— Não...

— Eu sei que não era, mas aquilo mexeu tanto comigo que eu só conseguia pensar que ela tinha razão. Se eu não tivesse passado mal, se ele não tivesse...

— Não diga isso. — ele acaricia meu cabelo e meu rosto enquanto nega com a cabeça. — Você era só uma criança.

— É. — concordo um pouco irônica. — Eu era só uma criança e ela não cuidou de mim. — balanço a cabeça e fecho os olhos por um pequeno instante. — Essa foi a última vez que minha mãe falou comigo e eu a vi poucas vezes porque ela não queria me ver. Passava dia e noite trancada no quarto até que um dia, ela se enforcou.

― Eu sinto muito, amor. ― a intensidade com que as palavras saem da sua boca, faz meu coração falhar. Tento ignorar o fato de que ele acaba de me chamar de amor, mas meu corpo não compreende isso. Tampouco o dele. Seu corpo parece vibrar em contato com o meu.

— Fazia tanto tempo que eu não tinha pesadelos.

Ele me abraça e beija meus cabelos.

— Eles sempre dão um jeito de voltar.

Daniel não está falando apenas sobre o meu pesadelo. Quero perguntar o que ele quer dizer, mas suas palavras me interrompem.

— Já está escuro lá fora.

— Quanto tempo eu dormi?

— Nós dormimos. — ele me corrige e pega o celular ao lado da cama. — São nove da noite.

— Você não foi para Milão? — pergunto completamente confusa.

— Não, eu remarquei a reunião para sexta, mas — ele toca a ponta do meu nariz com o dedo indicador. —, nós vamos amanhã. Só para garantir. — concordo rindo. — Você acha que consegue?

— Consigo. E desculpe por hoje.

— Não tem problema.

— Eu acho que vou tomar um banho.

— Eu vou para o meu quarto, deixar você mais a vontade.

— Tá. — ele beija a minha testa e se levanta. Não quero que ele vá embora. — Daniel? — chamo quando ele já está abrindo a porta.

— O quê? — ele se vira e dá um passo na minha direção.

— Você pode ficar comigo hoje? Não quero dormir sozinha.

Ele vacila, engole em seco e passa a mão pelo cabelo. Demora tanto que tenho medo da sua resposta.

— Eu só vou buscar alguma coisa pra gente comer.

Faço que sim sentindo uma incrível sensação de tranquilidade tomado conta de mim.

♥♥♥

No dia seguinte, logo depois do café da manhã, pegamos um trem para Milão. Daniel não diz uma palavra durante todo o percurso e muitas vezes, não responde o que eu pergunto. Está distante e eu diria até mal-humorado.

Tenho certeza disso quando ele se tranca no quarto dizendo que precisa trabalhar. Dou uma volta pelas ruas próximas ao hotel, mas estou agitada demais para ficar sozinha. Eu quero conversar. E quero conversar com ele.Bato à porta do seu quarto e depois de setenta e cinco segundos — acho que eu estou ansiosa também — ele surge na minha frente.

— Oi — digo timidamente quando noto uma veia saltada na sua testa. — Você vai ficar aqui o...

— Eu tenho que trabalhar. — paro de falar quando ele me interrompe com a voz ligeiramente ríspida e volta para a escrivaninha. Odeio essa versão dele e odeio que isso esteja me afetando tanto a ponto de um nó se formar na minha garganta.

— Eu não queria atrapalhar.

Saio do quarto batendo a porta e, de braços cruzados, avanço pelo imenso e luxuoso corredor do hotel. Estou parada em frente ao elevador quando ele sai do quarto.

— Elena, espera! — diz caminhando a passos largos.

— Eu vou sair para comer alguma coisa. — não olho para ele, mas sei que ele está perto porque consigo sentir a vibração entre nós. O elevador chega e quando ameaço entrar, ele segura meu braço, impedindo-me de continuar.

— Desculpe por aquilo, eu só estou um pouco...

— Chato.

— Chato?

— E mal-humorado também. — ele assente. — Você não está falando comigo desde que deixamos Verona e eu odeio que não falem comigo. — a tensão em seu rosto começa a se dissipar e os cantos de sua boca se curvam para cima. — E eu estou com fome e não queria ter que comer sozinha. — Daniel solta uma risada alta e sonora. — Eu sabia que Daniel estava aí em algum lugar.

Ele ri ainda mais e eu me apaixono por sua risada. Eu me apaixono um pouco mais por ele.

— O que você quer comer?

— Hambúrguer — digo empolgada, já sentindo o gosto na minha boca. — Estou sedenta por um hambúrguer.

— Não. — ele faz uma careta e nega.

— O quê?

— Você passou mal ontem, não vou deixar você comer hambúrguer hoje. — abro a boca para dizer que até acho fofo da parte dele se preocupar assim comigo, mas mudo de opinião quando ele volta a falar. — E hambúrguer não é comida de verdade.

— Deus do céu! Quantos anos você tem? — pergunto brincando por causa do seu comentário.

Sorrindo de canto e de um jeito travesso, ele dá um passo na minha direção.

— Trinta e dois.

— Sério? — franzo a testa e ele assente. — Uau!

— O que é esse 'uau'?

— Você é muito velho. — provoco-o — Agora sou capaz de entender todas essas crises de humor.

Uma pequena sombra passa por seus olhos no mesmo instante em que sinto um frio estranho e desagradável na boca do estômago.

— Meu humor não tem nada a ver com a minha idade. — e do mesmo jeito que a sombra chega, ela parte. — Vamos logo comer esse hambúrguer antes que eu mude de ideia.

Ele segura meu braço e me puxa para dentro do elevador. Não consigo ignorar seu toque em minhas mãos durante todo o caminho. Também não ignoro seus olhares cada vez mais intensos quando ele acha que não estou olhando para ele. Não sou capaz de ignorar o fato de que meu coração já é dele.

♥♥♥

— Você sabe escolher bons restaurantes. — saio do elevador e ele vem atrás de mim. Não estou olhando para ele agora, mas sei que ele está sorrindo. Posso sentir isso. — Foi o melhor hambúrguer que eu comi na vida.

— Você é muito exagerada, sabia? — olho para trás e minhas pernas vacilam porque sim, ele está sorrindo. Pego meu cartão no bolso de trás da calça e destravo a minha porta. Estou prestes a olhar para ele outra vez e me despedir quando ele me chama. O sorriso desapareceu e ele parece ligeiramente ansioso.

— Eu provavelmente vou ficar o dia todo amanhã, mas... — ele dá um passo à frente — Eu gostaria te levar para jantar.

— Você está me convidando para jantar?

— Bom, mais ou menos porque acho que estamos fazendo isso desde que nos conhecemos.

— É verdade, mas com esse convite podemos dizer que isso é um encontro?

Ele apoia uma mão na parede, bem ao lado da minha porta e meus olhos seguem atentos seus movimentos.

— Acho que isso é um encontro — diz com a voz mais baixa e o olhar penetrante. Não consigo conter um sorriso e isso é frustrante porque Daniel não está sorrindo, ele continua apenas me encarando. — Eu envio uma mensagem para você durante o dia confirmando o horário e o lugar.

— Vou aguardar ansiosa. — pisco para ele, provocando-o e o sorriso volta ao seu rosto. — Boa noite, Daniel.

Ele se inclina, beija meus cabelos de forma lenta e carinhosa e vai para o seu quarto sem olhar para trás.   

♥ POR TRÁS DAQUELES OLHOS - Degustação ♥Where stories live. Discover now