- Tudo bem, eu também estou assustado, há algo muito curioso nisso tudo. Em 25 anos a Triagem nunca fora adiada ou adiantada.

- De qualquer maneira teremos que enfrentar.

Percebo sua expressão de medo e apenas o abraço. Klaus tem o melhor abraço do mundo, é um abraço forte que faz despertar em mim um misto de sensações boas, e que por um minuto eu esqueço de todas as coisas. Infelizmente volto a realidade quando me dou conta de que tenho que ir à escola.

Sigo até lá com Klaus, e como de costume, não trocamos uma palavra no caminho. Passo exatamente pelo corredor em que encontrei aquela menina ontem, e me vem a mente tudo que aconteceu, principalmente aquela frase: "Charlotte, você é a escolhida", tinha algo de estranho naquela frase, e no adiantamento da Triagem, de alguma maneira eu sinto que todos esses fatos estão interligados.

Quando chego na escola percebo uma movimentação fora do normal. Todas as salas estão vazias e está todo mundo numa espécie de pátio que fica no centro, sigo até lá com Klaus e de longe avisto que Chanceler Richard está prestes a fazer um comunicado.

- Boa coisa não é. - Observo Klaus e ele está parado do meu lado olhando pro palanque atenciosamente.

- Do Chanceler Richard, não espero nada de bom. - Ele sorri e eu o fito, com as luzes batendo no seu rosto eu consigo perceber o quanto ele é bonito. Seus olhos azuis, seus cabelos castanho-claros leves e que balança a cada passo que ele dá, além dos seus lábios que formam uma linha fina e seu corpo levemente em forma faria qualquer uma cair de amores por ele, como de costume, já que a metade da sala de aprendizes de alimentários é composta por meninas e todas são apaixonadas por Klaus.

Me desligo totalmente desse pensamento quando ouço o pronunciamento do Chanceler Richard.

- Na conjectura atual, devo-lhes informar que por problemas particulares o Chanceler Norman está exonerado.

Um tumulto se forma em meio aos alunos, todos perguntando o porque da exoneração do Chanceler Norman. Eu ainda não consigo acreditar, meu rosto está gélido e parece que eu acabei de sair de um lago que acabou de ser descongelado. Sinto que vou desmaiar e e no mesmo momento as mãos de Klaus me seguram, sou levada no colo por ele até o banco mais próximo, que fica perto do banheiro feminino. Quero chorar, mas não consigo, nada tira da minha cabeça que todos esses fatos estão interligados. O que o Chanceler Norman teria feito de tão grave a ponto de ser exonerado ? Afinal ele era só um professor, apesar de meio maluco, era um dos melhores. Tudo bem que ele já fora um Analisador, mas o que aconteceu de tão grave para de fosse posto em uma sala de aula ? Ele ainda era novo e poderia muito bem continuar exercendo o que sua casa escolhida mandara. E o que ele viu lá em cima que fazia com que ele gritasse durante a noite e tivesse devaneios ?

- Charlotte, Charlotte, está melhor ? - Escuto Klaus me chamando.

- Estou, um pouco, mas não consigo tirar da cabeça de que isso tudo está interligado.

- Como assim interligado ?

- O adiantamento da Triagem, a exoneração do Chanceler Norman e aquela menininha no caminho de casa ontem a noite. - Digo essas palavras e logo me arrependo profundamente, sei que agora vou ter que contar à Klaus o que aconteceu ontem a noite, logo depois de deixá-lo em casa.

Conto tudo a Klaus, mas o poupo do sonho, penso que quanto menos ele souber, melhor. Assim que termino ele me olha em estado de choque, assim como eu fiquei na noite passada, sua expressão demonstra que ele acha isso tudo tão esquisito quanto eu.

- Acha que isso tudo tem a ver com você ?

- De alguma maneira sim, desde que meu "pai" sumiu eu me sinto estranha e ai acontece tudo isso.

Meu pai nos deixou quando eu tinha 7 anos, disse pra mim que iria pro trabalho e nunca mais voltou. No início eu ainda perguntava por ele, tinha esperanças de vê-lo entrar por aquelas portas cinzas e duras a qualquer momento, sentir seu abraço e seu beijo na testa, como ele fazia toda vez que chegava em casa. Mas aos poucos fui vendo que nada disso aconteceria novamente. Tinha 13 anos quando perguntei a minha mãe o real motivo, mas ela nunca me contou, na realidade, eu mal lembrava algo sobre meu pai ou quem ele era.

Depois de uma longa conversa com Klaus, penso em ir a diretoria para saber o porque da exoneração do Chanceler Norman, mas logo me dou conta de que não vai adiantar nada, já que informações desse tipo não podem ser reveladas. Ainda mais na atual circunstância em que eu tenho a absoluta certeza de que ele foi exonerado como queima de arquivo.

Quando chego em casa, observo que minha mãe está pensativa. Quase não fala comigo, o que é extremamente estranho, já que geralmente ela me conta tudo que acontece no trabalho, e eu sempre finjo que estou interessada. Mas do jeito que estou decido não perguntar o que houve, porque já basta tudo que aconteceu hoje. No momento, tudo que eu quero é dormir, mas assim que eu penso nessas palavras meu programador aciona e vejo que é um memorando do Klaus.

"Como você está ? Estou preocupado. Assim que visualizar esse memorando me responda por favor.

                             K."

Cogito a ideia de apenas desligar o programador, fechar os olhos e tentar esquecer de tudo que anda acontecendo, mas me arrependo assim que penso, Klaus cuidou de mim hoje o dia inteiro, se não fosse ele não sei o que seria de  mim.

"Estou um pouco abalada ainda, mas bem melhor, vou me deitar. O dia hoje foi longo. Obrigada por cuidar de mim.    C."

                                                                                               

TriagemWhere stories live. Discover now