ATO 24

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Não vamos falar sobre a vida, vamos falar sobre a morte. É mais interessante, já que vivemos tanto, apenas para chegar nela.

      O dormitório estava sufocante naquele fim de tarde

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O dormitório estava sufocante naquele fim de tarde.

A iluminação terrível e o barulho rangente das madeiras do chão, davam-me cala frios. Passei pela ala feminina e juntos, eu Petúnia e Brok chegamos até a masculina.

— Onde está o outro desenho? — perguntei curiosa, desviando o olhar para as paredes.

— Bem ali, ao lado da cama quarenta e um — respondeu Petúnia.

— Então você anda fazendo visitas em nosso dormitório? — questionou Brok desconfiado.

— Patrick comentou comigo sobre o desenho — mentiu — Neste, a frase é diferente, veja.

O rabisco estava entre o meio da cama quarenta e um e quarenta e dois, visivelmente e bem parecido com os demais. Ali dizia: "O lobo enterra e prospera"

— Quem se deita entre essas camas? — voltei a perguntar.

— Dante e Patrick — Brok deu uma pausa e voltara a falar, aflito — Eu não concordo em sairmos à noite por aí. Se Rumpel descobrir, nem sei o que será de nós.

— Francamente, não suporto o cheiro desse lugar! — interrompeu Petúnia.

— Que cheiro?

— Não sei. Parece vaselina ou algo do tipo. Está me incomodando muito. Como esses garotos conseguem dormir com um cheiro tão forte?

— Não sinto cheiro nenhum, e mesmo se sentisse, aposto que seria melhor que seu perfume.

— Está vendo, Pancada? É ele que começa! Vou quebrar os dentes desse palhaço logo, logo.

— Eu também sinto. Leve, mas sinto. Provavelmente os garotos já se adaptaram com ele, por isso não os sentem mais — deduzi.

— Pan, você escutou o que eu disse? Eu não concordo em quebrarmos as regras — insistiu Brok.

— Você pode ficar aqui, não tem problema. Eu e Petúnia vamos sozinha, mas é curioso... — encarei seus olhos brancos — Pensar que eu, que nem conheço essa Lola, estou fazendo mais do que você, para se arriscar em encontrá-la.

— Eu... eu... — Brok tremia. Pareceu absorver bem a mensagem — Eu vou com vocês.

— Muito bom — conclui.

— Ei, pessoal — uma voz surgiu na entrada. Patrick nos observava — Que reunião secreta é essa?

— Olá, Patrick, meu querido! — Petúnia foi em sua direção — Estávamos discutindo sobre aqueles rabiscos do lobo.

— Ah, sim. Não me recordo deste desenho estar aí muito tempo. Esses boatos do lobo sequestrador é uma palhaçada.

— Viu só, Brok? Pessoas normais como o Patrick, sabem separar o real do irreal.

Brok permanecera quieto, emburrado.

Peguei em seu ombro e o confortei.

— Ela não está dizendo isso para te machucar, está bem? O problema amigo, é que sabemos que é mais inteligente do que aparenta, só precisa ter mais coragem. Temos que acreditar que podemos. Temos que ser um diferencial, ou não chegaremos a lugar nenhum.

— Sim... eu entendo... —murmurou, ainda irritado.

Os irrecuperáveis começaram a aparecer, anunciando o fim do dia e arrumando-se para descansarem.

— Vou perguntar mais uma vez: Quer vir conosco?

— Quero.

— Mesmo que isso possa lhe trazer severas consequências depois? — o garoto apertava os punhos e desviava seu olhar esbranquiçado para o chão.

— Sim — afirmou com mais confiança.

— Então vá se deitar. Esperem todos se conectarem e daremos um sinal para vir até a ala feminina.

— Combinado.

Saí do local com Petúnia. Patrick se dirigiu até sua cama, sem saber sobre o plano, afinal, quanto menos pessoas se meterem nisso, melhor.

Eu também estava nervosa. Meu estomago gelava, minhas mãos suavam. Era como se meu corpo entrasse todo em conflito, sem distinguir o que era frio ou quente. No entanto, lá no fundo eu gostava. Enfrentar o orfanato de frente, saber que estávamos por nossa conta e risco. Isto é adrenalina.

Quando todos se ajeitaram em suas camas e programaram suas máquinas, plugando o fio em suas nucas, olhei para Petúnia, deitada na cama ao lado. Sua enorme franja tampava suas expressões, mas não ocultava seu nervosismo.

— Fique tranquila, Pancada. Vai dar tudo certo — sussurrou com um breve sorriso.

— É o que espero.

Aos poucos o lugar escurecia.

A iluminação das velas enfraquecia, pairando uma luz ambiente, própria para descanso. Vi com mais atenção a como as crianças conectadas ficavam. Seus corpos, de barriga para cima, com as mãos rente ao corpo, como se estivessem mortas.

Petúnia ajeitou seus longos cabelos e se levantou decidida.

— O corvo cego deu para trás?

— Não. Ele disse que iria. E pare de chamá-lo desse jeito! Que coisa chata, garota.

— Brok, abutre, corvo, cego, é tudo a mesma coisa para mim. Seu senso de humor que é deselegante — foi quando escutamos o ranger do piso emadeirado vindo no fim do corredor. Por um momento ficamos inertes.

Uma silhueta apareceu logo após.

— Brok! Eu disse que íamos te dar um sinal! — adverti.

— Eu estava impaciente. Decidi vir por conta própria — o garoto continuava apreensivo, mal conseguia conduzir sua bengala para frente devido as mãos tremulas. Petúnia ria em silencio.

— Pois bem. Hora de agirmos — peguei o braço de Brok, conduzindo-o durante o trajeto.

— Vocês não estão com medo? — perguntou ele.

— Medo de boatos idiotas? Não, só você — respondeu Petúnia abrindo o portão de ferro. Mais uma vez nos encontrávamos subindo aqueles tortuosos degraus.

— Alias, Brok — interrompi — Todos nós temos um dia para morrer, certo?

     — Alias, Brok — interrompi — Todos nós temos um dia para morrer, certo?

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I - Onde Vivem Crianças IrrecuperáveisWhere stories live. Discover now