01. Garota Assassina

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O homem da máscara de ferro também atacou, girando a lâmina no eixo e cortando de baixo para cima. Papai esquivou, deu outro passo atrás e estocou, tentando perfurar o inimigo, que usou a lâmina incandescente para se defender. Espada se chocou com espada. Papai aproveitou a força do próprio adversário; impulsionou sua lâmina contra a lâmina dele e com um movimento brusco a empurrou para cima, obrigando-o a largar a espada e desarmando o homem da máscara de ferro. A Tempestade de Fogo voou rodopiando, o brilho alaranjado começando a evanescer. Papai teve certeza da vitória, os olhos arregalados, a espada descrevendo um arco para desferir o golpe final no oponente que o desafiara e matara sua esposa. A Dança da Morte arrancaria a cabeça do homem da máscara de ferro.

A cabeça de papai voou em um esguicho de sangue.

Antes mesmo que terminasse o movimento de ataque.

O homem da máscara de ferro estava com a Tempestade de Fogo de volta na mão, banhada no sangue de papai, cujo corpo levou alguns segundos para tombar após ser sumariamente derrotado; o mesmo tempo que o sangue levou para evaporar da lâmina aquecida. Foi tudo rápido demais para os olhos de uma criança acompanhar.

As filhas gêmeas do Retalhador testemunharam a morte do pai com lágrimas nos olhos, paralisadas pelo desespero de não saber como ajudar ou o que fazer.

Elas tinham apenas dez anos.

O que poderiam fazer? Não havia como ajudar. Não havia o que fazer. A morte era o fim de tudo.

Morreriam também pela espada do homem da máscara de ferro. O corpo pequenino sequer se mexia, apenas as lágrimas continuavam a escorrer pelas bochechas, pingando e pingando, formando uma pequena poça de desolação, que rapidamente secava no calor da terra batida. O medo e o desespero não permitiam que os músculos se movessem. Elas morreriam.

O homem pegou a Lâmina do Santo Ofício da mão do cadáver de papai, a respiração ruidosa lhes arranhando os nervos:

— Finalmente tenho a quarta Lâmina do Santo Ofício em minhas mãos — regozijou-se o assassino. — Quando tiver todas as sete, terei cumprido meu destino.

Ele virou o rosto em direção a elas num movimento brusco, olhando-as por cima do ombro como quem se lembrava de alguma coisa trivial que precisava resolver. Demorou-se por alguns segundos, encarando-as implacável por trás do visor escuro da máscara, a respiração mecânica, pesada, o som do inferno.

Ante a sombra do homem que matara o pai, os joelhos estremeceram e o corpo cedeu. Elas se arrastaram uma para perto da outra e deram as mãos, em prantos silenciosos de pesar, incapazes de dizer uma palavra de raiva contra o assassino ou de consolo uma para a outra. O horror as consumia. Elas morreriam como o pai.

O homem da máscara de ferro se recompôs e seguiu caminho para longe dali, um sorriso lunático de vitória escapando por entre os ruídos sinistros. Levou consigo a Lâmina do Santo Ofício que pertencera ao pai. Elas apenas observaram enquanto ele se afastava, até que não puderam mais vê-lo na paisagem amarga daquelas montanhas remotas onde haviam crescido; que agora lhes era nada mais do que um cemitério. Elas não morreram, mas definitivamente estavam mortas. O horror não mais as consumia. Apenas o ódio.

(Dez anos se passaram)

Lembrar daquele dia fatídico ainda doía no coração.

Embora sempre se questionasse se ainda possuía um coração.

Os olhos endurecidos por uma vida de lutas e duelos pelas Lâminas do Santo Ofício observavam a corja de homens ao redor, armados até os dentes com facas, facões, correntes, pistolas e escopetas. Nem mesmo aquele arsenal seria capaz de pará-la. Eles eram tolos por acreditar nisso. Nada seria capaz de parar seu ódio. Ou sua lâmina.

As Lâminas do Santo OfícioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora