1. Não é o meu dia

119K 6.3K 1.7K
                                    

"Não era meu dia. Não era minha semana. Não era meu mês. Não era meu ano. Não era a porra da minha vida."
(Charles Bukowski)

A primeira coisa em que você precisa pensar quando tudo começa a dar errado é nos sinais. Não é como se de uma hora para outra tudo começasse a desmoronar. Tudo bem, às vezes é assim, mas, no meu caso, tudo começou, porque não prestei atenção ao primeiro sinal e nem aos outros que apareceram logo em seguida.

O primeiro sinal veio do despertador. Ele tentou me avisar quando decidiu não tocar essa manhã. Aquele aviso tinha o mesmo significado de: fique na cama o dia inteiro. Ou quem sabe, apenas levar as meninas na escola, já que Monstrinha só levanta depois das dez e nunca pode levar as filhas. Acordei com Isadora me puxando pelo pé. Ela disse que estávamos atrasadas. De fato, eram quase sete e meia e Isadora e Alicia precisavam estar na escola e eu no hospital.

O segundo sinal apareceu quando eu estava escovando os dentes. Lili apareceu na porta com as mãos na barriga, dizendo que estava tendo uma hemorragia. Fico me perguntando onde é que garotinhas de cinco anos aprendem esse tipo de coisa, mas então me lembro do quanto ela assiste Discovery Home and Health. Eu deveria ter mais canais infantis na TV a cabo. Deveria ter prestado atenção, mesmo sabendo que essa era mais uma de suas encenações para ficar em casa. Se eu tivesse atrasado a saída, tudo poderia ter sido diferente.

Em vez disso, puxei-a por um braço, a irmã pelo outro e saí rebocando as duas porta afora.

O terceiro sinal foi o mais enfático. O exato momento em que eu deveria ter percebido e voltado para casa. Logo depois de deixar as meninas, perdi o retorno para a saída da cidade e tive que desviar a rota em quase sete quilômetros para chegar ao trabalho. Poderia ter entendido que era o meu sexto sentido tentando me salvar. Só que não tenho uma boa relação com ele.

E tenho certeza de que haveria um quarto sinal, se eu tivesse tido tempo de ler o horóscopo antes de sair. Não que eu acredite nessas coisas, até por que, segundo as previsões, todos os meses o amor bate a minha porta, embora eu ache que ele sempre erre o apartamento. Tenho certeza de que estava lá em aquário: "hoje é um dia para se resguardar; rever sentimentos do passado. Não é um dia para grandes decisões..." Além de todas as outras coisas genéricas que esses astrólogos adoram dizer. Elas realmente fariam sentido essa manhã.

Todos os sinais tentaram me avisar que não era para eu estar aqui.

Quero dizer, não exatamente aqui, dentro da sala de descanso dos enfermeiros. Nessa posição que denuncia totalmente que estou me escondendo: agachada, espreitando pela persiana.

Não era para eu ter vindo trabalhar hoje, mas meu senso de responsabilidade é sempre tão burro!

O dia mal começou e já está péssimo.

Relaxa, Dica. Respira. Só respira. Lembra do que a professora de Yoga disse na semana passada.

Respirar para oxigenar o cérebro. Respirar para oxigenar o cérebro. Respirar para oxigenar o cérebro. Respirar para...

— Amanda? O que está fazendo aqui?
— Silvia, a coordenadora da enfermagem pergunta. Com a cara de azedo de sempre.

— Silvia! — digo rapidamente, ajeitando a postura — Eu entrei aqui, porque me senti mal. Uma enxaqueca horrível — Toco as têmporas com as pontas dos dedos, fazendo uma careta de dor — Deve ser a mudança de tempo. Eu estava lendo sobre isso na internet outro dia e fiquei assustada com a quantidade de sintomas que podem diagnosticar a enxaqueca. Sabia que até o...

— Amanda — Ela me corta impaciente — Não estão precisando de você na unidade neonatal?

Ela não precisa me dizer como fazer o meu trabalho! Odeio essa velha e o jeito como ela prende o cabelo com essas presilhas de borboletas horrorosas. Até pensei em dar um pacote de elásticos de presente de Natal no ano passado, mas ela não faz por merecer.

Com tequila e com amor [Concluído] [VENCEDOR DO WATTYS 2017]Where stories live. Discover now