorando foi o fato dele mencionar desaparecimento e não exoneração. Desaparecimento nos tempos anteriores ao subsolo era algo terrível, mas aqui, agora, tornou-se bem melhor do que ser exonerado. A exoneração é ser jogado para a superfície sem nenhuma proteção, sem armamentos ou medicinas, ou até mesmo sem uma proteção solar, diferentemente do desaparecimento, que consiste em assumir outra identidade, mas só o que eu queria entender é o porque disso tudo.

No momento seguinte ele percebe que leio o memorando e o retira da pequena mesa de centro, cujo só cabe um vaso de flores de plástico cor de rosa. Então essa é a deixa para eu me retirar para o meu quarto, eles não insistem para que eu fique, o que não me admira, já que tudo ao meu redor parece sucumbir em mistério, quando descubro que minha vida é simplesmente uma mentira. Será que Klaus também tem a ver com isso ?

Deito-me na cama e olho para meu teto com aquelas estrelinhas coladas, que Klaus me dera de aniversário uma vez. Ele sempre foi um grande amigo, e para mim ele já sabia de tudo, o que em parte piora a situação e eu deveria estar ainda mais furiosa com ele, mas não é isso que sinto, surpreendentemente eu quero agradecê-lo por me proteger de não sei o que, mas quero somente agradecê-lo.  

Imediatamente lembro-me das nossas conversas, o como ele parecia inquieto e cochichava e olhava para os lados como se alguém, além das 3000 câmeras, estivem nos observando. Eu sabia que ele não podia me dizer nada, isso me incomodava e me deixava com raiva mas no fundo eu queria ele de volta em minha vida, queria que todos aqueles momentos que vivemos juntos retornassem, eu precisava dele e sei que ele precisava de mim.

Decido fazer o que já deveria ter feito a muito tempo.

"Klaus, precisamos conversar, prometo não fazer perguntas que você não poderá me responder. Encontre-me  na torre, é urgente"

Beijos, Char

Ele imediatamente me responde com um "ok", não era o que eu queria que ele me respondesse, mas era o que eu já esperava. Afinal, depois de tanto tempo sem mandar ao menos um memorando, é natural que as coisas se esfriem entre nós. Porém, eu decidi que não ficaria assim, sei que tudo que ele anda fazendo é fingimento, sei que ele não tem culpa, sei que me ama.

Pego meu casaco vermelho e sigo até a porta sem dar espaço para que meus pais me questionem de alguma coisa, não estou afim de manter  contato com nenhum deles e quanto mais tempo eu passar fora de casa melhor. Passo pelo corredor norte e sigo até a torre. As câmeras parecem focar em qualquer movimento que eu faça, mas as despisto quando chego próximo a torre. Não demora muito até que finalmente enxergo aqueles olhos azuis próximo a única lâmpada que ilumina o local. Seus cabelos claros são refletidos pela lâmpada e seu olhar parece estar cansado. Ele abre o sorriso mais lindo quando me vê e eu imediatamente me levanto e o abraço.

Naquele momento esqueço de tudo e finalmente entendo que ele só quer meu bem, ouço seu coração bater no mesmo compasso que o meu e nossos lábios se tocam. Nunca havia experimentado essa sensação, e é como estar num paraíso, seu beijo é suave e seus lábios são quentes, a sensação de êxtase me domina. Apenas me deixo levar por aquele balanço que nunca havia sentido antes.

Ficamos ali durante o resto do dia, abraçados no chão frio, mas o seu amor me aquecia. Sem perguntas ou brigas, eu até me esqueço o que vim fazer aqui. Pois ali, nos seus braços, nada mais importava.

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Oi oi gente, eu queria pedir novamente pra que se vcs gostarem do capítulo, dar um votinho, ajuda muito. Beijinhos.

TriagemWhere stories live. Discover now