Meu caminho até você - Parte I

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Finalmente conseguiu se manter equilibrada sobre as pernas bambas. Seu olhar foi do chão em direção à construção à sua frente. Quase nada havia mudado desde a última vez que deixara o lugar uma semana atrás. Talvez o novo clima sombrio que circundava a entrada fosse o que agora chamava a atenção da moça cambaleante. Um calafrio percorreu seu corpo fazendo-a se tremer.

Tonta, Emma se apoiou na porta de metal da cerca da grande mansão, como estava destrancada, quase caiu. Se esforçou para ganhar equilíbrio mais uma vez, coisa que fez com proeza. Falhou, porém, miseravelmente ao tentar não fazer barulho. Suas botas batiam fortemente contra o chão de concreto enquanto ela tentava ficar em pé, e a portinhola soltava um rangido estridente devido à ferrugem. Alguns xingamentos saíram da boca da loira quando esta se ergueu novamente.

A porta de metal ficou para trás assim que Emma começou a dar passos, tortos, em direção à porta da frente da majestosa mansão. O lugar não estava tão escuro, e mesmo assim a moça não conseguia ver com definição os objetos à sua frente. Um vaso de lírios foi danificado no meio do caminho, as escadas da varanda serviram como obstáculos cruéis derrubando a pobre mulher, e fazendo a garrafa que ela trazia consigo se quebrar em vários pedacinhos, abrindo um corte em sua mão direita.

Quando ela finalmente chegou à porta, seu coração se agitava descompassadamente. Achou que iria desmaiar. Cambaleou um pouco até finalmente bater na branca madeira que ornava o número "108", e que não passavam de borrões ao seus olhos.

Ninguém atendeu.

Bateu mais uma vez. Agora usando a outra mão. A cor vermelha entrou em seu borrão. Confusa, a moça finalmente dirigiu o olhar para o feito do caco de vidro. O ferimento não estava aparente, uma grande mancha vermelha cobria aquela parte de seu corpo e parecia se desfazer em pequenos pedaços no chão.

"Emma?" Uma voz carregada de surpresa soou. Reconhecendo a dona daquela voz, a loira olhou na direção de Regina que segurava a porta. Ao notar a confusão no olhar da moça à sua frente, e todo aquele sangue jorrando da mão de Emma, sua boca se abriu em completo espanto.

"Meu Deus, Emma! Você está sangrando!" Regina puxou-a para dentro de sua casa, correndo para o banheiro a fim de buscar sua caixa de primeiros socorros. Quando finalmente encontrou, correu em direção à sala dando de cara com uma Emma estática, não muito firme no chão, e que lhe olhava atenta.

A caixa foi posta na mesa de centro da sala de estar e aberta com um voraz desespero, algumas coisas de lá caíram mas Regina mal percebeu. Com álcool, algodão e gaze em mãos correu para socorrer a loira.

A expressão de Emma nada mudou nesse meio tempo, parecia paralisada, como se a força necessária para qualquer reação tivesse abandonado seu corpo. Ela poderia facilmente ser comparada a um dos móveis do cômodo. Naquele momento havia se tornado dependente dos cuidados da mulher aflita que lhe limpava o sangue com um pedaço de algodão.

Assim que o ferimento passou a tomar forma diante de Regina, esta umedeceu um novo tufo de algodão com álcool. Seus olhos pediram permissão para prosseguir, ao mesmo tempo que imploravam por um perdão do qual necessitava assim que Emma se contraísse de dor. A expressão da loira nada lhe disse, sentiu seu estômago revirar com a frieza do verde esmaecido daqueles olhos.

Vermelho passou a ser a cor daquele pedaço de algodão, que tomava para si o fluído vital da ainda inerte mulher. O silêncio se tornou a música ambiente. Emma parecia um zumbi, enquanto Regina se esforçava para ser rápida e evitar o sofrimento causado pelo contato do ferimento com o álcool. Nesse intervalo, nenhuma reclamação de dor foi feita.

Com a mão já envolta em gaze, Emma continuava com o olhar distante, agora encarando alguma parte da parede. A apreensão fazia o coração de Regina latejar de dor. Sua mão repousou sobre a mão intacta da loira, e mesmo o toque não foi suficiente para tirá-la daquele estado. A prefeita usou seu polegar para acariciar levemente a pele da outra, ato que pareceu finalmente provocar uma reação.

O rosto de Emma se cobriu de lágrimas, várias saiam ao mesmo tempo, como se tivessem passado todo esse tempo ali guardadas num lugar secreto e alguém finalmente havia conseguido libertá-las de seu esconderijo. Logo, o único som audível no cômodo era o dos soluços que se sucederam. Em questão de segundos, o choro se tornou tão intenso que seus ombros já não estavam mais imóveis.

Aquela cena atingiu Regina como se trezentas flechas atravessassem seu peito. Sua mão apertava cada vez mais a de Emma, e por dentro o desespero lhe preenchia.

"O que houve?" Tentou soar o mais calma possível, mas a última palavra saiu num fio de voz. Foi como se a pergunta nem tivesse sido feita, visto que Emma continuava chorando cada vez mais desesperadamente.

"Pelo amor de Deus, Emma! O que aconteceu?" A repentina elevação em sua voz provocou um susto na moça, e fez o soluço cessar por um momento. Os olhos dela agora vidravam os da borrada Regina com temor. Aquilo fez a morena se sentir ainda pior.

"Me desculpe... Me desculpe..." Emma sussurrou, dessa vez abraçando Regina como se necessitasse de um suporte para não cair num abismo. As lágrimas molharam o refinado robe preto, mas naquele momento, isso era um detalhe sem importância.

"Por favor... Me desculpe." Repetiu. Suas palavras foram gradativamente apagadas pelos soluços. A mão que agora deslizava graciosamente por suas costas lhe transmitia o conforto do qual necessitava. Não queria sair daqueles braços nunca mais. Nada foi dito por muito tempo, a mulher mais velha sabia muito bem do que Emma precisava, e a fragilizada moça se sentia cada vez mais desesperada com os nós em sua cabeça. Sua vida estava de cabeça para baixo. Talvez, lá dentro de si, soubesse que a única capaz de ajudá-la a arrumar essa bagunça seria Regina. Talvez, essa tenha sido a razão pela qual havia se arrastado até ali.

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