UM: O BOM FILHO À CASA TORNA.

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É raro a pessoa que não carrega consigo uma cicatriz, seja no sentido figurado ou literal da expressão. A dor da perda, o sentimento de arrependimento, ou a sensação de impotência que preponderam em lembranças e recordações de um passado que deveria ser superado ou esquecido.

Afinal, todos nós carregamos cicatrizes. Não é mesmo?

A minha cicatriz, por assim dizer, não derivou de um coração partido, ou por uma desilusão amorosa, foi mais profundo e complexo. Foi a perda. Foi ter a ausência de uma base que me confortou e me sustentou durante boa parte da minha infância, e que foi perdida em uma singela frase com um imenso e incontestável significado.

"Nós iremos nos separar"

Essas foram as palavras das quais eu ouvi cerca de seis anos atrás. A filha única que não teria mais seus pais unidos todas as vezes que ela fosse voltar para casa. A sensação de desespero e de abandono foram inevitáveis, a esperança de ter a minha família unida para sempre quebrou-se e a busca por uma resposta tonou-se inalcançável.

Em muitos momentos, eu sei, que pode parecer idiotice ainda importar-me com a separação de meus pais, mesmo tendo passado seis longos anos do ocorrido. Mas, de certa forma é difícil, independente da idade que se tem, o seu maior desejo sempre será ver seus pais juntos novamente.

E talvez, seja a ausência que eu sinto de ter meu pai todos os dias em meu cotidiano, com seus conselhos e sermões que fazem com que eu viaje e passe as minhas férias de verão em sua casa em Ventura.

A minha amada Ventura!

Eu conheço muito bem a cidade, afinal, eu vivi toda a minha infância e parte da minha adolescência na região litorânea ao norte da Califórnia. E eu não nego que tenho um apreço imenso pelo município que sempre encantou-me por suas praias, e lugares que carregam parte da minha história, de quem eu tenho o orgulho de ser hoje.

Entretanto, logo após a separação de meus pais, a ex-senhora Velmonte - vulgo como a minha progenitora - recebeu uma proposta de emprego do outro lado do país, mais especificamente em Boston. O que não fez ela hesitar em aceitar a propositura e partir o quanto antes para o seu novo destino, levando-me como sua acompanhante e escudeira fiel. Talvez, naquele momento a dor da separação ainda fosse recente ao coração de minha mãe, mesmo que o término tenha ocorrido entre um acordo amigável e pacífico por ambos, e com isso a sua melhor solução foi afastar-se o máximo que pode ou que conseguiu.

A realidade ao meu arredor aflinge-me e eu afasto os pensamentos do passado que refrescam as minhas memórias, quando vejo minhas bagagens surgirem pela esteira juntamente com diversas outras no setor de desembarque do aeroporto. Pego as duas malas com certa dificuldade, as colocando dentro do carrinho para facilitar a minha locomoção. Teria sido mais fácil se meu pai estivesse por aqui, mas depois de longos anos fazendo esse mesmo trajeto, agora ele prefere esperar na parte onde estão as caféterias do que ajudar a própria filha com suas malas.

Isso não parece nada justo!

Sorrio, desperançosa, analisando a minha falta de auxílio com as malas, e certificando-me que tudo está no carrinho e de que não esqueci de nada. Passo a empurrá-lo em direção onde provavelmente irei encontrar meu pai, e o alívio de poder finalmente esticar minhas pernas é de certa forma algo revigorante. Afinal, permanecer dentro do avião por cerca de sete horas consecutivas, sem nada para fazer, e com as aeromoças aconselhando educadamente a permanecer aos acentos, não são uma das melhores coisas que pode ter na vida.

Definitivamente não!

Meus olhos percorrem por cada parte do saguão na tentativa de encontrar meu pai. Avaliando que assim como de costume ele deve estar em alguma das caféterias ou bisbilhotando dentro dessas lojinhas que vendem de tudo, provavelmente esperando que o tempo passasse até a minha chegada.

O SEGREDO DA NOITEWhere stories live. Discover now