Capítulo Catorze

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Havia treinado e aprendido durante anos a esperar o inesperado. Atenção é necessária porque, em um minuto de distração, o inimigo pode usar a oportunidade para explodir seu comboio. Nem todo treinamento do mundo, contudo, podia te preparar para algumas coisas tais como certas ironias da vida que te levam a trabalhar para o homem que você detesta desde criança. Ou sua vizinha destrambelhada batendo em sua porta em um horário esquisito – para falar de um assunto mais esquisito ainda. 

- Conversar? – repeti, arqueando a sobrancelha e cruzando os braços. – À essa hora? Não dá para esperar até ser de manhã? 

- Não, não dá. 

- Você não tinha um jantar hoje? – resmunguei, amargo. 

Sim, eu ainda estava de mau-humor por ela ter saído correndo. Ficara com um humor do cão durante o dia inteiro, já que trabalhar havia sido especialmente penoso frente à perspectiva de não encontrar minha vizinha para uma sessão noturna de Game of Thrones. Não percebi o quanto gostava de assistir TV - enquanto minha vizinha atrapalhava tudo com seus monólogos sobre amenidades – até que ela cancelou nossa rotina sem aviso prévio e com uma desculpinha qualquer. - Já foi – respondeu, revirando os olhos. – São onze da noite. 

- E mesmo assim você foi bater na porta alheia. Onde foram parar as boas maneiras, hein? – não conseguia conter o tom zombeteiro. 

- Isso até me irritaria se já não tivesse me acostumado com esse seu tom, Knight. 

Dizendo isso, ela espalmou a mão sobre minha barriga, imediatamente irradiando um calor que fez descer arrepios por minhas costas, e usou sua tática de sempre de me pegar distraído para se esgueirar para dentro da minha casa. Encarei o teto por um segundo, perguntando-me como ainda caía nessa. Soltei o ar pesadamente e arrastei os pés ao segui-la depois de trancar a porta. Reid estava sentada no sofá, os cotovelos sobre as coxas, inclinada para frente e mexendo os pés, mantendo a ponta deles no chão enquanto subia e descia o calcanhar repetida e nervosamente. Sentei-me na mesinha de centro para ficar diretamente de frente para ela. 

- Não gosto de coisas mal resolvidas. Então vamos dar um jeito nisso. 

- Nisso? 

- Por algum motivo fora do entendível, eu aprecio sua companhia – ela ignorou minha pergunta.
Ou melhor, ela praticamente me ignorava por completo, já que falava olhando para algum ponto sobre meu ombro. 

- E, apesar do que você vive dizendo, sei que você também gosta do tempo que passamos juntos. Mas precisamos melhorar algumas coisinhas. A primeira delas são suas maneiras. 

- Minhas... maneiras? – repeti, incrédulo. 

Essa porra de dia de merda não acabava. 

- Exatamente. Não gosto desse tom que você usa comigo – desenlaçou as mãos cruzadas para levantar o dedo indicador em riste. 

- Não gost-

- Esse tom mesmo. Não, não – sacudiu o dedo. 

- Mas que mer-

- Não! 

- Que porr-

- Tente outra vez. 

Minhas mãos se fecharam em punhos enquanto respirava fundo e olhava para o teto, decidindo me acalmar, já que a outra opção era esganá-la. Depois de contar até cinco algumas vezes, finalmente consegui controlar meu temperamento o suficiente para tentar amaciar minha voz e falar: 

- Ok, Ok. Esse tom está bom para você? – falei, baixo e condescendente. 

- Bem mais aceitável – assentiu. – O próximo passo é trabalhar essa sua atitude. 

BlackbirdDär berättelser lever. Upptäck nu