Implosão

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CHLOË


Eu realmente não estava gostando muito da presença dos novos intrusos da Clínica.

Julia era petulante como uma mula, apesar de nós termos nos identificado com um interesse em comum: Skype. Julia adorava animais, mesmo depois de morta, e se apaixonou pela calopsita assim que a viu. Ryan tinha ficado assustado ao vê-la avançar em Skype, mas pareceu barbaramente surpreso quando ela pegou-a nas mãos e aproximou Skype da bochecha para afaga-la com o rosto.

Já Pim era uma "pimstinha", como Ryan começou a chama-la.

– Ryan... a menina já tem um apelido - lembro de ter resmungado enquanto Ryan tentava passar para Pim uma bandeja com dois estômagos sem que sua mão fizesse parte do bufê. Pim parecia um macaco que pulada de um lado para o outro, mas, apesar de tudo, ao contrário de dias atrás, não parecia arisca nem perigosa... apenas agitada.

Papai havia começado a conversar conosco poucos dias. Quando ele me chamara de "pardal", lembro de ter lutado para evitar que lágrimas sangrentas turvassem minha visão. Ele só vinha melhorando à cada dia.

– Chloë... - ele gemeu baixinho enquanto observávamos Pim brincar tontamente com a bola de plástico que Gail a presenteara - tudo bem?

Virei-me para papai. Ele me olhava de um modo cauteloso.

Não pude deixar de notar que sua pele havia ficado mais clara e sua fala mais compreensiva. Ainda tinha alguns ferimentos, que estavam fechando aos poucos.

– Estou bem, papai - murmurei em resposta.

– Queria comer... - ele balançou a cabeça vagamente para o pedaço de pizza crua que Ryan deixara sobrar no sofá.

Arfei baixinho. Desde o incidente de Julia com as balas de uva, Ryan e Gail não haviam tentado induzir os novos zumbis à largarem aos poucos a dieta de corpos.

Peguei o pedaço que jazia na caixa de papelão e o dividi em dois, dando um para papai. Ele olhou para a pizza crua e arriscou morder um pedaço. Vi sua boca se mexer como se tentasse mastigar.

– Ryan... - chamei.

Ryan veio até nós.

– O quê?

Revirei os olhos, indicando meu pai com a cabeça.

Papai engoliu o que mastigava com uma careta.

– Então? - Gail surgiu sabe-se lá de onde atrás de Ryan - Carl?

Papai olhou de um jeito entediado para Gail.

– Sim... dá para comer.

Suspirei, aliviada.

– Opa, mais um ponto no relatório - Gail catou rapidamente o caderninho de notas de cima do balcão e anotou ali com o lápis, botando a língua para fora na beira da boca, como um personagem de desenho animado.

Julia bocejou. Ia dormir de novo? Caramba, aquela garota só roncava...

Pim assistia a tudo impassível, como uma estátua, segurando a bola que ganhara como se dependesse dela para viver - quer dizer, para continuar morta-viva.

Ryan se aproximou de mim antes que eu percebesse. Um arrepio novo correu pelas minhas costas.

Me lembrei, com prazer, do dia anterior, quando eu tinha deixado meia dúzia de códigos éticos e morais para lá e o beijei. Morri de medo que Ryan recuasse, talvez tendo chegado à conclusão que nosso primeiro beijo havia sido apenas um experimento bobo e que nunca beijaria uma garota morta de novo.

Voltando à ViverWhere stories live. Discover now