Capítulo 45 - O que os olhos não veem

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Capítulo 45 - O que os olhos não veem

         James estava com as mãos amarradas nas costas. Um dos guardas vinha com a bacia de água e o sabão para a higiene pessoal, e uma navalha para cortar o cabelo e aparar a barba, que ainda assim permanecia grande. Não era uma gentileza, mas uma forma de evitar doenças e pestes, como ratos e baratas. Poderia gerar algo contagioso e perigoso. Foi graças a esses pequenos cuidados que o capitão pôde armar um plano.

          Para o pirata a luz do sol seria inimiga de sua fuga, pois dificultaria que ele passasse despercebido pelo pântano. Teria que descer a escadaria em espiral e jogar-se pela única abertura capaz de passar um homem de seu tamanho. Ela dava para o pântano de crocodilos. Tic Tac seria sua única chance. Pularia contra a água fedorenta e escura, e seu crocodilo afastaria os outros. Todos os prisioneiros conheciam aquela abertura, mas não seria qualquer um capaz de jogar-se por ela, não só pelos répteis de dentes pontiagudos, mas também pelo motivo que conheciam a janela... Era por ela que despejavam seus dejetos. A cada três dias iam com um jarro cheio que se assemelhava a um enorme pinico e jogavam as fezes e a urina ali, de forma a serem dispersas pela água. Qualquer fuga seria perigosa e absolutamente nojenta. Os criminosos iam um por vez, nunca em conjunto, de forma a evitar motim.

         O capitão já tinha seu plano. Faltava a chave para abrir a cela. James estava mais feliz, confiante, e acima de tudo, ansioso pela liberdade. Queria ver seu filho, a tripulação, velejar, sentir-se como um pirata outra vez. E ainda tinha o desejo de descobrir o que os bruxos tanto queriam com a adaga. A arma lembrava-o de seu passado, de um tempo onde a esperança e os sonhos eram mais presentes que a malícia e as dificuldades. Apesar de gerar tristeza, causava também alegria e muita saudade.

***

         Malévola apareceu no corredor do segundo andar pregando um susto em Anco. O mesmo passava apressadamente de lá para cá, limpando e arrumando.

- Anco – ela o chamou.

- Sim, Vossa Majestade impecavilhosa.

- O prisioneiro comeu hoje?

- Não, minha rainha, eu esperei sua ordem.

- Fez bem. Pode levar o... Como você chama? Desjemoço. Leve isso para ele.

- Ah, nesse caso é desjemotar.

- O que?

- Desjemotar.

- Qual a diferença, criatura?

- Desjemotar é desjejum, almoço e jantar, porque o Eli só come uma vez por dia.

         A rainha revirou os olhos, irritada com as bobagens do ogro.

- Então leve o desjemontar para ele.

- É desjemo-tar. Mo-tar – ele a corrigiu.

           A mais impaciente das impacientes bufou de ódio.

- Seu ogro estúpido, eu lá quero saber como se fala corretamente uma palavra que não existe?

         Ignorando as lamúrias de seu servo ela foi até a cela provocar mais uma vez o seu prisioneiro. Faria questão de perguntar se ele havia gostado do croquete. Depois iria avaliar o pedido de dois bruxos de criar mais ogros para os trabalhos pesados de suas casas.

***

          Depois de uma noite de comentários sobre o casamento da condessa Cinderela e do príncipe Teodoro, a manhã seguinte traria novos assuntos. O rei Tritão acabara de chegar ao salão para tomar seu desjejum. Ariel ainda não havia descido. Um dos criados anunciou a chegada de um homem com uma encomenda para a princesa. O rei irritou-se pela garota ter adquirido mais porcarias. Dispensou o entregador e tomou o embrulho. Sem respeitar a privacidade da menina, abriu o pano e surpreendeu-se com o que encontrou. Uma chave esquisita de vãos muito profundos. Uma chave mestra. Para que a moça ia querer isso? Intrigado, o rei embrulhou novamente, com cuidado e deixou na cadeira aonde a moça iria se assentar. Continuou tomando seu chá e comendo frutas.

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