Capítulo 7

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Por um momento eu não acreditei no que estava vendo. Era meu pai. Seus olhos castanhos e seu cabelo grisalho, que a luz da lâmpada ao lado esquerdo refletia, eram inconfundíveis, além da sua voz determinada. Estava um pouco cansado de fato, mas era ele, e ainda que ele tenha feito muitas coisas ruins pra mim e para minha mãe, todas as imagens da minha infância retornam a minha mente. Os momentos olhando para o jardim, nossas idas secretas à Triagem. Tudo isso parece me invadir de uma só vez, é um misto de sentimentos. Parte de mim quer o seu beijo na testa novamente, depois de tantos anos, mas parte de mim ainda quer bater nele, quer que ele desapareça dali pra nunca mais voltar, porque eu nunca vou aceitar o fato dele nos deixar para viver com outra mulher.

- Como você tem coragem ? Depois de tantos anos sem ao menos dar notícia, depois de fingir que eu não existia e não me mandar ao menos um memorando. Depois de sair de casa pra viver com uma outra mulher. Como você tem coragem de reaparecer achando que tem possibilidade de falar comigo? Eu nunca mais quero que você apareça na minha frente, nunca mais quero ver você. - As palavras saem da minha boca antes mesmo de serem pensadas, eu tenho o terrível costume de agir sem pensar e assim eu saio correndo e quando me dou conta estou chorando, chorando como uma criança.

Vou para o lugar onde sei que ninguém descobrirá por enquanto, o meu lugar favorito com Klaus, na torre antiga, ficávamos brincando quando tínhamos aproximadamente 10 anos, Klaus era o melhor contador de histórias existente e sempre dava um jeito de cuidar de mim. Sempre zeloso, mesmo aos 10 anos de idade, mas nada disso importa agora. Quando chego percebo que continua do mesmo jeito de sempre, sem câmeras e iluminado apenas com uma lâmpada, imediatamente lembro de cada momento vivido aqui, todas as histórias e brincadeiras que fazíamos. Klaus era o melhor amigo do mundo, as vezes me pego pensando nele, querendo seu abraço, mas nada é como se espera nessa vida. Sento-me próxima a uma pequena e única janela que o local possui. Penso em cada momento que vivi hoje e em como meu pai parece fingir que nada aconteceu, como ele acha que mesmo depois de tantos anos ele pensa que pode vir falar comigo. Confesso que uma coisa somente me intriga, por que minha mãe fez isso ? Por que ela me levou até ele, se ela sempre falou dele com desprezo. A muito tempo minha mãe não estava normal comigo, parecia sempre nervosa e insegura, e parece que achei o motivo disso.

Acordo exausta e nem ao menos percebo que dormi, pela hora já deve ser tarde e então decido voltar para casa, sem ninguém pelos corredores, somente as câmeras, sigo até em casa e abro a porta central bem devagar. Vou para o meu quarto e, para minha sorte, minha mãe já deve estar dormindo. Minha cama nunca foi tão confortável, devo ter dormido por apenas algumas horas, mas ainda assim consigo sentir a diferença entre um chão duro e uma cama macia.

Acordo sem saber o que fazer, apenas permaneço imóvel olhando para o teto. Percebo que há um memorando em meu programador, mas quando olho é somente a mesma coisa de todos os dias. Sei que vou ter que levantar para ir as aulas mas não sei como encarar minha mãe, ainda que minhas perguntas nunca fossem respondidas, ontem eu sei que a deixei mal, mas não posso pedir desculpas. Afinal, o erro não fora meu.

Hoje a aula foi cancelada devido a problemas da manutenção do prédio, então eu me levanto e vou até o banheiro escovar os dentes e tomar um banho a fim de que toda preocupação se esvaia através da água. Os acontecimentos de ontem a noite me fizeram querer buscar respostas, e para isso, infelizmente eu teria que falar com meu pai. Saio do banho e me deparo com ele olhando para mim no sofá, ao lado de minha mãe, como se estivesse em casa novamente, como se essa fosse sua casa. O olhar de ambos tornam-se confusos de repente, confusos e misteriosos, como se estivessem para revelar algo surpreendente.

- Eu não acredito que você tem coragem de vir até aqui depois de tudo que passou. - Eu o observo perplexa. Sinto meu rosto ficar vermelho de raiva e sinto vontade de socá-lo, no entanto eu me lembro que preciso de respostas e sinto que ele é o único que poderá me ajudar.

TriagemWhere stories live. Discover now