𝗖𝗔𝗥𝗗𝗜𝗚𝗔𝗡 : 𝗐𝖾𝖽𝗇𝖾𝗌𝖽𝖺𝗒 𝖺𝖽𝖽𝖺𝗆𝗌 ੭

͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏͏ ͏ ͏ ͏ ͏𝗈𝗇𝖾

Entre lágrimas negras escorrendo pelos olhos, ela viu bonecas. Muitas bonecas. Quando despertou, estava cercada por elas, amarrada a uma cadeira, com a boca coberta e vários olhinhos falsos a encarando. A porta de metal logo à sua frente não demorou para abrir, fazendo um barulho alto e incômodo, somente para revelar a silhueta do tão famoso Escalpelador.

Mãozinha foi o primeiro a atacá-lo. Enquanto isso, Addams se livrava das cordas com a mesma facilidade de sempre. O que aconteceu depois… bem, estava estampado na página de jornal presa à sua parede. Mas não era isso que tanto buscava no livro de sua ancestral.

Afinal, ter deixado o homem careca era quase uma ironia do destino vendo todo o histórico dele, além de ter sido o ponto alto de um verão tão cinza. O problema eram as lágrimas pretas que marcavam sua pele, algo que ela jamais poderia sequer sonhar em contar à mãe. Procurou no livro, página por página, folheando de novo e de novo, mas não encontrou absolutamente nada sobre aquilo.

O ajudante da morena subiu em sua mesa, buscando uma resposta da garota, que apenas fechou o livro e pousou os olhos escuros sobre ele.

── Não vejo nenhuma referência a lágrimas pretas. ─ Respondeu antes mesmo dele perguntar, deixando o livro de lado. ── Eu te disse, foi só uma falha. Não vai acontecer de novo.

Antes de ter uma reação, a voz suave de sua mãe ecoou pelo corredor, logo invadindo o quarto em um quase susto. Talvez se não fosse Wednesday Addams teria se assustado.

── O tropeço já colocou as malas no carro, querida. Temos que ir. ─ Anunciou a mais velha, com aquele sorriso doce o bastante para os Addams. ── Não pode se atrasar no primeiro dia de aula.

Um silêncio recaiu sobre as duas por poucos segundos, um silêncio familiar. Morticia logo voltou a falar:

── Eu queria ter passado mais tempo com você neste verão, sinto que quase não a vi.

A resposta já estava na ponta da língua.

── Como autora, precisava me inspirar e reenergizar, então estive fazendo minhas atividades preferidas: atormentar e humilhar.

E ignorar qualquer traço de saudade que pudesse rachar o padrão rígido do seu coração de pedra.

Mais uma vez a voz de sua mãe atravessou o quarto de forma suave.

── E quando vou ter o prazer de ler seu romance?

“Quando o Sol explodir e a Terra for engolida por lava apocalíptica”, ela pensou. Mas nada disso chegou a sair de sua boca.

── Logo, mamãe. Logo. ─ Respondeu olhando levemente para a mais velha, sem grandes expressões faciais. Nunca foi boa nisso.

Morticia sorriu diante da resposta, assentiu e ordenou que a filha se apressasse antes de deixar o quarto. O som de seus saltos ecoou pela madeira, como um aviso de que ela já estava longe o bastante. Wednesday voltou sua atenção para mãozinha ainda em sua mesa, fuzilando-o com os olhos antes mesmo de ele tentar gesticular algo.

── Não se esqueça quem manda. ─ Quase rosnou entre os dentes.

Em poucos minutos, ela já ocupava o mesmo assento do carro em que estivera antes do verão, observando os pais ao som daquela mesma música romântica que sempre lhe embrulhava o estômago. Agora com a companhia do irmão mais novo no banco da frente, a garota de tranças seguia rumo à escola dos excluídos, isso depois de quase ter sido responsável pela destruição de Nevermore.

O ambiente familiar no carro dos Addams sempre fora um incômodo constante, mas nada a consumia tanto quanto a incerteza quente no peito e o medo silencioso de não reencontrar a mesma colega de quarto. Eleanor Moore foi enviada para um orfanato após o quase fim da escola, um abrigo de garotas padrão, sem lobisomens, vampiros ou psíquicos, só padrões. Wednesday foi assombrada com a ausência de visões de Moore durante todo o verão, sem uma resposta para sua carta ou mensagens, só se lembrando do celular no fundo da última gaveta quando acordava com a risada de sua colega de quarto.